Quarta, 4 de maio de 2017
Paulo Victor Chagas - da Agência Brasil
Criticando o Estado como “agente ativo” no fomento à violência no
campo e classificando a lista de propostas legislativas que afetam os
direitos humanos como “longa, enfadonha e trágica”, pelo menos 21
entidades e movimentos da sociedade civil se reuniram nessa terça-feira
(23) em Brasília para um Ato Denúncia. O aumento no número de
assassinatos, atos violentos e projetos de lei contrários à política da
reforma agrária fez com que o Conselho Nacional de Direitos Humanos
(CNDH), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, fizesse um evento
em que fossem debatidas ações emergenciais.
Após o relato de
testemunhas de diferentes estados brasileiros, que estão em situação de
ameaça ou foram vítimas de violência no campo, os representantes de
organizações sociais e instâncias públicas leram uma Carta em que
denunciam o crescimento da criminalização de lideranças do campo e da
crueldade na violência empregada. No documento, as entidades reclamam da
impunidade das violações de direitos humanos que, segundo elas, permite
que a repressão continue e favorece o aumento da lista de “pessoas e
grupos ameaçados e assassinados”.
“O Estado não é apenas
conivente e omisso, posição que perpetua a impunidade no campo pela
‘seletividade’, ‘morosidade’ e ‘inoperância’ do sistema de justiça que,
de um lado, criminaliza os movimentos populares e, de outro, mantém
impunes as ameaças, homicídios e violações de direitos humanos. O Estado
é também agente ativo no fomento à violência, tanto pelas políticas e
programas do Executivo que fomentam a acumulação de terras e de
riquezas, como pelo Legislativo que, ao passo que destrói os direitos
humanos conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras, faz uso de
mecanismos, como a CPI da Funai e Incra, para criminalizar as vítimas e
defensores de direitos humanos”, criticam as entidades no texto.
Assassinatos
O
crescimento ano a ano dos homicídios decorrentes de violência no campo é
um dos motivos pelo qual a reunião emergencial foi marcada. Em 2014, 36
pessoas foram assassinadas nessa situação, número que subiu para 50 em
2015 e, um ano depois, para 61. Este ano, de acordo com a Comissão
Pastoral da Terra, os 26 assassinatos registrados até o mês de maio
representam o dobro do número registrado no mesmo período do ano
passado.
A carta pede uma investigação e punição urgente dos
responsáveis pelos assassinatos, massacres e violências no campo. De
acordo com Darci Frigo, presidente do CNDH, o fato “novo” das denúncias é
que a violência têm ocorrido cada vez de forma mais brutal e
generalizada, atingindo não somente as lideranças.
“É um momento
para fortalecer as resistências dos movimentos sociais e manter acesa a
chama dos direitos constitucionais que estão assegurados. Com base
neles, as ações que foram sugeridas na carta serão cobradas do Poder
Executivo. As situações que vimos aqui hoje serão tratadas e cobradas do
Poder Público”, disse o presidente do CNDH.
Testemunhas
Gracinalva Costa Gamela, moradora da comunidade que sofreu um ataque de fazendeiros há
pouco menos de um mês, expôs a situação da localidade maranhense. Os
indígenas gamela foram atacados por homens armados com facões e armas de
fogo. Pelo menos 13 índios foram feridos.
Representante do
território pesqueiro do Cajueiro de São Luís do Maranhão, Clóvis Amorim
da Silva, 50, pediu aos presentes no Ato Denúncia a criação de uma Força
Tarefa para acompanhar os trabalhadores que vêm sofrendo ameaça de
morte. De uma família de 13 irmãos, Clóvis se mudou ainda criança com a
família para a capital maranhense em busca de novas fontes de renda. Ele
conta que, embora more em uma comunidade tradicional que há mais de 100
anos faz parte do Terreiro do Egito , somente em 1998 a região foi regularizada como assentamento.
De
lá pra cá, as cerca de 350 famílias que ocupam uma área de 610 hectares
(um hectare tem uma área equivalente à de um campo de futebol) sofrem
pressão de empresas que querem construir um porto no local para exportar
itens como soja, petróleo, celulose e minério. Vítima de uma ameaça
velada de morte na última sexta-feira (19), Silva diz que, em dezembro
de 2014, 20 casas da comunidade extrativista e pesqueira foram
derrubadas e o processo jamais foi concluído pelas autoridades policiais
locais.
“A gente espera que o Ministério Público investigue essa
situação de grilagem de terras e especulação para que a gente possa
combater, porque não dá para conviver com situações como essas de
criminalização e derrubada de casas. As ameaças continuam, estão sendo
mais intensas”, denuncia. “Já houve prisão de vários jagunços armados lá
dentro, já foi constatado que há milícias, há formação de quadrilha e
que há um indício muito grande de grilagem de terra”.
Compromissos
A
subprocuradora geral da República, Deborah Duprat, que no ano passado
foi designada Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, foi uma das
autoridades presentes que se comprometeu com medidas concretas com o
objetivo de frear as violações. Segundo ela, a Polícia Federal será
cobrada para que promova um enfrentamento mais incisivo às milícias
armadas, que têm coibido de forma violenta lideranças do campo.
Deborah
citou medidas legislativas que representam retrocesso às conquistas de
comunidades rurais, como a Medida Provisória 759/2016, que trata da
regularização fundiária rural. Deborah defende que a proposta seja
considerada inconstitucional, pois municipaliza a prerrogativa de
regularização fundiária e, de acordo com a Carta Denúncia, “privatiza
ainda mais as terras públicas”.
No documento, os signatários se
posicionam contrários à Proposta de Emenda à Constituição 215/2000, que
transfere ao Poder Legislativo a decisão final sobre a demarcação de
terras indígenas. “É longa, enfadonha e trágica a série de medidas
provisórias, projetos de lei, propostas de emendas à Constituição e
decretos que afetam diretamente povos e comunidades do campo”, afirmam
no texto, criticando também a paralisação das desapropriações de terras
para assentamento de famílias.