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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 30 de maio de 2017

Ministro ou advogado de defesa deTemer?: Nomeação de Torquato na Justiça acende alerta na PF e no Ministério Público

Terça, 30 de maio de 2017

O novo ministro da Justiça, Torquato Jardim.
Ueslei Marcelino Reuters

DO EL PAÍS
Afonso Benites
Brasília
Indicado, mas ainda não empossado no Ministério da Justiça, o advogado e ex-ministro da Transparência, Torquato Jardim, já deu os primeiros sinais de como atuará em defesa do Governo Michel Temer (PMDB). Em entrevistas, afirmou que não sabe se manterá a atual diretoria-geral da Polícia Federal, defendeu que o nome do novo procurador-geral da República não precisa, necessariamente, ser um dos indicados pela lista tríplice apresentada pelos procuradores federais e que o Tribunal Superior Eleitoral não julgará a atual crise política, mas uma ação que questiona irregularidades da campanha de 2014.


Suas declarações acenderam um sinal de alerta em categorias que podem ser direta ou indiretamente atingidas pela atuação do chefe de uma das pastas mais poderosas do Governo e que tem o sexto maior orçamento federal, com 13,3 bilhões de reais ao ano. Entre os possíveis afetados está a Polícia Federal, órgão subordinado ao Ministério da Justiça. “Num contexto em que, há duas semanas, diálogos foram interceptados entre expoentes da política nacional falando sobre a troca do ministro da Justiça para enfraquecer a Lava Jato, é no mínimo preocupante ver essa substituição agora”, afirmou o presidente da Associação dos Delegados da PF, Carlos Eduardo Sobral.

Ao jornal Folha de S. Paulo, Jardim disse que avalia a possibilidade de trocar o comando da PF. O atual diretor-geral, Leandro Daiello Coimbra, está na função desde 2011, ainda no Governo Dilma Rousseff (PT). Quando Temer assumiu a presidência, após o impeachment da petista, ele cogitou a possibilidade de trocar Daiello, mas, como a operação Lava Jato estava em um estágio avançado, recuou para passar a imagem de que não queria interferir nas apurações. Agora, quando, pela primeira vez a investigação atinge diretamente o presidente – responde a um inquérito no qual é suspeito de corrupção passiva e obstrução de Justiça –, a possibilidade de substituição volta a ganhar força.

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio Boudens, minimiza a importância da troca na direção-geral da PF. “Nenhum ministro arriscaria paralisar a Lava Jato. O risco para a operação seria tirar todas as condições de investigadores de Curitiba ou de outras regiões onde há apurações ligadas a ela, como Rio, Minas e Brasília”, ponderou.

Serraglio ainda não aceitou convite para a Transparência

A troca nos comandos da Justiça e da Transparência, contudo, ainda não foi efetivada. A cerimônia de posse deverá acontecer no decorrer desta semana. Antes de cair, Osmar Serraglio (PMDB-PR) foi extremamente criticado por aliados do Governo enquanto comandava a primeira pasta – foi apontado como um desconhecedor da questão da segurança pública, com pouca voz de comando e, por ser representante da bancada ruralista, se desentendeu com indígenas. Convidado para a Transparência, Serraglio ainda não respondeu a Temer se aceita ou não o convite presidencial. “Está se sentindo desprestigiado e humilhado”, disse um aliado dele.

Entre policiais federais ao menos cinco nomes já começam a circular, todos de delegados de carreira da PF. Três deles compuseram a lista tríplice elaborada pela ADPF: Érika Marena, Rodrigo Teixeira e Marcelo Freitas. Os outros três são de policiais que, em algum momento, já foram cotados para o cargo: Sandro Avelar, Reinaldo César e Ricardo Saad.

Para a associação de delegados, a única maneira de não passar a imagem de interferência na Lava Jato seria se o novo indicado fosse um dos representantes de sua lista tríplice. Enquanto que os representantes da Fenapef dizem que o ideal é colocar algum profissional que demonstre seriedade e lute pela autonomia da polícia. “A única qualidade do Daiello foi a de manter várias operações em andamento ao mesmo tempo. Essa é a característica dele que pode ajudar o Brasil neste momento. Se um eventual novo nome vier com essas características também, acho que supre bem”, afirmou Boudens. 

Escolha do novo Janot
Quando foi escolhido para a pasta da Justiça por Temer, Jardim carregou consigo uma bagagem de quatro décadas de atuação nas mais diversas cortes brasileiras, além de um trânsito fácil no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral. Foi esse currículo que pesou na hora de ser apontado como novo ministro. Tendo passado oito anos como ministro do TSE, ele já avaliou que a ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer só levará em conta os dados técnicos, não a crise política atual. A fala serve como uma maneira de pressionar os magistrados.

Antes de ser parte do Governo, contudo, era um crítico ao PMDB de Temer. Agora, afirma que será leal ao presidente, que seguirá todos as suas ordens e sinaliza que ele não precisará substituir o atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por um dos representantes eleitos na lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Desde 2003, o presidente costuma escolher o procurador mais votado para o cargo. Mas não há nenhuma lei que o obrigue a seguir esse trâmite.

Se Temer ainda estiver no Governo até setembro, quando vence o mandato de Janot, e seguir o que sugere Jardim, ele poderá mudar esse costume de 14 anos. O ministro sugere que outras associações do Ministério Público, como a dos procuradores da Justiça Militar e do Trabalho, também apresentem seus nomes para a disputa. “Quanto mais pessoas interessadas em participar, melhor”, disse ao jornal Folha de S. Paulo. “Não considero adequado que os outros âmbitos do MP apresentem listas”, rebateu Nicolao Dino Neto, subprocurador-geral da República e candidato à sucessão de Janot ao EL PAÍS. Para Dino, a escolha via lista tríplice “é algo que vem ao encontro não apenas do que está na Constituição, mas também tem absoluta relação de coerência com as atribuições que se apresentam ao procurador-geral em um cenário em que cada vez mais se requer a legitimação institucional”. 

Com informações de Felipe Betim, de São Paulo.