Sexta, 2 de junho de 2017
Análise dos códigos-fonte aponta que
sistema foi acessado para alterar informações no mesmo dia da operação
da Polícia Federal; Planalto diz que apenas realizou ‘transferências de
bancos de dados’.
Por AGUIRRE TALENTO-Revista Época
Blog do Sombra
Em 18 de agosto de 2014, o lobista do grupo J&F, Ricardo Saud,
viajou a Brasília para comunicar pessoalmente ao então vice-presidente
Michel Temer (PMDB) que obteve o aval para o repasse de R$ 15 milhões ao
PMDB na campanha eleitoral, fruto de um acerto espúrio para compra do
apoio a Dilma Rousseff. O relato está na delação premiada do executivo,
que veio a público há duas semanas. A agenda eletrônica da
vice-presidência da República registra apenas uma informação para aquele
dia: “sem compromisso oficial”. Um novo detalhe revelado por ÉPOCA,
porém, coloca sob suspeita esses dados oficiais e aponta até mesmo um
indicativo de obstrução à Justiça. Os servidores de informática do
Palácio do Planalto registraram dezenas de modificações nas agendas
antigas de Temer realizadas entre 11h20 e 11h31 de 18 de maio, dia em
que estourou a Operação Patmos, baseada na delação da JBS e que trouxe a
público graves acusações envolvendo até mesmo o Presidente da
República.
ÉPOCA submeteu os códigos-fonte (espécie de alfabeto das máquinas, com
números, letras e símbolos usados para fazer funcionar os programas de
computadores) das páginas na internet que registram as agendas antigas
de Temer a dois peritos da Polícia Federal especialistas em informática
que, separadamente, chegaram à mesma conclusão: o servidor do Planalto
foi acessado e as agendas antigas manipuladas naquela mesma manhã em que
a PF cumpria mandados de prisão e buscas autorizados pelo ministro
Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Dentre os dias nos
quais consta alterações no sistema, está a exata data desse encontro
revelado pelo lobista da JBS. No espelho das alterações realizadas na
máquina central que gerencia o programa de agendas antigas de Temer,
consta: “
Procurado, o Planalto apresentou uma justificativa para o acesso
realizado. Em nota, reconheceu que acessou os servidores da Presidência
para edição das agendas antigas de Michel Temer, mas disse que a
motivação foi apenas burocrática. Nega ter modificado ou suprimido
informações das agendas. “Não houve alterações feitas por funcionários
do gabinete nas agendas do então vice-presidente Michel Temer. O que
houve foi apenas uma transferência dos calendários para bancos de dados
para evitar problemas tecnológicos, realizada na verdade no dia 16 de
maio. Essa mudança garantiu o acesso público aos dados sem problemas de
confusão de informações por questões técnicas”, afirmou a assessoria do
Planalto.
Mas ao analisar as mais de 100 páginas com os scripts e códigos
computacionais das agendas, os peritos observaram que nem todas as
agendas antigas foram modificadas no mesmo dia 18. Ou seja, um grupo
expressivo fugiu do padrão: as agendas que foram manuseadas no último
dia 18 de maio, no calor da operação da PF, que poderia, por exemplo ter
registrado o encontro com o executivo da JBS. Na avaliação dos peritos
consultados pela reportagem, como as modificações não ficaram
registradas em todas as agendas, a indicação é que pode ter ocorrido uma
busca por palavras-chave para a realização de alterações específicas.
Consultados sobre a justificativa do Planalto, os peritos apontam que
uma migração de dados deveria provocar alterações em todas as agendas, e
não somente em algumas.
Pelos dados disponíveis externamente, não é possível saber efetivamente
quais foram – e se ocorreram -- as modificações e o histórico de
edições das agendas de Temer. Somente uma perícia dentro dos servidores
do Palácio do Planalto poderia resgatar o histórico das páginas e
apontar efetivamente se houve supressão de dados com o objetivo de
proteger Michel Temer das investigações da Lava Jato, apagando rastros
que poderiam implica-lo mais ainda. Para os especialistas, no entanto,
os programas governamentais – os da própria PF, por exemplo – costumam
só registrar modificações nos documentos acessados se esses foram
efetivamente alterados. Ou seja, o simples consultar dos arquivos, de
agendas antigas arquivadas no banco de dados do Planalto, não
registraria como data de modificação o último dia 18 de maio se essas
não tivessem, de fato, sido alteradas. Em todo caso, não descartam que o
sistema de informática da Presidência esteja defasado. O sistema aponta
alterações em agendas oficiais da vice-presidência da República desde
2012 até a véspera do dia em que Temer assumiu interinamente a
Presidência com o afastamento de Dilma Rousseff, 12 de maio do ano
passado.
Naquele dia, 18 de agosto de 2014, Michel Temer estava em Brasília e
chegou a participar de uma reunião da comissão executiva nacional do
PMDB. A campanha eleitoral corria a todo vapor e sua participação nas
articulações era intensa. Por isso, nada mais natural que recebesse um
empresário para tratar sobre recursos de campanha, ainda que sua agenda
não registre o encontro. Além desse relato de Ricardo Saud, as delações
da JBS trazem muitas referências a outras reuniões com o peemedebista,
evidenciando uma relação de proximidade. O próprio sócio da empresa,
Joesley Batista, contou que “esteve com Temer em múltiplas ocasiões, não
menos que 20 vezes, ora em seu escritório de advocacia, ora na
residência de Temer, ora ainda no Palácio do Jaburu”. Também relatou
diversas solicitações de pagamento de propina feitas diretamente pelo
peemedebista. Já Saud contou que os encontros com Temer se
intensificaram em 2014 por conta da campanha eleitoral. “Do final de
agosto até o final de outubro de 2014, Temer e Saud encontraram-se em
múltiplas ocasiões, ora no Palácio do Jaburu, ora no gabinete da
Vice-Presidência da República, ora na residência de Temer em São Paulo,
para ajustar a distribuição do dinheiro”, afirmou em sua delação. As
apurações da Lava Jato indicam que a maioria desses encontros de Temer
com os executivos da JBS nem tinham registro oficial. O último deles,
por exemplo, ocorreu totalmente às escondidas, em 7 de março de 2017 às
22h30, e foi nele que Joesley gravou a conversa na qual relatou
sutilmente que estava fazendo pagamentos ao ex-deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), mantendo com ele uma “boa relação”. Após a polêmica, Temer
passou a registrar em detalhes sua agenda.
Os códigos-fonte das páginas alteradas indicam ainda um nome como
criador do conteúdo: Aline Alves Sales, assessora de Temer desde a
Presidência da Câmara, em 2010, e que passou a acompanha-lo na vice e na
Presidência, como uma das funcionárias que cuidam de sua agenda. Na
avaliação dos peritos consultados pela reportagem, só o acesso aos
servidores do Palácio do Planalto podem garantir se Aline Alves foi
autora da agenda inicial ou se foi responsável pelas eventuais
alterações do dia 18 de maio. Contatada por telefone na manhã desta
sexta (2), Aline afirmou à reportagem que não poderia falar e recomendou
que fosse feito contato com a Secretaria de Comunicação Social do
Planalto. Na nota, o Planalto afirmou que Aline não fez alterações e é
responsável pelos lançamentos na agenda, então seu nome consta nos
códigos-fonte por ter sido responsável pelos lançamentos antigos. Para
os peritos consultados pela reportagem, porém, a explicação mais
consistente até o momento é que os servidores foram acessados com o
intuito de modificação do conteúdo.