Segunda, 17 de abril de 2017
Da Abrasco
Impensável abdicarmos do esforço pelos movimentos sociais e políticos
de denúncia das atuais reformas oficiais geradas no Ministério da
Fazenda em nome da retomada do nosso desenvolvimento, e iniciadas pela
EC-95/2016, que estanca de vez os gastos públicos com o desenvolvimento
social e econômico. Tão ou mais importante será um esforço ainda maior
e, socialmente mais contagiante e efetivo de, além da denúncia,
intensificarmos a formulação e proposição com amplo debate pela
sociedade e sua mobilização em torno de inadiáveis reformas efetivamente
do interesse de toda a população e do desenvolvimento do país. A
reforma política e eleitoral voltada para representação verdadeira dos
segmentos sociais no poder Legislativo, tornando-o caixa de ressonância
também dos direitos e aspirações das maiorias sociais, e com controle
direto da coerência e qualidade no exercício dos mandatos, e o resgate
dos pilares republicanos das relações entre os poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário.
Sob esses princípios, também as reformas tributária, previdenciária,
trabalhista, fiscal (com auditoria da dívida pública) e outras a serem
resgatadas e debatidas amplamente. As maiorias, a quem interessa esse
amplo debate e reformas, constituem mais de 94% de toda a população, os
que trabalham na produção de bens e serviços, isto é, dependem da
produção que gera nosso PIB: são os trabalhadores miseráveis, os
desempregados, os assalariados, os autônomos incluindo os de nível
superior, os pequenos, médios e parte dos grandes empresários que não
passaram a rapinagem da especulação financeira. Lembremos que os grandes
rentistas da nossa dívida pública e os agiotas dos empresários
produtivos, incluindo os bancos privados, não passam de 3 a 4% da
população, assim como a estimativa da respeitada Oxfam Internacional
(Comitê de Oxford de Combate à Fome), da equivalência da riqueza da
metade mais pobre da nossa população, com a riqueza das seis pessoas
mais ricas do Brasil que sugam o nosso PIB.
Nosso país tem o privilégio de contar com intelectuais, técnicos,
pesquisadores e estudiosos das nossas universidades, instituições de
pesquisa como o IPEA e IBGE, órgãos como a ANFIP (Associação Nacional
dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), comissões
permanentes do Legislativo, centros de estudos e arquivos de alguns
Ministérios, amplamente reconhecidos e respeitados nas ciências sociais,
políticas e jurídicas, assim como na história, economia, tributação,
atuária, e outras. Em sua grande maioria não só vem desmentindo e
desmistificando os aspectos enganosos das ditas “reformas oficiais”,
como também acumulando grande número de estudos e propostas, estas sim,
mais consistentes e voltadas efetivamente para o desenvolvimento e os
direitos e aspirações justas da esmagadora maioria da sociedade. No
plano político dos debates e fortalecimento dessas propostas para a sua
aprovação e legalização, não há como não passar por debates que
simultaneamente: a) ganhe apoio e aprimoramentos crescentes dos mais
amplos e importantes segmentos da sociedade geradora do PIB e suas
entidades, e b) haja especial cuidado de, nesse processo, construir as
bases comuns dos estudos e propostas existentes, projetos unitários e suas necessárias etapas.
Desde a Constituição de 1988 a ampliação desse debate na sociedade e
sua unificação, não tem ocorrido com a intensidade, prioridade e
oportunidade necessárias para disputar e influir efetivamente na direção
das políticas públicas em nosso Estado. Desde a coligação partidária do
governo federal/1990 até a atual coligação pós-impeachment, passando
por todas as demais, os esforços e energias por reformas
estruturalmente desenvolvimentistas e democratizantes estariam se
concentrando mais na negação das propostas oficiais conservadoras,
aparentemente faltando energia e clareza para concentrar-se no
recolhimento e unificação das propostas desenvolvimentistas e
democratizantes, debatê-las amplamente e disputa-las na opinião pública e
no Parlamento. Tem a ver com o atrelamento desde os anos 90, do nosso
modelo de desenvolvimento ao capitalismo periférico dependente com
elevada desigualdade social. Modelo este, politicamente sustentado por
poder Executivo com fortes prerrogativas legislativas (MPs, PECs, etc)
que mantem coligações partidárias majoritárias submissas por indicação
massiva de cargos no 1º e 2º escalões do Executivo, pesada triangulação
empresarial no financiamento de campanhas eleitorais e incluindo MPs
com venda de emendas parlamentares (“jabutis”), verdadeira feira
nacional de suborno. Tudo concorrendo para subtrair do poder Legislativo
seu caráter histórico de “caixa de ressonância da sociedade”.
No prazo político a partir deste abril, alguns recuos já vem sendo
impostos ás reformas impostas pelo Ministério da Fazenda e Presidência
da República, devido ás manifestações da opinião pública e de parte dos
parlamentares, restando ainda extensos retrocessos ao país e á
população, a serem evitados. As propostas unitárias e amplamente
defendidas pela população, chegarão a tempo para disputarem apoio no
Legislativo ainda em 2017? Pelo menos com poder de fogo para negociar
uma ou mais etapas com a atual hegemonia? Quais reformas e o projeto de
nação a ser debatido no ano eleitoral de 2018 para a população optar?
Quais compromissos para o novo governo farão parte do debate eleitoral?
Qual o leque de segmentos sociais que deve participar desde já? Ou
predominará delegação acrítica pela sociedade a cúpulas partidárias de
coligações e personalidades “produzidas”?
É sob esse contexto maior que o SUS constitucional, de radical
inclusão social, tem sua estrutura se consolidando no SUS de fato: um
sistema pobre para os 75% de brasileiros sem recursos para adquirir
planos privados, e sistema complementar para os 25% de consumidores de
planos privados desde os mais baratos aos mais caros, mas permanecendo
usuários do SUS para materiais e serviços de saúde mais sofisticados e
caros, com per capita total de gastos com saúde, entre 4 a 6
vezes maior do que o destinado aos 75% mais pobres. Prossegue inclemente
redução do gasto público com serviços próprios, substancial elevação
das compras públicas de serviços privados complementares e polpudos
subsídios públicos às empresas privadas de planos de saúde.
(Nelson Rodrigues dos Santos, chamado pelos amigos da Saúde
Coletiva de Nelsão, foi Professor Titular de Saúde Coletiva na
Universidade Estadual de Londrina, Consultor da OPAS/OMS, Professor de
Medicina Preventiva e Social da Unicamp. Assumiu funções de direção no
Sistema Público de Saúde, nos níveis municipal, estadual e nacional.
Atualmente é Professor Colaborador da Unicamp, Presidente do Instituto
de Direito Sanitário Aplicado – Idisa e membro do Conselho Consultivo do
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes)