Quinta, 6 de abril de 2017
Por
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Com um Congresso desmoralizado e partidos que não representam ninguém, vamos para mais um arremedo
A
chamada reforma política, há tanto requerida por gregos e troianos – sua
necessidade e urgência talvez seja a única unanimidade de nossos tempos –
far-se-á em momento inadequado e, por tudo o que é sabido, não será, ainda, a
reforma necessária. Esta deverá esperar outras circunstâncias, como uma
Constituinte com condições políticas de passar o País a limpo.
Na
realidade, o que nos é apresentado são tentativas de correção do processo
eleitoral sem qualquer incursão na legislação partidária, e muito menos nas
funções e competência do Poder Judiciário, mormente o Tribunal Superior
Eleitoral. Não se cogita, não se pode cogitar, da reforma do Estado. Qualquer
que seja o alcance dessa reforma em gestação no Congresso, será, portanto, uma
minirreforma capenga. Uma entre tantas das muitas que vêm sendo ditadas desde
1985. Para usar um termo em uso na República de Temer, uma ‘pinguela’ para
podermos chegar a 2018 com uma ordem jurídica razoavelmente conhecida, sem
abalos de última hora, sem golpes legislativos ou judiciais.
Os
momentos de crise, e crise profunda como a que o País está vivendo, são os
menos indicados para reformas políticas, e ainda menos aconselhável é que essas
reformas fiquem à conta de um Parlamento e de partidos que nada representam: a
crise fundamental é de legitimidade dos poderes. Mas é o que temos e sobre
todas essas contingências negativas, sobreleva a certeza consensual segundo a
qual não teremos eleições minimamente legítimas e legitimadoras se a atual
legislação, condenada, não for alterada. Vamos, então, para mais um arremedo.
Nesses
termos, se a reforma política necessária ainda não está na ordem do dia –
porque não atenderá aos interesses da nova hegemonia que tomou de assalto o
Estado e controla o Congresso –, tratemos da reforma possível,
segundo as condições disponíveis. Nesse sentido caminha o relatório do deputado
Vicente Cândido (PT-SP).
Duas
de suas propostas, cruciais, exigem emenda constitucional, o que pode retardar
a reforma, que, assim, mais uma vez será implantada por etapas, portanto
carente de uma lógica interna. São elas o fim da reeleição para todos os níveis
do Executivo (acompanhada do aumento dos respectivos mandatos de quatro para
cinco anos), e, finalmente, a instituição de mandato de dez anos, não
renováveis, para ministros e membros das Cortes, como o Supremo Tribunal
Federal. É evidente que essa só medida não corrige as mazelas todas do nosso
lamentável e antidemocrático Poder Judiciário em suas diversas instâncias, mas
é alvissareiro ponto de partida.
O
relator também incorpora a instituição da chamada ‘lista fechada’ para as
eleições parlamentares, mediante a qual a ordem dos possíveis eleitos é
predeterminada pelo partido. O eleitor, ao invés de, como até aqui, votar num
determinado candidato, vota num partido, uma ficção no lamentável quadro
político brasileiro. Esta tese foi sempre defendida pelo campo das esquerdas
(cujos partidos são aqueles que mais guardam organicidade), e combatida pela
direita e pelo ‘Centrão’, no Congresso, mas agora é ardentemente defendida
pelas lideranças dos grandes partidos conservadores – PMDB, PSDB,
DEM et caterva – e,
significativamente, contra ela se insurge a grande imprensa, que vê na medida
uma artimanha para salvar os mandatos de parlamentares acusados de
irregularidades e, assim, carentes de apoio popular (isto é, votos).
Há,
porém, a este propósito, uma questão de fundo: a já referida falência de nosso
sistema de partidos, siglas na sua maioria administradas por gerentes ou
caciques e suas oligarquias, em quase todos os casos sem qualquer prática
de democracia interna. Na verdade, dominada a ordenação das listas pelas
direções partidárias, o novo sistema terminará por converter-se em instrumento
conservador de mandatos, fortalecendo as oligarquias partidárias e dificultando
a sempre necessária renovação de mandatos parlamentares.
Não
é possível uma reforma qualquer, nesse aspecto, se não se cogita de por em
debate a atual legislação partidária.
Outro
antigo pleito acolhido pelo deputado Vicente Cândido é o fim das coligações nas
eleições proporcionais, mas ele se esquece de instituir, pari passu, a federação de partidos. Assim, com o bom
propósito de punir as siglas de aluguel e negócios escusos, se estará, na
verdade, impedindo que correntes ideológicas no extremo do espectro político
tenham representação no Congresso.
Há
questões graves que permanecem intocadas, a saber, o rateio do fundo partidário
e do tempo de televisão, fundamentais nas campanhas. É evidente que é
necessário exigir-se um razoável desempenho eleitoral, tanto para que o partido
tenha representação parlamentar, quanto para que tenha acesso a tempo de
televisão – em regra utilizado pelas siglas comerciais, a maioria,
para vender coligações nos pleitos majoritários, quando o desempenho no horário
eleitoral gerido pelo TSE torna-se decisivo.
A
propósito de TSE, a reforma não cogita de pôr cobro ao seu nocivo hábito de, a
pretexto de regulamentar a legislação em cada eleição, mesmo quando não há
alteração legislativa, ingressar no velho vezo, que terá aprendido com o
Supremo, de atuar como se fora poder legiferante.
O
financiamento público das campanhas – a realidade grita – é medida inadiável e
necessária, e o Fundo Eleitoral precisará de régua e compasso para assegurar
que a isonomia partidária não se transforme em instrumento de pulverização dos
recursos púbicos, ou que estes se tornem mais um instrumento de poder das
oligarquias partidárias.
Mas
precisa complementar-se com a drástica redução dos custos das campanhas
eleitorais, comandadas – com as estarrecedoras e conhecidas
consequências – por marqueteiros desvinculados da política ou de
qualquer juízo ideológico, cujo papel, milionário, é o de intervir para
manipular a opinião dos eleitores com artifícios alheios à política, de
particular nos programas de televisão. Estes deverão ser postos a serviço da
transparência, seu conteúdo deve ser tão-só o discurso puro e limpo do
candidato, sem participação de terceiros, sem truques e sem trucagens e sem os
conhecidos recursos da mídia comercial.
As
dificuldades visando à implantação dessas medidas, tão poucas, e o relator
merece nossas homenagens, são indicativas da crise política que, não podendo
sanar, a reforma de hoje tenta contornar.
Não
é ainda a travessia para um regime legítimo, popular, representativo, mas é o primeiro
e necessário passo para que, asseguradas as eleições de 2018, possamos partir
para uma Constituinte que, legítima e legitimadora, reconstrua a ordem
constitucional-democrática comprometida com a emergência das massas e o
aprofundamento da democracia que, curando a democracia representativa de suas
limitações de hoje, caminhe para a democracia participativa – que
era, aliás, o projeto do constituinte de 1988.
Essa
Constituinte não descerá do céu como milagre dos deuses apiedados com nossa
tragédia continuada, mas dependerá da organização popular que, por seu turno,
dependerá de novas direções e comandos. Ou seja, dependerá de partidos
políticos e políticos, líderes e não gestores, capazes de construir uma nova
hegemonia – esta, democrático-popular – que terá
substituído a súcia que tomou de assalto a República, grupo poderoso que
todavia não representa a complexidade das relações sociais, composto que é pelo
conluio oportunista do agronegócio, com o clero evangélico-mediático e o
capital financeiro rentista, nacional e internacional.
Lá
como aqui. O candidato da direita no Equador, derrotado por Lenin Moreno,
vice-presidente de Rafael Correa, reagiu à vitória da esquerda tal qual, aqui,
seu colega Aécio Neves: pedindo recontagem dos votos. Lenin igualmente derrotou
todas as previsões, expectativas e anseios da grande mídia brasileira.
*Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia