Em jogo, duas versões sobre um apartamento triplex localizado no Guarujá, responsável pelo primeiro indiciamento de Lula
Fontes:
Por Spotniks Foto: Reprodução/Divulgação
Blog do Sombra
Cerca de um ano e dois meses se passaram desde que o ex-presidente Lula
foi levado ao aeroporto de Congonhas para dar seu primeiro depoimento à
Operação Lava Jato. De lá para cá, a operação avançou, com as duas
maiores empreiteiras do país – OAS e Odebrecht – fechando seus acordos
de delação premiada e o ex-presidente Lula sendo indiciado nada menos do
que cinco vezes. Ontem, pela primeira vez, Lula prestou esclarecimentos
ao juiz do caso, Sérgio Moro.
Em jogo, duas versões sobre um apartamento triplex localizado no Guarujá, responsável pelo primeiro indiciamento de Lula.
Para o Ministério Público, a OAS investiu R$ 1,2 milhão para reformar o
imóvel, no mesmo prédio em que Lula havia adquirido um apartamento
menor, no intuito de entregá-lo ao ex-presidente como parte do pagamento
de propina por contratos e licitações vencidas pela empresa. Iniciadas
em agosto de 2014, as obras contaram com a supervisão da esposa do
ex-presidente. Antes que fossem concluídas, porém, o caso foi descoberto
pela imprensa e o casal acabou desistindo do apartamento.
Na versão do ex-presidente, ele visitou o imóvel e encontrou inúmeros
defeitos, tomando a decisão de não ficar com o apartamento, ainda que
não comunicasse o fato à empreiteira. Agradecida pela consultoria, a
empreiteira teria investido R$ 1,2 milhão na tal reforma, com o intuito
de vender o apartamento posteriormente. Por que, após a reformar o
imóvel, a empreiteira decidiu não mais colocá-lo à venda, tendo em vista
que supostamente não havia dono? Eis o começo do mistério que ronda o
caso.
As desventuras imobiliárias da família Silva são apenas o começo da
história. Léo Pinheiro, presidente da OAS, alega ter participado da
reforma de um sítio em Atibaia, além de ter colaborado com o manutenção
do acervo que o ex-presidente levou na mudança quando deixou o cargo.
Nenhum dos mimos da empreiteira entrou em jogo, como a defesa fez
questão de deixar claro. O depoimento, que durou cinco horas (três delas
para realização de perguntas por parte do juiz Sérgio Moro e as demais
para perguntas do Ministério Público), foi marcado por momentos
memoráveis e debates acalorados, muitas vezes beirando a bizarrice.
A íntegra está aqui:
Mas nós facilitamos o jogo para você. Abaixo, seus 13 momentos mais absurdos.
1. Quando Lula constatou que alguém que rouba tanto só pode ser muito esperto.
Ex-diretor de serviços da Petrobras, Pedro Barusco é engenheiro, mas
acima de tudo, um grande investidor. Desviou, segundo ele próprio, US$
100 milhões da empresa ao longo de oito anos.
Em 2015, após fechar seu acordo de delação, Barusco topou devolver os
mesmos US$ 100 milhões. Entre altos e baixos da moeda americana, o que
se sabe é que, na pior das hipóteses, a jogada lhe rendeu um bom ganho
ao permitir escapar da inflação brasileira no período.
Para o ex-presidente Lula, o que chama a atenção é o volume de recursos, mas não apenas isso.
Ao descobrir que Barusco devolveu quase R$ 300 milhões, Lula respondeu:
“Quanto? Roubou muito. Um ladrão assim deve ser tão esperto que só sabe (sic) se for delatado”.
Justamente.
2. Quando Lula decidiu mudar a versão da história de um minuto pro outro.
“Dona Marisa não gostava de praia.”
A constatação do ex-presidente Lula sobre o que pode ter motivado a desistência do imóvel no Guarujá chama a atenção. Segundo ele, não faltaram motivos para não ficar com o tal “triplex Minha Casa, Minha Vida”. Era um imóvel pequeno, de 215m², inadequado para um velho. Ainda por cima, em frente a uma praia, coisa que Marisa não gostava e Lula não podia frequentar por ser uma figura pública.
O que chama a atenção, porém, é uma pequena mudança nos fatos: em março
de 2016, ao depor para a Polícia Federal, o ex-presidente afirmou que a
decisão de não ficar com o imóvel havia sido dele e comunicada ao
presidente da OAS.
No último depoimento, ao juiz Sérgio Moro, a versão foi atualizada:
Marisa, a esposa do ex-presidente, falecida recentemente, é quem teria
desistido do apartamento. Segundo ele, Dona Marisa não gostava de praia.
Lula não sabia da decisão final, pois, segundo o próprio, mulheres são
assim, não contam tudo ao marido.
3. Léo Pinheiro, presidente de empreiteira e corretor de imóveis nas horas vagas.
Presidente de um grupo que chegou a faturar R$ 6,7 bilhões em 2014,
José Aldemário Pinheiro, conhecido como Léo Pinheiro, pode parecer um
homem ocupado com os diversos negócios em que a OAS tem participação –
como aeroportos, rodovias e diversas obras pelo país. Na prática, porém,
o CEO do grupo é um perfeccionista, cuidando dos mínimos detalhes do
seu império.
Para o ex-presidente Lula, Léo atacava de corretor nas horas vagas. O
executivo compareceu ao escritório do Instituto Lula com um intuito
simples: convencer Lula e dona Marisa a visitarem o prédio novamente e
comprarem a cobertura, um dos dois apartamentos ainda disponíveis.
Para Lula, no entanto, o imóvel era inadequado e sobretudo pequeno.
Cerca de 215m² para uma família com cinco filhos e oito netos. Algo como
três “Minha Casa, Minha Vida” empilhados.
4. O momento em que Lula decidiu gravar seu programa eleitoral.
Encarar três horas de depoimento não é uma tarefa fácil. Em meio a
discussões sobre o triplex, o juiz Sérgio Moro buscou expandir o campo
de perguntas em certos momentos, envolvendo o sítio em Atibaia ou outros
mimos dados pela construtora OAS.
Para o ex-presidente, porém, o momento também era para falar a respeito de si mesmo.
O que acabou gerando um aviso do juiz Sérgio Moro:
“Presidente, só para esclarecer: não sei quanto tempo vai durar o
pronunciamento, mas não é para fazer um apanhado do que [o senhor] fez
no seu governo, não é programa eleitoral.”
5. Quando Lula disse que, se mentir, esperava que um ônibus atropelasse ele.
“Se um dia eu tiver que mentir, prefiro que um ônibus me atropele”
A frase taxativa do ex-presidente demonstra a confiança de quem,
segundo ele mesmo, passou a vida inteira sem desviar-se da verdade.
Como a internet não perdoa, nunca é demais lembrar que mentir sobre
estatísticas já foi motivo de orgulho para Lula, como ele fez questão de
lembrar em um encontro com blogueiros em 2014.
Lula: “Eu mentia mesmo, falava números que não existiam.”
6. Quando Lula acusou Moro de ser responsável por 600 milhões de desempregados.
207,8 milhões. Essa é e exata população do Brasil. Desse total, segundo
o IBGE, 13,5 milhões estão nesse momento desempregados, considerando
todas as profissões possíveis desempenhadas no território nacional.
Não para Lula. Ao questionar Sérgio Moro sobre o papel da Lava Jato na economia nacional, o ex-presidente foi taxativo:
“O senhor se sente responsável por 600 milhões de pessoas que já perderam o emprego no setor de óleo, gás e construção civil?”
O valor corresponde a três vezes a população brasileira.
7. Quando Lula disse que esperava ver documentos provando que ele é dono de um apartamento que é acusado de ocultar.
Ocultação de patrimônio é o nome formal da principal acusação que pesa
sobre o ex-presidente. Na prática, significa dizer que Lula omitiu da
justiça ser dono de um determinado bem e, com isso, sonegou os impostos
devidos, por exemplo.
Para Lula, só seria possível provarem que ele escondeu o imóvel no dia
em que encontrarem uma assinatura ou algo que provasse que o imóvel era
de fato dele. Na prática, se encontrassem uma maneira de descobrir que
ele omitiu, mas não omitiu.
Faz sentido? Nenhum, mas quem se importa?
8. Quando Lula disse que não tinha influência no PT.
Lula também revelou em seu interrogatório que o tempo em que era o
mandachuva do Partido dos Trabalhadores (PT) ficou no passado. Saiu do
governo e, segundo o próprio, “Eu não tenho nenhuma influência no PT, eu
tenho influência na sociedade”.
Foi sem poder de mando algum que Lula impôs Fernando Haddad e Alexandre
Padilha, respectivamente, como os candidatos do partido aos governos da
maior cidade e do maior estado do país. Para arregimentar apoio ao
primeiro, chegou a posar para fotos com Paulo Maluf.
Ex-presidente do Corinthians e hoje deputado pelo PT, Andrés Sanchez
utilizou os serviços do pouco influente Lula para destravar a construção
do Itaquerão. A obra parou e “O Lula foi importante. […] Os próprios
dutos da Petrobras, eu fui duas vezes lá e não me atendiam. Eu disse
‘chefe’, e virou o que virou, é o que a gente estava falando.”
A influência do principal líder do PT dentro do PT definitivamente era
inexistente. Se em 2014, o partido abandonou seu principal aliado para
fazer dobradinhas no Maranhão com a família Sarney – procurando quitar
uma dívida de gratidão de Luiz Inácio com José, foi porque Lula não
mandava no partido.
9. Quando Lula disse que político não pode ser julgado pelo Código Penal, mas “pelo povo”.
O foro privilegiado parece pouco para Lula. Durante seu falatório, o
ex-presidente deixou claro que políticos não devem ser julgado pelas
leis, como quaisquer outros cidadãos: “Um político não é julgado pelo
Código Penal. Um político é julgado pelo povo. E eu já fui várias vezes
julgado pelo povo”.
Seguindo as diretrizes do pensamento lulista, Paulo Maluf, José Sarney,
Renan Calheiros, ACM, Jader Barbalho e até Michel Temer estão
absolvidos.
10. A inacreditável explicação sobre o documento encontrado no apartamento.
Apesar de Lula negar veementemente qualquer relação com o triplex, um
documento comprometedor foi apreendido dentro do apartamento em que mora
na cidade de São Bernardo do Campo. Ao cumprir um mandado de busca e
apreensão, a Polícia Federal encontrou um termo de adesão com a Bancoop
datado de 1/1/2004, concernente à aquisição de uma cota relativa de um
apartamento unidade duplex e três dormitórios no edifício em Guarujá de
número 164-A, que após a transferência para a OAS se transformou no
triplex 174-A.
Inquerido se “teria alguma explicação para esse documento ter sido apreendido no seu apartamento”, Lula respondeu:
“Não sei. Talvez quem acusa saiba como foi parar lá.”
11. Quando Lula ficou na dúvida sobre as amizades alheias.
Moro: “Por que o senhor pediu ao Vaccari que falasse com o Duque?”
Lula: “Porque o Vaccari tinha mais relação de amizade com ele”.
Moro: “Então o senhor tinha conhecimento de que o Vaccari tinha relação de amizade com o Duque?”
Lula: “Não sei se tinha relação de amizade.”
O diálogo surrealista marca o trecho no qual Lula afirma que teria
pedido ao ex-tesoureiro do PT para marcar uma reunião com o ex-diretor
de serviços da Petrobras, indicado pelo próprio Lula. Por que o
ex-presidente precisava que um tesoureiro intermediasse a reunião?
Porque eram amigos… ou não.
Na conversa de Lula com Duque, o tema foi quente. Lula queria saber se
era verdade este papo de que ele tinha contas no exterior.
“A pergunta que eu fiz para o Duque foi simples: ‘Tem matéria nos
jornais, tem denúncias de que você tem dinheiro no exterior, está
pegando da Petrobras’. Eu falei: ‘Você tem conta no exterior?’ Ele
falou: ‘Não tenho’. Eu falei: ‘Acabou’. Se não tem, não mentiu para mim.
Mentiu para ele mesmo”, disse Lula.
12. Quando Lula afirmou que a OAS esqueceu que ele era cliente da empreiteira.
A OAS parecia ter uma relação de amor e ódio com o casal da Lula da
Silva. Em um momento estava mandando o seu presidente sair da Bahia e se
deslocar até o Guarujá apenas para vender um único imóvel. No outro,
simplesmente esqueciam de convidar os seus principais clientes para a
assembleia mais importante do Edifício Solaris.
De acordo com Lula, uma explicação coerente e razoável para ele –
diferentemente de todos os outros cooperados da Bancoop – poder ter
optado pelo dinheiro ou pelo apartamento apenas após o prédio ficar
pronto e o imóvel sofrer reformas milionárias, é que “A Dona Marisa pode
não ter recebido o convite para participar da Assembleia” ocorrida em
2009. Sim, a OAS esqueceu que o casal presidencial era seu cliente.
13. Quando o Ministério Público distorceu o espaço tempo.
No longínquo ano de 2010, o jornal “O Globo” informou ao mundo que Lula
havia comprado um triplex no Guarujá da Bancoop. A reportagem contava a
história das vítimas da cooperativa, que se sentiam lesadas por terem
pagado por apartamentos que nunca foram concluídos, como era o caso do
então presidente.
Perguntado, Lula nem ao menos piscou para dizer que a reportagem é uma
invenção do Ministério Público. Confrontado com o fato de que em 2010
não havia nem processo, Luiz Inácio se limitou a responder: — Sei lá
quando, fazer ilação se faz em qualquer momento.
Ao que tudo indica, os procuradores da Lava-Jato compraram uma máquina
do tempo, voltaram para 2010, foram à redação d’O Globo, plantaram a
notícia e ainda conseguiram fazer a Presidência da República confirmar
que Lula era proprietário de um imóvel no prédio. Um massacre contra a
alma mais honesta deste país.
14. Foi sem querer querendo…
A partir de 2h50min, Moro questiona Lula sobre a ameaça de palanque de que ele “mandaria prender” os agentes da Lava Jato.
Lula: “foi só força de expressão?”
Moro: “E o senhor acha adequado usar esse tipo de expressão? O senhor vai mandar prender os agentes públicos?”
Foi sem querer querendo.