Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 9 de abril de 2017

Um alerta do Zé Dirceu: a delação premiada do casal Santana torna "provável" a prisão do Lula

Domingo, 9 de abril de 2017
O PT, com sua política de conciliação de classes e seus erros crassos, já pavimentou o caminho para a retomada burguesa em curso. E está há um ano nos devendo a rigorosa autocrítica que agrupamentos de esquerda devem fazer após fracassos tão retumbantes.

 Do Blogue Náufrago do Utopia
Por Celso Lungaretti

Zé Dirceu, na cadeia, está preocupado com Lula.
Notinha interessante do Painel político da Folha de S. Paulo deste domingo, 9:
"Preso desde agosto de 2015, José Dirceu fez análises sobre o cenário político aos que o visitaram na cadeia recentemente. 
Sem traço de autopiedade, mais magro, mas com boa aparência, disse a aliados que o PT vem ignorando o risco de o ex-presidente Lula ser preso — cenário que ele considera provável, especialmente agora, com as delações do publicitário João Santana e sua mulher, Mônica Moura. Para Dirceu, Lula e Dilma Rousseff são os principais alvos da colaboração.
Dirceu disse a mais de um interlocutor que o PT deveria preparar, desde já, junto a movimentos sociais e grupos da sociedade civil, grandes manifestações de rua para fazer frente a qualquer investida da Justiça contra o ex-presidente".
Primeiramente, esclareço que nunca se sabe, em jornalismo, se algo assim foi relatado por visitante(s) do político preso ou se foi o político preso que pediu a publicação, condicionada a utilizarem tal formato para ele ficar a salvo de qualquer complicação legal. As duas coisas acontecem amiúde.

Mas, vamos ao que importa: Dirceu quis alertar todo mundo de que vem chumbo grosso por aí. Deve estar certo, pois é um dos mais aptos a aquilatar o potencial de risco das delações em questão.

Dilma Rousseff bateu na mesma tecla, em palestra na Universidade de Harvard:
Dilma, lá nos States, também.
"Me preocupa muito que prendam o Lula, me preocupa muito que tirem o Lula da parada. Infelizmente para as oposições (?!), ele tem 38% nas pesquisas, com tudo o que fizeram com ele. 
Deixa ele concorrer para ver se ele não ganha. Não acho que o Lula tem de ganhar ou perder. Ele tem de concorrer. Se perder, é da regra do jogo".
Sua confusão mental vai além de não perceber quem é situação e quem é oposição neste exato momento, ou de relativizar na oração seguinte o que afirmara em tom de desafio na oração anterior. Ela defende uma tese das mais problemáticas e inconvenientes em termos políticos: a de que a eleição presidencial de 2018 só será legítima se Lula dela participar, o que, acrescenta, somente vai deixar de ocorrer caso "tirem o Lula da parada".

Insinua, portanto, que haja uma vasta conspiração, envolvendo as autoridades responsáveis pelas operações Lava Jato, Janus e Zelotes, Ministério Público, juízes federais, o procurador geral da República, os ministros do Supremo Tribunal Federal e sei lá mais quem, no sentido de direcionar investigações, processos e sentenças para atender às conveniências eleitorais da direita.

Algo assim seria possível? Claro que sim! A Justiça das mais diversas nações tem, ao longo da História, se vergado ora ao poder econômico, ora à lei do mais forte militarmente, ora a ambos.  
Estas peças vão completar o quebra-cabeça de Moro?
Mas, claro, isto sucede com maior intensidade em ditaduras, o que não é o caso presente.

E são também típicos de fases ditatoriais os périplos de políticos e militantes pelo exterior, denunciando os governantes de seu país e estimulando tomadas de posição e retaliações contra eles, como (às vezes única) forma possível de os pressionar.

Mas, é meio ingênuo crer que isto ainda funcione num mundo cada vez mais insensível às injustiças, que há meio século consente com a brutal ocupação militar de territórios palestinos por parte de Israel e que nada de consistente faz para deter o atual massacre do povo sírio, cujo balanço trágico já atinge 470 mil mortes, 5 milhões de refugiados no exterior e 6,3 milhões de refugiados internos. 

Assim como as reuniões de emergência da ONU, as palestras para públicos chiques em universidades idem não passam atualmente de muros de lamentações: fornecem catarse e não soluções concretas.

O xis da questão, contudo, é outro: se o Brasil for mesmo uma ditadura, fruto de um golpe e com a Justiça totalmente prostrada aos interesses da burguesia, compete à esquerda convocar o povo para a revolução, não ficar choramingando que a prisão de Lula macularia o processo eleitoral.

O PT está pronto para dar este passo? Dilma quer mesmo partir pras cabeças? É óbvio que não! Então, deveria baixar a bola, convencendo-se de uma vez por todas que os danos por ela causados à esquerda e aos trabalhadores brasileiros são irreparáveis e que tentar consertá-los com a mesma incompetência evidenciada em cada dia dos seus 5 anos e 4 meses de governo só fará aumentar o estrago.
Tal disposição de luta ainda existe ou ficou pra trás?

Quanto ao Zé Dirceu, este sim sabe raciocinar estrategicamente, mas a situação de prisioneiro e consequente isolamento deve estar comprometendo sua avaliação. Grandes manifestações de rua fizeram imensa falta quando se tratava de salvar o mandato da Dilma e nada indica que ocorrerão agora, caso a Justiça ordene a prisão de Lula e o Jornal Nacional passe no mínimo meia hora por edição trombeteando e repisando as acusações contra ele. Continuamos não levando em conta o imenso poder de fogo da indústria cultural, infelizmente.

E, ainda que elas existissem, cairíamos no xis da questão por mim apontado acima: jogar as ruas contra o Poder Judiciário equivaleria ao início de uma revolução. 
Não é cartada a ser tentada apenas para evitar a prisão do Lula, mas sim uma decisão a ser tomada quando se resolver realmente fazer a revolução. Caso contrário, não vai passar de uma leviandade que poderá ter péssimas consequências (como a tomada do poder pela ultra-direita e a instauração de uma ditadura sanguinária). 

O PT, com sua política de conciliação de classes e seus erros crassos, já pavimentou o caminho para a retomada burguesa em curso. E está há um ano nos devendo a rigorosa autocrítica que agrupamentos de esquerda devem fazer após fracassos tão retumbantes. 

Será terrível se, na sua obsessão de retomar a Presidência da República a qualquer preço (pois já não sabe atuar de outra maneira que não seja disputando nacos de poder na política convencional), começar agora a brincar com fogo. Acabará nos queimando a todos.


Walter Pomar se dispõe à imprescindível autocrítica. E o resto do PT?