Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 22 de abril de 2017

Os que foram perseguidos no PT fazem um apelo aos antigos companheiros

Sábado, 22 de abril de 2017
Do Blogue Náufrago da Utopia
Por Dalton Rosado



Confesso que experimento um sentimento de constrangimento, até de vergonha, diante da comprovação da dimensão da corrupção praticada pelo núcleo duro do poder petista. Não se trata de um regozijo revanchista para com ex-companheiros da direção partidária ora em desgraça e que nos perseguiram dentro do PT. É também um voto de esperança, torcendo para que tudo sirva de lição e aprendizado.

Não se pactua com satanás sem que se saia queimado pelo calor do seu tridente.
Fui fundador do PT em Fortaleza. Participei da eleição de 1982 quando escolhemos um antigo comunista honrado, o professor Américo Barreira como nosso candidato a governador. Éramos poucos e, como diziam amigos de esquerda, descrentes da possibilidade do PT vir a ter alguma representatividade política no Ceará (nem o PMDB conseguia enfrentar os coronéis com alguma chance de vitória), nós todos cabíamos numa Kombi. Perdemos, obviamente, mas saímos de cabeça erguida, sem apelar para ajudas financeiras espúrias.

Mas a coisa foi tomando corpo e, aos poucos, apareceu gente do movimento de bairros, do movimento sindical, do movimento de mulheres, de pessoas ligadas à defesa dos direitos humanos (como eu, que era advogado nessa área), alguns intelectuais progressistas, etc. De repente, passamos a ter alguma representatividade.

O PMDB (que, à época do bipartidarismo, hospedava diversas vertentes da esquerda) forçou a saída de membros mais revolucionários, passando a assumir a sua verdadeira identidade, qual fosse a de falsa oposição à ditadura; afinal, foi um partido criado pelos usurpadores do poder como forma de dar legitimidade à farsa democrática de um governo militar ditatorial.

Maria Luíza: símbolo de um PT mais ético



O nascente Partido dos Trabalhadores foi o receptáculo natural de muitos dos militantes de esquerda que estavam fustigando no início dos anos 80 a combalida ditadura, enfraquecida pela corrupção e piora da economia após o falso milagre brasileiro.

O PT de então agrupava sindicalistas combativos e pessoas que arriscavam a vida e privilégios numa afronta perigosa a uma ditadura militar que, embora decadente, ainda estava viva e apoiada pela sempre poderosa e conservadora elite econômica e política brasileira.

Qualquer grande capitalista que aparecesse nas reuniões e assembleias do PT se sentiria como peixe fora d’água. O discurso petista enchia de esperança os que, como eu, desde os albores da juventude, lutavam por uma sociedade justa a partir da inserção no jogo político eleitoral (com certa dose de ingenuidade). 


Bradávamos por eleições diretas como se essa fosse a chave para a solução de todos os problemas (ou, no mínimo para o início da solução). Desconhecíamos o poder de manipulação do capital e da elite política brasileira a seu serviço no processo eleitoral. O foco de todos nós era a queda da ditadura.

As grandes mobilizações de 1984 pelas eleições diretas foram traídas por muitos daqueles que estavam à frente do movimento, mas fazendo jogo duplo, pois lhes convinha mais que a decisão se desse no Colégio Eleitoral. Caso da velha raposa da política tradicional, o peemedebista de então Tancredo Neves, cuja possibilidade de ser o principal candidato das oposições pela via direta era mínima.

Veio a rejeição da Emenda Dante de Oliveira e muitos dos chorosos parlamentares derrotados no Congresso Nacional, vibraram em seus gabinetes e corações com a possibilidade de escolha de um presidente e vice por eles mesmos. 


Outro expurgo traumático: Heloísa Helena, Luciana Genro e Babá

Foi assim que José Sarney, o presidente do PDS (partido da ditadura militar que, no futuro, se tornaria aliado confiável do PT), conseguiu se eleger presidente da República, ou seja, a ditadura caiu e seu representante político mais proeminente ficou de pé e dirigindo o país. Só com uma elite política como a brasileira é que tal fato político pode ser explicado.

O PT parecia ser a força política capaz de galvanizar a luta dos oprimidos contra a opressão.

Foi nesse caldo de cultura que veio a primeira vitória do PT numa capital de estado: em Fortaleza, a quinta do país, em 1985. A eleita era uma mulher temperada nas lutas do povo, marxista, decidida a governar a cidade mesmo sem ter a apoiá-la um único vereador, deputado estadual ou federal; e isto quando as prefeituras ainda funcionavam como secretarias de estado, uma vez que a ditadura havia retirado suas autonomias financeiras (que somente seriam restabelecidas em 1989).

Fui secretário de Finanças desta primeira experiência petista e comemos o pão que o diabo amassou por mantermos a nossa postura de não conciliação com as forças políticas convencionais; ademais, sem ceder um milímetro às tradicionais concessões (leia-se corrupção) com o dinheiro público.

Para nossa surpresa, eis que o PT nos virou as costas. Já estava em curso a negação de tudo aquilo que se acreditava ser a própria alma do PT.

Este jamais seria conivente com mensalões e petrolões


Fomos expulsos porque o então chamado grupo da Maria Luíza não só me indicou para concorrer à sucessão, como não se vergou às pressões para desistir da escolha que fizera. 

Deixamos o poder municipal como entramos (pobres financeiramente); e perseguidos pelo PT e por outros segmentos da esquerda (PC do B incluso), que fizeram coro com a direita que sempre nos detestou. Mas saímos com o sentimento de quem cumpriu um dever histórico e com a consciência em paz de quem jamais manchou a própria honra.

Tudo isso nos serviu como lição que aos poucos consolidaria convicções práticas e teóricas riquíssimas, capazes de nós fazer compreender quão ineficaz é a luta política tradicional contra o poder do capital dentro de sua arena eleitoral e administrativa, e da qual jamais devemos participar.

O PT, daí em diante, cada vez mais se tornou igual àqueles que dizia combater. O poder corrompe; e a continuidade no poder corrompe muito mais, como se dizia outrora.

Tal qual na fábula da rã que não se apercebeu que o calor reconfortante inicial da água em aquecimento terminaria por entrar em ebulição e matá-la, o PT está sendo cozido no caldeirão do diabo no qual escolheu viver e conviver.

AOS MILITANTES HONESTOS QUE SOFREM COM OS RESPINGOS DE LAMA

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O que pode esperar quem se associa a Suicídio Amoral?

Conheci e conheço muita gente digna no PT, que sofre por ser identificada como petralha, mesmo não o sendo.

Gente que está assistindo, incrédula, ao festival de delações ricas em detalhes e de fácil comprovação, muitas feitas por inimigos de classe que jamais deveriam ter sido aceitos como parceiros de jornada; outras por aliados do PT; algumas provenientes de companheiros do tipo Dulcídio do Amaral (Suicídio Amoral, se me perdoam o trocadilho pronto); e até de quem tem histórico revolucionário mas o compromete em infames tentativas de salvar a própria pele. São delatores corruptos que estão apontando os seus dedos sujos contra parceiros de roubalheira. Um nojo.

Em seu sofrimento, há os que tentam justificar tudo como se fosse uma orquestração da direita (que realmente se regozija com a retirada das máscaras de caráter de importantes dirigentes da esquerda), alegando que tudo não passaria de uma grande conspiração orquestrada pelo capital nacional e internacional, como se o fim justificasse os meios utilizados pelo PT quando do exercício do governo. Ou seja, as maracutaias teriam sido perpetradas em benefício do povo, num sentido mais amplo. Tal postura é evidentemente, injustificável e insustentável.

Antes de defenderem os desvios de caráter (que indiscutivelmente ocorreram!) por parte daqueles em quem acreditaram e confiaram, tais companheiros íntegros deveriam combatê-los, compreendendo que existe uma contradição inconciliável entre o exercício do poder político burguês, institucional, e a honestidade. 

Há tendências do PT opondo-se à conciliação de classes


Quando a esquerda chega ao poder sob a égide do capital, ou se corrompe, e assim sobrevive por algum tempo até que o próprio sistema a desmascare (como agora ocorre); ou não se corrompe e dele é defenestrado politicamente como um vírus estranho ao organismo.

A principal lição a ser extraída pelos que estão a presenciar tal festival de horrores, que estão com o coração sangrando de dor e a mente latejando com a humilhação sem fim (digo isto sem nenhum espírito de retaliação contra os que tanto me hostilizaram e agora estão em desgraça), é a seguinte: ao invés de almejarmos a assunção ao poder burguês, temos é de o negar completamente.

Como? Lutando para forjarem um anti-poder que, mesmo não sendo imune aos vários tipos de corrupção inerentes à condição humana, dificulte a sua prevalência, ao invés de se constituir num estímulo à sua ocorrência, como se dá sob o capitalismo.

A saída para os companheiros petistas dignos, enfim, não é a defesa do indefensável, mas a construção de um novo caminho, sem o capital e seus construtos político-institucionais.
   
PS: delatar companheiros para salvar a pele, alegando que age em nome do bem do Brasil, demonstra que o delator, além de hipócrita e corrupto assumido, é dedo-duro traidor de seus cúmplices de roubalheira.  

Para que tem dignidade pessoal, a cadeia por longo tempo é moralmente mais digna do que uma tornozeleira eletrônica num apartamento de milhões de reais por pouco tempo.