Quarta, 10 de maio de 2017
Em nota técnica elaborada pela Câmara de Meio
Ambiente, o MPF faz críticas à excessiva liberdade concedida a estados e
municípios, evidenciando erros técnicos e jurídicos do PL 3.729/2004
O
Ministério Público Federal (MPF) se posicionou contra a aprovação do
substitutivo ao Projeto de Lei 3.729/2004, que institui a Lei Geral do
Licenciamento e está em análise para votação na Comissão de Finanças e
Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados. A Câmara de Meio Ambiente e
Patrimônio Cultural (4CCR) do MPF elaborou nota técnica em que sugere
uma análise mais profunda do PL, capitaneada pelo Ministério do Meio
Ambiente (MMA), além de amplo debate com a sociedade civil.
O
documento, assinado pelo coordenador da 4CCR, subprocurador-geral da
República Nivio de Freitas, realiza diagnóstico do PL por temas, que
poderá trazer prejuízos irreversíveis à proteção e à gestão ambiental.
Os erros técnicos e jurídicos apresentados na proposta “impõem o
reconhecimento de que matérias de alta especificidade devem ser tratadas
por aqueles que detém um mínimo de conhecimento”, aponta o MPF no texto
da nota técnica.
Entre
um dos pontos mais controversos do PL, o MPF cita a concessão de
licenças independentemente da manifestação dos demais órgãos da
administração pública que, em função de suas atribuições legais, possam
ter interesses envolvidos, como o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Nacional do Índio (Funai), o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre
outros, mesmo quando a manifestação for contrária, alertando sobre
riscos decorrentes do empreendimento. De acordo com a proposta em
discussão, somente no momento da renovação de licenças o parecer dos
demais órgãos envolvidos será analisado, o que poderá ocorrer no prazo
de cinco ou seis anos, sujeitando bens protegidos a danos irreversíveis.
No caso de parecer do ICMBio não vinculante, o MPF afirma que a medida representa o enfraquecimento da Política Nacional de Biodiversidade (PNB), colocando em risco todos os esforços nacionais para a conservação da biodiversidade. “Em
síntese, a proposta legislativa não confere nenhuma importância aos
pareceres dos demais órgãos envolvidos, que detém conhecimento sobre
matérias específicas, e a manifestação das autoridades envolvidas passa a
ser peça decorativa do licenciamento ambiental”, alerta o documento.
Disputa negativa – A
excessiva autonomia concedida a entes da federação para emissão de
licença é outro tema que preocupa o Ministério Público. De acordo com o
PL 3.729/2004, os estados terão prerrogativa para definir critérios e
parâmetros para classificar o empreendimento/atividade quanto ao rito do
licenciamento, de acordo com a sua natureza, porte e potencial
poluidor. O MPF avalia que, na prática, a alta discricionariedade
concedida aos entes federados poderá gerar competição para atrair
empreendimentos, criando diferentes níveis de proteção ambiental e
diminuindo gradativamente a proteção ambiental no país de forma
generalizada.
Como
exemplo, a nota cita a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), bem como
outras licenças específicas que, pelo artigo 4º do PL, poderão ser
definidas por ato normativo da autoridade competente, em virtude da
natureza, características e peculiaridades da atividade ou
empreendimento. Além da excessiva flexibilização, o MPF ressalta a
indefinição na simplificação dos critérios como um dos grandes
problemas. “É um verdadeiro 'cheque em branco'. Esse dispositivo também
tem o potencial de aumentar judicializações de casos concretos país
afora”, destaca o documento.
Dispensa de licenciamento - Outro ponto questionável identificado pelo MPF é a dispensa de licenciamento para atividades
de grande impacto ambiental como as atividades agrícolas e pecuárias
temporárias, perenes e semiperenes em áreas de uso alternativo do solo. De acordo com o texto legislativo, apenas questões relacionadas ao desmatamento e à regularização nos termos do Código Florestal devem ser avaliadas. Entretanto, o MPF considera que outros resultados dessas
atividades podem impactar gravemente o meio ambiente, como o uso de
agrotóxicos, ocasionando a contaminação de recursos hídricos. Segundo
dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e da Associação Brasileira
de Saúde Coletiva (Abrasco), o uso de agrotóxicos no país ultrapassa 1
milhão de toneladas por ano. Isso significa dizer que cada brasileiro
consome, em média, 5,2 kg de veneno agrícola todos os anos.
Além
de atividades agropecuárias, o artigo 7º do PL 3.729/2004 também prevê a
dispensa de licenciamento para grandes obras de infraestrutura como a
ampliação de obras rodoviárias, ferroviárias e melhorias em sistemas de
transmissão e distribuição de energia já licenciados. É comum que
pessoas impactadas por grandes obras sejam obrigadas a mudar de casa e
até percam o sustento sem ter esses danos compensados por quem lucra com
o empreendimento. Para o MPF, a proposta deixa ainda mais vulneráveis
essas populações ao não prever parâmetros seguros para definir como
serão mitigados os efeitos negativos que um empreendimento causa à
população local.