Quinta, 18 de maio de 2017
Do MPF
Caso envolve investimentos da Funcef no FIP Cevix. Prejuízo causado ao fundo de pensão ultrapassou R$ 400 milhões
O Ministério Público Federal (MPF/DF) enviou à Justiça nessa
quarta-feira (17) a primeira ação penal elaborada no âmbito da Operação
Greenfield. Ao todo, foram denunciadas 14 pessoas, incluindo
ex-diretores da Funcef (Fundo de Pensão dos Funcionários da Caixa
Econômica Federal), empresários ligados à empresa Engevix, responsável
pela criação e gestão Fundo de Investimento em Participações (FIP)
Cevix, além de políticos e um ex-superintendente da Caixa Econômica
Federal.
O grupo é acusado da prática crimes como gestão fraudulenta e
temerária, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, além de outros
previstos na Lei 7.492/86, que define os crimes contra o sistema
financeiro. Com base em provas reunidas durante a investigação, o MPF
aponta a existência de um prejuízo de R$ 402 milhões para os cofres do
fundo de pensão, em valores atualizados até 2015. O montante contribui
para o rombo total da instituição, estimado, atualmente, em R$ 18
bilhões.
Assinado por sete procuradores da República que integram a
força-tarefa que apura as suspeitas de irregularidades na aplicação de
recursos das chamadas Entidades Fechadas de Previdência Complementar
(EFPC) em empresas privadas, a denúncia traz, nas primeiras páginas, uma
descrição detalhada da forma como eram criadas as condições para a
prática dos crimes. Uma descoberta que foi possível graças à atuação
conjunta de instituições como Previc e Receita, que contribuíram com o
trabalho investigativo do MPF e da PF. Um ponto em comum – verificado
pelos investigadores, tanto no caso mencionado na ação penal quanto em
outros ainda em andamento - foi a chamada sobreprecificação dos ativos
dos FIPs.
Viabilizada por meio de avaliação econômico-financeira irreal e
tecnicamente irregular, a prática é comparada ao superfaturamento de
obras públicas. Ambas as estratégias têm o objetivo de fazer com que o
poder público (no caso das obras) e os Fundos de Pensão (no caso da
compra das cotas) paguem valores acima do que efetivamente vale o
"produto" negociado. Como consequência, frisam os autores da ação,
tem-se, de um lado, prejuízo ao investidor institucional e, do outro, o
enriquecimento ilícito do grupo econômico criador do FIP.
Ainda em relação a características comuns, verificadas na maioria dos
investimentos investigados, o MPF menciona a existência de cinco
núcleos criminosos: o empresarial, formado por dirigentes de fundos de
pensão, o dos políticos, o de empresas avaliadoras e o dos gestores e
administradores dos FIPs.
Sobre o modo de atuação, os procuradores afirmam que ele se repetiu
em oito dos dez casos. No primeiro momento, é tomada a decisão de
investir recursos dos fundos de pensão em empresas com problemas
financeiros. Na etapa seguinte, ocorre a formalização do investimento,
sempre de forma indireta, via FIP. O terceiro passo é marcado pela
contratação de empresas com o propósito de fazer avaliações
superestimadas dos ativos. O ciclo se fecha na quarta etapa quando
gestores dos fundos conseguem, a partir de relatórios frágeis e mesmo
sem pareceres de governança, jurídicos ou desprezando análises de risco,
a aprovação da respectiva Diretoria Executiva e, consequentemente, a
realização dos aportes financeiros.
O caso Cevix - Em relação ao caso Cevix, a ação
detalha o processo que começou ainda em 2008, quando foram iniciadas as
conversas para a criação de uma empresa do ramo elétrico, a Cevix
Energia Renováveis S/A. Já no ato de criação, ficou estabelecido que a
companhia receberia investimentos do FIP Cevix, cujo capital seria
integralizado pela Funcef e Desenvix. O Fundo de Pensão deveria investir
R$ 200 milhões (25% do total) e a empresa privada deveria aportar R$
600 milhões (75% do capital total do FIP). As investigações revelaram,
no entanto, que o total desembolsado pelo Fundo de Pensão chegou a R$
260,6 milhões. Já a Engevix investiu R$173 milhões. Apesar da
discrepância, a divisão na participação acionária foi mantida: 75% da
cotas pertenciam à empresa enquanto a Funcef mantinha 25%.
Na ação, o MPF aponta as pessoas (todas na lista de denunciadas)
responsáveis tanto pelas negociações iniciais quanto pelas articulações
que levaram à viabilização dos investimentos, feitos em cinco parcelas,
entre dezembro de 2009 e julho de 2010. Da parte da empresa, aparecem
Gerson de Mello Almada, Cristiano Kok e José Antônio Sobrinho.
Representando a Funcef, o papel de destaque é atribuído ao então diretor
de investimentos, Demosthenes Marques. Além dele, são mencionados cinco
integrantes da diretoria executiva: Guilherme Narciso de Lacerda
(diretor-presidente), Luiz Philippe Peres Torelly (diretor de
Participações Societárias e Imobiliárias), Antônio Bráulio de Carvalho
(diretor de Planejamento e Controladoria), Geraldo Aparecido da Silva
(diretor de Benefícios, em exercício à época dos fatos) e Sérgio
Francisco da Silva (diretor de Administração). Também aparece na
relação, Roberto Carlos Madoglio (ex-superintendente Nacional de Fundos
de Investimentos Especiais da Caixa).
Sobrecificação e ausência de diligências - Segundo a
denúncia, para que fosse viabilizado, tanto o investimento inicial da
Funcef, quanto os demais, decorrentes de reestruturação do FIP, houve a
prática da gestão fraudulenta e temerária dos recursos do fundo de
pensão. São mencionados dois pontos específicos como os que viabilizaram
a prática. O primeiro foi a supervalorização dos ativos do FIP e o
segundo, a não observação "dos devereres de due diligence". Chama a
atenção, por exemplo, o fato de a aprovação dos investimentos ter sido
feita pela diretoria executiva antes mesmo da realização das avaliações
jurídica e de risco, exigência prevista em circular normativa interna
que trata do processo decisório de investimentos.
Ao detalhar o esquema que levou à chamada sobrecificação, os
procuradores explicam que a Funcef contratou, em dezembro de 2009 a
Upside Finanças Corporativas para que fizesse a avaliação dos ativos que
haviam sido aportados pela Desenvix no FIP recém criado. Em dois
relatórios apresentados pelo sócio-diretor da Upside, Humberto Bezerril
Gargiulo, foram avaliados 13 empreendimentos indicados pela empresa para
compor o capital da Cevix. De acordo com o documento, cinco deles já
estavam em operação (brownfield) e oito ainda estavam em construção ou
existiam apenas como projetos (greenfield). A lista de empreendimentos é
formada por usinas e centrais hidrelétricas.
Citando documentos como autos de infração da Previc, um laudo
pericial da Polícia Federal e depoimentos de pessoas como Fábio Maimoni
Gonçalves, que atuou como colaborador espontâneo durante as
investigações, o MPF argumenta que a "Upside desconsiderou riscos reais
do investimentos em questão".
Com base na avaliação apresentada pela Upside, a Funcef considerou
que os ativos da Desenvix valiam R$ 782 milhões (o segundo maior valor
informado pela empresa de finanças). Em cima desse preço foi aplicada
uma taxa de desconto de 6,42%, dois pontos percentuais menor que o
considerado correto pelo MPF. No documento, os procuradores afirmam que
se o percentual tivesse sido de 8,46%, o valor final dos ativos da
empresa teria ficado quase R$ 190 milhões a menos que o efetivamente
considerado pela Funcef como parâmetro para os aportes financeiros.
"Quando a Funcef decidiu por essa taxa de desconto, sua Diretoria
Executiva terminava por decidir que o investimento na Desenvix seria
menos arriscado do que a aplicação de recursos em títulos públicos
federais, o que é um absoluto contrassenso, um verdadeiro absurdo desde o
ponto de vista técnico", enfatiza um dos trechos da denúncia.
Pagamento de Propina - Embora não tenha sido o
objeto principal da investigação - que priorizou a apurações das
suspeitas de gestão fraudulenta e temerária dos recursos da Funcef - a
descoberta de que os representantes da empresa privada pagaram propina a
Milton Pascowitch e João Vaccari Neto – então tesoureiro do Partido dos
Trabalhadores (PT) é mencionada na ação. Os dois integram a lista de
denunciados por terem recebido, em quatro oportunidades, o valor
acumulado de R$ 5,5 milhões líquidos. O dinheiro, conforme foi
constatado pelos investigadores, foi pago de forma dissimulada pela
Engevix Engenharia S/A à Jamp Engenheiros Associados de santa Catarina.
Na ação, os procuradores destacam que os pagamentos foram analisados
pela Receita Federal, que concluiu pela "inexistência de atividade
econômica real que desse suporte a tais transferências financeiras".
Para o MPF, o real motivo dos pagamentos era a interferência feita por
Vaccari e Pascowitch para garantir a conclusão dos aportes realizados
pela Funcef em FIPs ligados à Engevix. Um dos casos, inclusive, ainda
deverá ser objeto de ação penal. Ainda em relação ao destino dado ao
dinheiro da propina, a ação menciona que as informações já reunidas dão
conta de que os valores eram repassados ao PT, frisando, no entanto, que
até o momento, não foi possível mapear como foram efetivados esses
repasses.
Colaborações espontâneas e novas ações - Ao longo da
denúncia, o MPF cita que o processo de apuração dos fatos - tanto o que
trata especificamente do caso Cevix (objeto da presente ação) quanto os
demais que seguem na fase extrajudicial - contou com a participação
ativa da Previc, entidade responsável por fiscalizar a atuação dos
fundos de pensão e de outros órgãos como a Receita Federal e Polícia
Federal. A participação da Funcef, enquanto entidade lesada, também é
mencionada no documento.
Além dessas fontes de informação, o MPF contou com o que os
procuradores chamam de "colaboração espontânea unilateral" de acusados
como Gerson Almada, Cristiano Kok e José Antunes Sobrinho e de
testemunhas como Fábio Maimoni Gonçalves, Renata Marotta e Humberto
Gargiulo. As informações fornecidas pelos colaboradores foram
importantes para a comprovação de fatos como o desrespeito a normas
internas quanto à necessidade de diligências e análise de riscos. Também
foi possível provar a elaboração de pareceres técnicos viciados que
tinham o objetivo de subsidiar posicionamentos favoráveis ao
investimentos. Foi o que revelou Maimoni, ao citar um documento
elaborado por ele, por ordem de seu superior Demósthenes Marques.
Junto com a ação, os procuradores informaram à Justiça que, diante da
falta de provas de que houve dolo na atuação das três testemunhas
(Fábio, Renata e Humberto) e considerando a boa fé demonstrada por eles
no curso da investigação, deixariam de apresentar, neste momento,
denúncia contra as três. A providência não está descartada, caso surjam
novos dados que evidenciem má-fé na prática dos atos envolvendo o caso.
Em relação aos pedidos apresentação na ação penal, o MPF defende a
condenação dos 14 denunciados pelas práticas atribuídas a cada um dos
envolvidos. Somadas, as penas máximas dos crimes atribuídos aos
envolvidos chega a 94 anos reclusão. Além das prisões, foi solicitado
que o juiz estipule um valor mínimo para a reparação econômica e moral
da Funcef bem como de seus participantes e beneficiários. O montante
sugerido - a ser pago de forma solidária pelos denunciados, em caso de
condenação - é de R$ 1,2 bilhão, o equivalente ao triplo do prejuízo
causado aos cofres do fundo de pensão.
Lista de denunciados
1. Demósthenes Marques
2. Guilherme Narciso de Lacerda
3. Luiz Philippe Peres Torelly
4. Antônio Bráulio de Carvalho
5. Geraldo Aparecido da Silva,
6. Sérgio Francisco da Silva
7. Carlos Alberto Caser,
8. José Carlos Alonso Gonçalves
9. Roberto Carlos Madoglio
10. José Antunes Sobrinho
11. Gerson de Mello Almada
12. Cristiano Kok
13. Milton Pascowitch
14. João Vaccari Neto
1. Demósthenes Marques
2. Guilherme Narciso de Lacerda
3. Luiz Philippe Peres Torelly
4. Antônio Bráulio de Carvalho
5. Geraldo Aparecido da Silva,
6. Sérgio Francisco da Silva
7. Carlos Alberto Caser,
8. José Carlos Alonso Gonçalves
9. Roberto Carlos Madoglio
10. José Antunes Sobrinho
11. Gerson de Mello Almada
12. Cristiano Kok
13. Milton Pascowitch
14. João Vaccari Neto