Segunda, 5 de junho de 2017
Do MPD —Movimento do Ministério Público Democrático
Por Airton Florentino de Barros*
As notícias são incontáveis. Ora o Executivo dá ao partido um cargo
em comissão e, pronto, ele fecha questão mesmo traindo seus eleitores
para votar a favor de uma reforma legislativa. Ora libera verba
orçamentária para determinado parlamentar, e isso basta para mudar sua
posição a respeito de outro projeto de lei ou emenda constitucional.
Interpelados pela mídia, os chefes dos Poderes Executivo e
Legislativo vão logo explicando: não se governa sem coalizão, que é
comum no mundo inteiro. Afinal, é a democracia se revelando. Sem isso, o
Estado fica ingovernável.
Não é bem assim.
De fato, as coalizões partidárias são realmente comuns. Lá fora,
contudo, ao menos onde a democracia é mais estável, são elas entabuladas
dentro de áreas de interseção de ideologias e interesses de cada
partido. A sigla não abre mão, e nem pode abrir, de sua ideologia
estatutária. Se uma pessoa é indicada para ocupar cargo importante, cada
partido da coalizão analisa a indicação, manifestando-se, por exemplo,
quando o nome é inaceitável para a função. A bancada de oposição nunca
passa radicalmente à situação, cedendo em certos pontos que não agridam à
ideologia do partido, sempre em busca da implementação de políticas
públicas compatíveis com o seu pensamento, independentemente da oferta
de cargos ou verbas.
Deveria aqui ser assim também.
Nada mais é a república do que o império da lei.
Ninguém ignora, portanto, que, para a sobrevivência do regime
republicano, é indispensável o legítimo funcionamento do Poder
Legislativo, que, não sem motivo, forma-se por eleição como fiel
substrato da sociedade, representando a vontade da maioria dos cidadãos.
Não é por outra razão que, no processo eleitoral, a escolha do
candidato ao parlamento se faz a partir de seus dotes morais,
habilidades pessoais e promessa de campanha, mas, sobretudo, pela
identidade partidária. De fato, sabe o eleitor que seu candidato votará
nas alterações legislativas de acordo com a ideologia estatutária e
programática de seu partido.
Por isso mesmo é que não se admite candidatura para cargos eletivos
oficiais sem prévia filiação partidária. E, para assegurar a
autenticidade da representação popular, tem o partido o dever de exigir
de seus filiados a absoluta fidelidade à ideologia que defende e
propaga.
O destinatário da fidelidade partidária é sempre o eleitor.
Assim, ao contrário do que muitos equivocadamente defendem, os atos
dos representantes populares no Legislativo não são todos livres ou
discricionários. Em relação à ideologia partidária (ideias de políticas
que o partido promete implementar caso chegue ao poder), seus atos são
vinculados, sob pena de acarretarem danos à representação democrática,
ao eleitorado, a todos e a cada cidadão, com a decorrente
responsabilidade disciplinar partidária, administrativa, penal e civil.
Assim, o parlamentar só tem livre voto nas questões não incluídas na
ideologia estatutária ou programática de seu partido, a menos que
queira se sujeitar às sanções disciplinares, administrativas e civis,
conforme o caso.
De outra parte, os cargos públicos, mesmo os de livre nomeação,
devem ser preenchidos de acordo com a necessidade e o interesse público,
sempre se observando rigorosamente o princípio da eficiência. Não podem
agentes do Executivo promover verdadeiro trem da alegria para a compra
de votos a favor de projeto legislativos de sua iniciativa.
Isso vale para a liberação de verbas orçamentárias, que não se
destinam a atender aos interesses pessoais ou de grupos, mas ao
cumprimento de prioridades objetivas de políticas públicas.
Se agentes do Executivo liberam ou deixam de liberar verba
orçamentária para a satisfação de interesse pessoal ou de grupos, com o
verdadeiro intuito de, por indevida pressão, comprar votos
parlamentares, isso pode configurar crime e, certamente, não se chama
coalizão partidária, mas organização criminosa. No mínimo, trata-se de
conduta configuradora de ato de improbidade administrativa, que pode
sujeitar os agentes públicos autores à perda do cargo.
Ademais, a compra de votos parlamentares pelo chefe do Executivo dá a
ele o poder de governar sozinho. E esse procedimento medieval pode ser
tudo, menos democracia.
*Airton Florentino de Barros é advogado e professor
de Direito Empresarial. Foi procurador de Justiça em São Paulo e também
fundador e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático
(MPD).