Quarta, 19 de abril de 2017
Do STF
Na sessão desta terça-feira (18), a Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF) decidiu, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 138565,
extinguir processo penal que tramitava contra O.T.N., que teve sua
residência em Americana (SP) vasculhada por policiais civis sem mandado
judicial de busca e apreensão. A polícia relatou ter encontrado 8 gramas
de crack e 0,3 gramas de cocaína, e determinou a prisão em flagrante de
O.T.N. pela acusação de tráfico de drogas.
Consta dos autos que, em julho de 2016, policiais civis que
realizavam operação contra o tráfico em Americana (SP) suspeitaram que
O.T.N. estaria filmando a ação policial. Com esse argumento, abordaram o
cidadão e, na sequência, sem a existência de mandado judicial,
realizaram busca na sua residência, ocasião em que encontraram a droga.
Preso em flagrante, O.T.N. foi acusado da prática de tráfico de drogas e
permaneceu custodiado até novembro de 2016, quando obteve liminar do
relator do caso no STF, ministro Ricardo Lewandowski, que determinou a
sua soltura, se não estivesse preso em decorrência de outros motivos.
A defesa questionou, no Supremo, decisão individual de ministro do
Superior Tribunal Justiça (STJ) que manteve decisão de desembargador do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Nos dois casos, foi afastada a
alegação de que a prova colhida seria ilícita, uma vez que a entrada na
residência do investigado se deu sem mandado judicial de busca e
apreensão.
A Procuradoria Geral da República salientou que o habeas foi
impetrado contra decisões individuais tanto no TJ-SP quanto no STJ,
situação que atrairia a aplicação, ao caso, da Súmula 691 do STF,
segundo a qual “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de
habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus
requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.
Em seu voto, o relator decidiu afastar a aplicação da Súmula 691 por
entender que o caso apresenta excepcionalidade que permite ultrapassar o
óbice previsto no verbete.
Invasão
O ministro Ricardo Lewandowski lembrou que um dos princípios mais
sagrados da Constituição Federal (artigo 5º, inciso XI) estabelece a
casa como asilo inviolável do cidadão. Em casos como esse, salientou, os
policiais costumam dizer que foram “convidados” a entrar na casa.
“Evidentemente que ninguém vai convidar a polícia a penetrar numa casa
para que ela seja vasculhada”, afirmou.
Quanto ao mérito, o relator afirmou que a prisão em flagrante e a
denúncia apresentada contra O.T.N. o enquadraram no artigo 33 da Lei
11.343/2006 (Lei de Drogas), mesmo que tenham sido encontradas apenas 8
gramas de crack e 0,3 gramas de cocaína. Além disso, não foi encontrado,
na residência, qualquer instrumento que indique a prática de tráfico,
como balanças, dinheiro ou anotações. Para Lewandowski, mesmo que a
droga fosse de propriedade do acusado, a quantidade ínfima
descaracteriza completamente a prática de tráfico. Seria o caso, a seu
ver, de aplicar o artigo 28 da Lei de Drogas, que trata da posse de
drogas para consumo pessoal, conduta que já foi despenalizada pela Lei
11.343/2006.
Mesmo sem qualquer indício de que se trate de um traficante, O.T.N.
segue respondendo a processo sob acusação de tráfico, concluiu o relator
ao votar pela concessão do habeas corpus para trancar a ação penal.
Para o ministro, carece de justa causa a denúncia que aponta o réu como
traficante.
Ilicitude
Acompanharam o relator os ministros Edson Fachin e Celso de Mello. De
acordo com o decano do STF, os policiais agiram irritados pelo fato de
estarem sendo filmados durante o desenvolvimento da operação. “Não
vivemos em um regime ditatorial onde esse tipo de comportamento do
cidadão é proibido”, afirmou. Ainda segundo o ministro Celso de Mello, a
busca realizada sem mandado judicial só seria justificada por uma
fundada suspeita da prática de crime, o que não se verificou no caso,
revelando assim a ocorrência de flagrante ilicitude que resultou na
instauração de persecução criminal. “Ninguém pode ser investigado ou
denunciado, processado, e muito menos condenado, com base em provas
ilícitas”, concluiu.