Quinta, 25 de maio de 2017
O que faziam enquanto elefantes brancos eram erguidos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas?
O que faziam enquanto elefantes brancos eram erguidos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas?
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira divulgou um
artigo para lançar o movimento #MudaTC, que pede a reforma dos Tribunais
de Contas. Ele pergunta: "Onde estavam os tribunais de contas enquanto
rombos fiscais bilionários eram construídos?".
Por Júlio Marcelo —Folha Política.org/Imagem: Reprodução / Redes Sociais
Blog do Sombra
Onde estavam os tribunais de contas enquanto rombos fiscais bilionários
eram construídos? O que faziam enquanto elefantes brancos eram erguidos
para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, eventos que deixaram como
legado apenas dívidas, despesas inúteis e escândalos de corrupção?
Enquanto essa orgia recente com o dinheiro público acontecia, educação,
saúde e segurança perdiam de 7 a 1 para a incompetência e a corrupção.
Não falta dinheiro para os tribunais de contas. Juntos custam mais de R$
10 bilhões por ano. Então, por que não funcionam bem?
Algumas respostas são bem conhecidas, como a indicação política da
maior parte de seus membros e a total falta de fiscalização sobre o que
fazem e como fazem. Acabar com as indicações políticas e instituir
mecanismos de fiscalização dos tribunais de contas é, portanto, urgente.
Não é possível aceitar a nomeação de conselheiros sem curso superior ou
com formação que não tem nada que ver com a fiscalização de contas
públicas, como dentistas e veterinários. Não é admissível que cargos de
conselheiros sejam objeto de barganhas políticas para acomodar aliados
em momentos de definição de chapas eleitorais.
Causam náuseas as notícias de que foram compradas antecipações de
aposentadorias de conselheiros para que vagas fossem abertas para
políticos interessados em transformar em oportunidades de negócio cargos
vitalícios, com foro privilegiado, sem nenhuma fiscalização e com muito
poder.
As notícias de que governadores e prefeitos pagam propinas para terem
contas aprovadas em tribunais de contas, como visto na operação Quinto
do Ouro no Rio de Janeiro, evidenciam que esse sistema não pode
continuar como está. Infelizmente, o que ocorreu no Rio de Janeiro não é
caso isolado.
Estudo da Transparência Brasil revela que dezenas de conselheiros são
processados perante o Superior Tribunal de Justiça por improbidade
administrativa ou crimes contra a administração pública. Mesmo no
Tribunal de Contas da União, corretamente considerado o melhor tribunal
de contas, há investigações em curso no âmbito da operação Lava Jato que
despertam graves dúvidas e preocupações sobre seu regular
funcionamento.
Há apenas três anos, o Senado da República estava em vias de indicar o
então senador Gim Argello para o cargo de ministro do TCU! Como todos
sabem, Gim Argello hoje cumpre pena em Curitiba, por vários crimes
contra a administração pública, como mais um dos condenados na operação
Lava Jato. É preciso, portanto, qualificar urgentemente a composição dos
tribunais de contas, tanto no campo da formação técnica como no da
idoneidade moral e reputação ilibada de seus membros. Não se trata aqui
de abordar esse tema de forma simplista, demonizando os políticos e
endeusando os de formação técnica. Longe disso. É evidente que há
políticos honestos e competentes, dignos da maior admiração, como também
há técnicos ineptos, preguiçosos e desonestos. Não sejamos
maniqueístas, mas também não sejamos ingênuos.
Sabemos todos o momento pelo qual o país passa, testemunhamos todos
como a corrupção se infiltrou em todos os poderes, em todos os níveis.
Temos de pensar e almejar os modelos de instituições menos vulneráveis à
corrupção e à ingerência política. Aqui falamos de probabilidades, de
modelos que facilitam ou que dificultam essas práticas nocivas. O modelo
atual simplesmente não funciona.
Há, contudo, outras questões igualmente muito importantes para que
possam funcionar bem. A organização de seus órgãos de auditoria, com
atribuição dessas funções apenas a servidores concursados e com
independência técnica para executar suas atividades também é
fundamental. Auditorias conduzidas por servidores comissionados, sem
vínculo efetivo com o órgão de controle, ou por servidores cujos cargos
não têm atribuição legal de auditoria, tornam essas atividades
vulneráveis a ingerências políticas, a vazamento de informações
sensíveis, além de serem ilegais e tecnicamente precárias.
Há tribunais de contas com mais da metade de seus servidores
comissionados, indicados por conselheiros e políticos amigos que
deveriam ser fiscalizados! Por último, mas não menos importante, há a
questão da falta de autonomia do Ministério Público de Contas,
considerado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 789/DF, em 1993, como
inserido na intimidade estrutural do tribunal de contas, o que implica
dizer que o Ministério Público de Contas fica à mercê de decisões
discricionárias dos tribunais de contas que afetam diretamente sua
capacidade de funcionamento.
Embora o STF tenha assegurado independência funcional aos seus membros,
o MP de Contas depende do espaço físico, dos servidores disponíveis,
das mesas e cadeiras e computadores que o tribunal de contas tenha por
razoável colocar à sua disposição. Até mesmo a iniciativa da lei que
estabelece quantos são os procuradores de contas considera-se reservada
ao tribunal de contas!
Enquanto o Ministério Público judicial pode atuar com liberdade e
desenvoltura, com orçamento próprio, com autogoverno, o Ministério
Público de Contas resta submetido aos humores dos tribunais de contas.
Neste exato momento, discute-se no Tribunal de Contas da União se todos
os seus processos serão enviados para exame do Ministério Público de
Contas, algo que deveria ser absolutamente natural e rotineiro. É
praticamente consensual na sociedade brasileira o diagnóstico de que é
preciso reformar os tribunais de contas. No entanto, a reforma nunca
acontece, embora haja algumas propostas de emenda à Constituição para
isso.
Porquê? Primeiro, porque a sociedade acredita que os políticos não
serão capazes de fazer uma reforma que, ao mesmo tempo, aumente a
fiscalização que sofrerão e lhes retire oportunidade de ocupação de
espaços de poder. Segundo, porque essa mesma sociedade não consegue
perceber quão diferente poderia ser o funcionamento da administração
pública brasileira, quão mais eficiente poderia ser o gasto público se
os tribunais de contas funcionassem de acordo com suas finalidades.
Quando todos nós nascemos, os tribunais de contas já eram no imaginário
brasileiro o lugar onde se arquivam os amigos. Nós ainda não tivemos a
experiência de um tribunal de contas funcionando em toda a sua
potencialidade. Como não sabemos bem o que estamos perdendo, não lutamos
tanto por essa causa.
A Constituição dá a esses órgãos poderes extraordinários! Suas decisões
têm caráter mandamental. Eles podem fixar prazo para o exato
cumprimento da lei! Está lá no inciso IX do artigo 71 da Constituição.
Cabe ao gestor cumprir as determinações dos tribunais de contas. Se não
concordar, resta-lhe recorrer ao Poder Judiciário. Somente o Poder
Judiciário pode autorizar o gestor público a não cumprir uma
determinação do tribunal de contas. Vejam quanto potencial desperdiçado.
É essa combinação de descrença na possibilidade de mudança com a falta
de percepção do quanto ela pode nos trazer que tem sido o real
impedimento à reforma dos tribunais de contas.
A missão e o desafio do #MudaTC é justamente mostrar à sociedade
brasileira o quanto ela tem a ganhar com essa reforma e que ela é
possível sim, se a sociedade quiser e exigir. Vejam o que a Polícia
Federal, o MPF e o Judiciário têm oferecido à sociedade com a operação
Lava Jato. Vejam o que ocorre quando as instituições funcionam. A Lei da
Ficha Limpa depende fundamentalmente do bom funcionamento dos tribunais
de contas. Eles têm o potencial de nivelar a administração pública por
cima, excluindo da vida pública os maus gestores. Assim como o controle
atuante induz melhorias de qualidade na administração, o oposto também
ocorre. O controle leniente, omisso ou corrompido, conduz ao desrespeito
com o dinheiro público.
Tribunais de contas eficientes podem produzir uma verdadeira revolução
na administração pública brasileira. A emissão de um parecer pela
rejeição das contas de uma Presidente da República, por um robusto
conjunto de irregularidades, é apenas uma pequenina amostra disso. Muito
mais pode e deve ser feito. O #MudaTC vai dialogar com todos os setores
da sociedade, mostrar o quanto ela pode ganhar com essa reforma e que
só e somente ela, sociedade brasileira, terá força para vencer as forças
que querem manter os tribunais de contas exatamente como estão. É claro
que é do interesse dos grupos políticos dominantes tribunais de contas
inertes.
Já à sociedade brasileira interessa um controle externo eficiente. Este
movimento, portanto, embora iniciado por entidades de servidores e
procuradores, não é e não pode ser apenas nosso. Tem de pertencer a todo
cidadão brasileiro que sonha com um país justo, com saúde e educação de
qualidade, com gasto público eficiente. Nós podemos apenas emprestar
nossa firme vontade e nossa experiência de décadas de serviço público
dedicadas a tentar construir instituições de controle externo que
funcionem. Juntos, conseguiremos.