Sexta, 26 de maio de 2017
Do MPF
A medida recebeu críticas de membros do MPF,
especialistas e professores durante debate sobre as alterações
legislativas, no último dia 19
Foto: Leonardo Prado/PRG/SECOM
Em
trâmite no Senado Federal, a Medida Provisória 759/2016, que trata da
reforma agrária e da regularização de ocupações em estados da Amazônia
por meio do Programa Terra Legal, foi duramente criticada durante mesa
de debates promovida pelo Ministério Público Federal no último dia 19.
Realizado
pelas Câmaras do MPF que atuam nas temáticas de Direitos Sociais e
Fiscalização de Atos Administrativos (1CCR), Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural (4CCR), Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) e
pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o evento discutiu os
principais aspectos da proposta legislativa, que também aborda a
regularização fundiária urbana em áreas da União.
Na
abertura dos debates, o procurador da República Wellington Bonfim
destacou os pontos controversos da MP, lembrando que o projeto apresenta
vícios inconstitucionais de forma e conteúdo, além de distorcer os
objetivos da reforma agrária. “Estudos apontam que esta medida beneficia
os grandes produtores rurais ao permitir que recebam da União, por
áreas adquiridas para a reforma agrária, em dinheiro e não mais em
títulos da dívida agrária, passando o Incra a ser um mero agente
imobiliário rural”, alertou.
O
ponto salientado pelo procurador da República é considerado um dos
aspectos mais polêmicos da MP. Atualmente, a desapropriação de imóveis
rurais por interesse social ou aquisições por compra e venda de imóveis
para a mesma destinação são pagos em Títulos da Dívida Agrária (TDA). A
proposta autorizaria o governo a pagar terras destinadas à reforma
agrária em dinheiro em espécie.
As
inconsistências da mudança foram reforçadas pelo coordenador do Grupo
de Trabalho Terras Públicas, procurador da República Marco Antônio
Delfino. Para ele, a Medida Provisória 759/2016 distorce os objetivos
originais da reforma agrária ao flexibilizar os parâmetros para a
regularização fundiária, permitindo que pessoas com propriedades maiores
possam receber a titulação dos lotes. “O que a medida provisória
estimula, de forma diversa do Programa Nacional de Reforma Agrária, é um
processo de concentração fundiária, quando deveria haver
desconcentração”, ressaltou.
Marco
Antônio Delfino também adverte para o estímulo da prática de grilagem
de terras em decorrência da falta de parâmetros para participar de
assentamentos, bem como o esvaziamento
das instituições responsáveis pela fiscalização de critérios para a
execução da Política Nacional de Reforma Agrária. Pela legislação atual,
não podem fazer parte de assentamentos servidores públicos; candidato
com renda familiar proveniente de atividade não agrícola superior a três salários mínimos mensais; agricultor que for dono, sócio ou cotista de empresa ou indústria; e proprietário de imóvel rural superior a um módulo rural do município.
Alienação de áreas públicas – Além
das inconstitucionalidades apontadas na alteração da Política Nacional
de Reforma Agrária, os palestrantes enfatizaram a necessidade de medidas
para coibir a avaliação “em massa” para venda de imóveis da União. Um
dos dispositivos da medida provisória prevê desconto de 50% para
estruturas náuticas que façam o requerimento da regularização até
dezembro de 2018. De acordo com a proposta, para alienações de
patrimônio público, a avaliação poderá ser realizada por trecho ou
região com base em pesquisa mercadológica, sem a apuração do valor do
imóvel público individualizado.
A
MP também extingue a obrigação da Secretaria Pública da União (SPU) de
divulgar a relação de todas as áreas ou imóveis de propriedade da União
identificados, demarcados, cadastrados ou registrados por ela, nos
últimos 18 meses, no portal da instituição na internet.
O Ministério Público Federal (MPF) teme que as medidas possam impactar negativamente as contas públicas.
“"Dessa
forma, o programa de regularização fundiária transmudou-se em programa
de “desregulamentação fundiária”, com intenso subsídio governamental e
consequente prejuízo ao erário. Os descontos concedidos caracterizam
manifesta inversão do princípio da capacidade contributiva: os que mais
possuem pagarão menos ou quase nada"”, esclarece Marco Antônio Delfino.
Regularização fundiária urbana – Quanto
à previsão da MP para áreas urbanas, o MPF avalia que assentamentos
irregulares poderão receber titulação sem as devidas obras de
infraestrutura previstas pela Lei 6.766/1979, conhecida como Lei do
Parcelamento do Solo. O artigo 2º da atual legislação estabelece que “a
infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos
urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública,
esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica
pública e domiciliar e vias de circulação”.
Outro
ponto questionado pelo MPF é a classificação, pela medida provisória,
de adensamentos privados, públicos ou em comunhão com ente público ou
privado como núcleos urbanos informais passíveis de regularização. A
regularização, antes destinada somente a ocupações para fins de moradia,
também poderá se estender a imóveis destinados a atividades
profissionais ou comerciais.
Para
a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, a medida
tira dos municípios o direito de ordenamento territorial e planejamento
urbano, discricionariedade prevista no Plano Diretor de Ordenamento
Territorial: “Há uma inconstitucionalidade que contamina a medida
provisória ao avançar sobre uma competência geral do município de fazer o
seu ordenamento territorial”, frisa.
Além
de membros do Ministério Público, o evento reuniu representantes da
Secretaria de Patrimônio da União, da ONG Imazon, do Instituto
Brasileiro de Direito Urbanístico, do Conselho Nacional de Direitos
Humanos, do Instituto Sociambiental, do Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra e professores e especialistas das Universidades federais do Rio de
Janeiro e do Pará.