Da Tribuna da Imprensa Sindical
Por Aderson Bussinger
A lei áurea, editada em 13 de maio de 1889, veio à luz após uma
série de outras legislações como a lei do ventre-livre e outras,
limitando a possibilidade de escravização de africanos em terras
brasileiras, para os que doravante nascessem aqui, como limitando
punitivamente o tráfico negreiro, sob a fiscalização do governo inglês
que, inclusive, bombardeava navios negreiros.
Mas
o fato foi que, apesar de escasso quando de sua formalização, a
escravidão foi realmente abolida juridicamente por este diploma legal.
Ocorre que, hoje, na atualidade, ante a verdadeira fúria
"modernizadora" das relações laborais, no afã de baratear ainda mais a
combalida mão de obra brasileira, convém até perguntar aos "doutores do
liberalismo", dentre seus prepostos no governo e congresso nacional, se
não seria o caso, então, de revogar não somente a CLT mas a própria lei
áurea, retornando o Brasil ao regime de escravidão, que, no mesmo
diploma revogatório, poderia, também,quem sabe..., acrescentar que esta
escravidão seria estendida aos brancos também, de modo que teríamos
então, um aperfeiçoamento do sepulto regime escravocrata reinante no
império brasileiro para um moderno, amplo e sobretudo barato sistema de
escravidão atualizado, que, juntamente com as práticas de trabalho
escravo já denunciadas pelo MPT, e OIT, bem como o trabalho infantil,
poderiam compor o novo regime laboral nacional, calcado na escravidão
modernizadora, ampla e irrestrita, que certamente poderia atrair novos
investidores, sobretudo chineses, onde é sabido que vigora um regime de
exploração de mão de obra barata e, inclusive, de crianças, em mega-empresas terceirizadas.
Pois bem, faço esta
pequena ironia, - mas com um fundo de verdade - para dizer que, a
considerar o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, ontem pela
madrugada (sempre de madrugada...), o que irá predominar no Brasil será
um regime totalmente permissivo aos ditames não do velho
escravagista, porque este não mais existe, mas sim favorável e a
disposição do empresariado abraçado pelo governo corrupto de Temer, que
conseguiu, através da aprovação desta contra-reforma, alterar a
principal peça e coluna de sustentação do direito do trabalho, qual
seja: o objeto negociado. Com efeito, quando esta lei estiver em
vigor, o acordado sobre o legislado passará a ter força de lei sobre
nada mais nada menos que 15 itens da relação de trabalho, dentre os
quais, os mais importantes: jornada de trabalho e remuneração. A jornada
de trabalho poderá ser ajustada diretamente com o sindicato, apenas
respeitando o limite de 12 horas diárias, mas também diretamente com o
empregado, sem a intervenção sindical, o que facilitará em muito a
imposição de jornadas extravagantes e destruidoras de organismos
humanos, o que - mesmo com a atual legislação protetiva- já vem sendo
implementado; Imaginem como ficará a partir de agora? Poderão ser
negociados intervalos menores que uma hora para o almoço, uma velha
reivindicação patronal, bem como estará autorizada a adoção da jornada
intermitente, que significa a prestação de serviços de forma
descontínua, em apenas alguns dias ou mesmo horas por semana, com
exceção dos aeronautas; Isto significa, na prática, a legalização do
"bico", permitindo a maior exploração da mão de obra, com menor custo, a
qualquer momento, por breves períodos, conforme o gosto do empregador. A
terceirização aprovada também aprofundará a precarização e
desproteção, a exemplo do que hoje já ocorre mesmo sem a aprovação deste
projeto, pois, mesmo que não possa recontratar o empregado demitido por
18 meses, através de "pessoa jurídica", conforme aprovado, isto não
impede que contrate outros trabalhadores, com semelhantes qualificações,
para exercerem as mesmas funções dos ex-empregados, com salário menor. É
isto, por exemplo, que a empresa EMBRAER S.A, vem fazendo em relação a
parte de sua mão de obra, principalmente a mais especializada. Imaginem
como agirá agora, com tamanha permissividade concedida pelo projeto ora
aprovado ?
A flexibilização para que
gestantes e lactantes possam trabalhar em locais insalubres, chega a ser
uma provocação, um crime odioso contra o feto que traz na barriga. O
parcelamento de férias também facilitará a imposição do que interessar
ao empregador, em termos de programação de descansos anuais. Também a
possibilidade de dispensas "por comum acordo", somente facilitará e
estimulará a chantagem do empregador quando ameaçar demitir "em nada
pagar" e, em troca, oferecer a "opção" do distrato acordado, "de comum
acordo", o que significa dotar o empregador de uma verdadeira "corda"
para enforcar ainda mais o trabalhador em vias de dispensa, pois é
sabido o tempo que terá que aguardar para solução de um processo
judicial, o que fará, na maioria das vezes, com que aceite a nova "dispensa negociada". Bom para quem demite!!
Enfim,
temos um terrível quadro nas relações trabalhistas, o qual teremos
que reverter nos próximo período, através de muita luta, bem como
também recursos jurídicos, enfim, tudo que estiver ao alcance, ainda que
cada vez a cúpula do STF, especialmente, demonstre estar totalmente
favorável a este descalabro trabalhista, incluindo também o atual
presidente do TST. E para finalizar, quanto à pergunta inicial, sobre o
porque não se revoga a lei áurea, então, passo a refletir que
realmente não é do interesse patronal e do governo golpista editar tal
revogação, passado mais de um século, pois, se assim o fizer, terá que
minimamente alimentar os novos escravos, conceder o direito a
minimamente novas senzalas, roupa, além de ter que investir em toda uma
estrutura policial para prática massiva de açoites aos escravos
revoltados com este sistema, que certamente serão milhões, o que não
será econômico para os empregadores. O atual sistema de exploração
capitalista, adotado pelo Brasil, com pouca proteção ao trabalhador, é
mais barato, convenhamos.
*
Aderson Bussinger. Advogado Sindical, Mestre em Ciências Jurídicas e
Sociais/UFF, colaborador do site TRIBUNA DA IMPRENSA
Sindical. Conselheiro da OAB-RJ (2016/2018), Diretor do Centro de
Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, membro Efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros-IAB.