Domingo, 9 de abril de 2017
Léo Rodrigues – Correspondente da Agência Brasil
A
picada da aranha armadeira pode provocar, nos homens, o priapismo.
Trata-se de uma ereção involuntária e dolorosa que, se não for tratada,
pode levar à necrose do pênis em alguns casos. No laboratório, porém,
cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação
Ezequiel Dias (Funed) mostraram que o veneno desse aracnídeo pode ser
manipulado em favor da saúde e levar a um novo medicamento para
disfunção erétil, com algumas vantagens em relação aos já existentes no
mercado. A biotecnologia desenvolvida já foi licenciada pela empresa
Biozeus, que dará sequência ao projeto.
De origem sul-americana, a
aranha armadeira é bem distribuída no sudeste brasileiro, tanto em
áreas rurais como em áreas urbanas. Conhecida cientificamente como Phoneutria nigriventer,
ela é também chamada popularmente de aranha-de-bananeira por ser
constantemente encontrada em cachos de bananas. Seu veneno é
extremamente potente e pode provocar a morte de pequenos mamíferos. A
picada em humanos não é incomum.
Segundo dados preliminares do
Ministério de Saúde, o país registrou no ano passado 171.576 acidentes
com animais peçonhentos. A maioria dos casos estão relacionados com
escorpiões. Foram 90.026 registros. Os episódios com aranhas vêm em
segundo lugar e envolvem 28.799 notificações, das quais 14% se
relacionavam com a aranha armadeira. A maioria dos acidentes ocorre
quando a espécie se esconde entre entulhos ou busca abrigo nas
residências, misturando-se às roupas e aos sapatos.
A pesquisa da UFMG e da Funed teve início há mais de dez anos, quando a molécula responsável pelo priapismo – a toxina PnTx(2-6) – foi isolada do restante das substâncias do veneno. Os primeiros estudos buscaram mostrar o processo pelo qual essa molécula levava à ereção. A toxina mostrou atividade nos canais para sódio, que são altamente distribuídos pelo organismo e presentes, por exemplo, no sistema nervoso e nos músculos do coração.
A pesquisa da UFMG e da Funed teve início há mais de dez anos, quando a molécula responsável pelo priapismo – a toxina PnTx(2-6) – foi isolada do restante das substâncias do veneno. Os primeiros estudos buscaram mostrar o processo pelo qual essa molécula levava à ereção. A toxina mostrou atividade nos canais para sódio, que são altamente distribuídos pelo organismo e presentes, por exemplo, no sistema nervoso e nos músculos do coração.
“Nós começamos a estudar qual a parte da
toxina atuava nesses canais, para que pudéssemos removê-la. Ao final,
dos 48 resíduos de aminoácido que compõem a toxina, nós selecionamos um
grupo de 19 aminoácidos e eliminamos o resto. E a partir desse estudo,
pudemos sintetizar o peptídeo PnPP 19. Aí, já não era mais a molécula do
veneno. Era outra molécula produzida em laboratório”, explica a
pesquisadora Maria Elena de Lima Perez Garcia, do departamento de
química e neurologia da UFMG.
O peptídeo PnPP 19 foi testado em ratos, onde foi verificada a ereção sem os efeitos indesejados. “Para nossa surpresa, ele não mostrou toxicidade nenhuma nos animais. E também não foi imunogênico, isto é, o organismo não produziu anticorpos contra a substância. Observamos que não houve nenhuma outra alteração no tecido do pênis além da ereção. E também não houve ação nos canais para sódio no restante do organismo”, relata Maria Elena.
O peptídeo PnPP 19 foi testado em ratos, onde foi verificada a ereção sem os efeitos indesejados. “Para nossa surpresa, ele não mostrou toxicidade nenhuma nos animais. E também não foi imunogênico, isto é, o organismo não produziu anticorpos contra a substância. Observamos que não houve nenhuma outra alteração no tecido do pênis além da ereção. E também não houve ação nos canais para sódio no restante do organismo”, relata Maria Elena.
Medicamentos
Os
testes com a nova molécula vêm sendo conduzidos pela pesquisadora
Carolina Nunes Silva, que desenvolve seu doutorado em cima da pesquisa.
Ela acredita que um medicamento com base no peptídeo, por ter um
mecanismo diferente, poderia atender pacientes com contraindicação aos
que hoje estão em circulação, como o Viagra ou o Cialis.
“O
grande problema do Viagra é que ele não pode ser usado por pessoas que
tem problemas cardiovasculares. E, pelo que vimos, um medicamento a
partir do peptídeo não teria esse problema. Nós fizemos testes isolados
nos corações dos ratos e também em canais pra sódio expressos
exclusivamente no miocárdio e não foi observada nenhuma ação”, diz a
pesquisadora. Ela avalia ainda que é possível imaginar medicamentos que
combinem as duas drogas. “O efeito aditivo pode atender a pacientes que
não sejam tão responsivos ao Viagra”, acrescenta.
Resultados mais
recentes mostraram que o peptídeo estimulou a ereção em ratos com
diabetes ou hipertensão, enfermidades que podem provocar a disfunção
erétil. A molécula também não provocou alteração na pressão arterial dos
roedores. Essa é uma boa notícia para muitas pessoas diabéticas e
hipertensas com contraindicação ao Viagra ou ao Cialis, pois são
medicamentos que podem amplificar a vasodilatação e levar a quedas
acentuadas e perigosas da pressão arterial.
Um medicamento a
partir do peptídeo PnPP 19 possivelmente não geraria esse efeito
indesejado. “Os avanços da pesquisa nos animam. Quando começamos os
estudos, era mais pela curiosidade em entender a farmacologia do veneno.
Pela toxicidade da substância, não imaginava que íamos chegar a um
medicamento e hoje estamos caminhando nessa direção. Confesso que foi
praticamente um golpe de sorte, porque quando passamos a trabalhar com
os 19 aminoácidos, a molécula deixou de ser tóxica e, ao mesmo tempo,
continuou ativando a ereção sem nenhum efeito secundário. Tem uma dose
de conhecimento, mas também uma dose de sorte”, diz Maria Elena.
Patente
A
UFMG detém a patente da biotecnologia que desenvolveu o peptídeo PnPP
19. Em dezembro de 2016, foi feita a transferência de tecnologia para a
Biozeus, que passou a ter os direitos de exploração da molécula. A
empresa, que existe desde 2012, promove a articulação entre as
instituições científicas e as indústrias farmacêuticas.
“Nós
mapeamos estudos com potencial para gerar fármacos que atendam a uma
necessidade médica global. E fazemos os ensaios que podem comprovar a
viabilidade do produto. A indústria hoje busca minimizar riscos. Então,
ela evita realizar as primeiras fases dos testes, que envolvem uma
aposta financeira alta. Atualmente, ela prefere licenciar projetos mais
desenvolvidos. Aí, entra a nossa empresa", explica Perla Borges,
analista de projetos da Biozeus.
Alguns testes mais complexos e
mais caros estão sendo realizados no exterior. Se as etapas ocorrerem
dentro do esperado, o produto pode chegar ao mercado em 2023. Os ensaios
pré-clínicos com animais levariam mais dois anos. Os testes clínicos
com humanos demandariam aproximadamente quatro anos, parte deles
desenvolvidos pela Biozeus e outra pela indústria que vier a se
interessar pelo remédio.
A Biozeus está estudando a melhor formulação. Uma das possibilidades é o desenvolvimento de um medicamento para aplicação tópica, como pomada, gel, creme ou adesivo. Testes preliminares na UFMG mostraram que a aplicação do peptídeo na pele dos ratos provocou ereção. Um remédio com essas características, além de reduzir bastante os riscos de efeitos adversos, pode obter uma tramitação mais rápida nos órgãos de saúde.
A Biozeus está estudando a melhor formulação. Uma das possibilidades é o desenvolvimento de um medicamento para aplicação tópica, como pomada, gel, creme ou adesivo. Testes preliminares na UFMG mostraram que a aplicação do peptídeo na pele dos ratos provocou ereção. Um remédio com essas características, além de reduzir bastante os riscos de efeitos adversos, pode obter uma tramitação mais rápida nos órgãos de saúde.