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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Alternativas ao aumento do PIS/Cofins sobre combustíveis

Sexta, 28 de julho de 2017
Por
Aldemario Araujo Castro


"Dali foi à Câmara, onde os vereadores debatiam a proposta, e defendeu-a com tanta eloqüência, que a maioria resolveu autorizá-lo ao que pedira, votando ao mesmo tempo um imposto destinado a subsidiar o tratamento, alojamento e mantimento dos doidos pobres. A matéria do imposto não foi fácil achá-la; tudo estava tributado em Itaguaí. Depois de longos estudos, assentou-se em permitir o uso de dois penachos nos cavalos dos enterros. Quem quisesse emplumar os cavalos de um coche mortuário pagaria dois tostões à Câmara, repetindo-se tantas vezes esta quantia quantas fossem as horas decorridas entre a do falecimento e a da última bênção na sepultura" (O Alienista, de Machado de Assis)

O presidente da República, Michel Miguel, expediu o Decreto n. 9.101, de 20 de julho de 2017, aumentando as alíquotas do PIS/COFINS sobre combustíveis (gasolina, diesel e etanol). Segundo nota subscrita pelos ministros da Fazenda e do Planejamento: a) a medida vai gerar, durante o restante do ano de 2017, uma receita adicional de R$ 10,4 bilhões e b) o aumento em questão “é absolutamente necessário tendo em vista a preservação do ajuste fiscal e a manutenção da trajetória de recuperação da economia brasileira” (https://goo.gl/e58JTq) (https://goo.gl/LYHa5Q).

O presidente Michel Lulia afirmou que a aludida majoração do PIS/COFINS “está em linha com a responsabilidade fiscal e será bem compreendida pela população” (https://goo.gl/8kGiiW).

A transcrição de Machado de Assis, na abertura deste escrito, bem demonstra que a “questão tributária” está presente na realidade brasileira de longa data. O tamanho da carga tributária é o elemento mais visível e atrai a maior parte do debate público acerca da temática. Sintomaticamente, o aspecto mais importante do fenômeno da tributação permanece “escondido” ou relegado a um plano claramente secundário ou acessório. Trata-se, esse último, da distribuição da carga tributária pelos vários segmentos socioeconômicos da sociedade brasileira. Esses importantíssimos traços da discussão sobre a tributação no Brasil estão presentes no recente anúncio do aumento do PIS/COFINS sobre os combustíveis.


Dois pontos fundamentais relacionados com esse último episódio de aumento da carga tributária não serão aqui tratados, apenas referidos. São eles: a) a afirmação de que é necessária uma receita adicional no patamar de R$ 10 bilhões neste ano de 2017 para preservação do ajuste fiscal e b) a suposta violação aos princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade com a adoção do mencionado Decreto n. 9.101/2017. Como identificado no título, este escrito procura apontar caminhos alternativos para alcançar os supostamente necessários R$ 10 bilhões adicionais no exercício de 2017 (com repercussão nos seguintes).

Deve ser registrado, de início, que a solução de aumento das receitas tributárias encontrada pelo governo Temer-Meireles-Padilha é a mais perversa em termos socioeconômicos. Com efeito, a decisão em comento aprofunda a marca mais relevante e nefasta da tributação brasileira que é justamente incidir majoritariamente sobre o consumidor e o trabalhador. Segundo dados da Receita Federal do Brasil e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, a tributação da base de incidência consumo no Brasil alcança a casa dos 50% da arrecadação total contra: a) 16,2% nos EUA; b) 18,8% no Japão; c) 27,4% na Alemanha; d) 32,6% no Reino Unido; e) 26,6% na França; f) 27,4% na Itália e g) 29,4% na Espanha. Consoante várias análises especializadas, a tributação incidente sobre os salários (renda decorrente do trabalho) alcança patamares surpreendentes. Agregando consumo e renda (impostos e contribuições), a pressão fiscal chega a quase 49% da remuneração justamente daqueles localizados nas mais baixas faixas de renda familiar (informação divulgada pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil - SINDIFISCO NACIONAL). Não custa lembrar que a carga tributária bruta para 2015 (razão entre a arrecadação de tributos e o PIB) alcançou 32,66%, conforme estudo realizado pela Receita Federal do Brasil.

Assim, a primeira alternativa cogitada ao aumento do PIS/COFINS sobre os combustíveis consiste justamente no aumento da tributação sobre a renda, a propriedade ou os ganhos financeiros, bases econômicas extremamente privilegiadas em termos de tributação no Brasil. Os caminhos a serem trilhados nessa seara envolvem: a) aumento de tributos já existentes (como o imposto de renda em faixas consideravelmente altas de rendimentos); b) eliminação de mecanismos redutores de tributação (como a isenção de imposto de renda na distribuição de lucros e dividendos) e c) instituição de exações novas (como a criação inteligente do imposto sobre grandes fortunas).

As renúncias de receitas tributárias em conjunto (realizadas e projetadas), no período de 2010 e 2018, atingirão o altíssimo patamar de R$ 501,4 bilhões. Tomando o ano de 2015 de forma isolada, as desonerações verificadas representaram aproximadamente R$ 106,7 bilhões. Esses dados foram levantadas em análises realizadas pela Receita Federal do Brasil. Portanto, é perfeitamente possível afirmar, sem margem de dúvida, que a supressão de parte mínima dessas exonerações geraria o montante de recursos perseguido pelo governo federal com o aumento do PIS/COFINS sobre os combustíveis.

O estoque da Dívida Ativa da União e de suas autarquias ultrapassa a monumental cifra de R$ 1,5 trilhão (trilhão !!!). A recuperação progressiva de parte considerável dessa dívida, mediante o adequado aparelhamento dos órgãos públicos envolvidos, notadamente a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Procuradoria-Geral Federal, dispensaria o reajuste do PIS/COFINS sobre os combustíveis.

A sonegação tributária, segundo várias estudos e análises, atinge o patamar de R$ 500 bilhões anuais. Uma atuação planejada, organizada e enérgica nessa área certamente produziria resultados bem superiores aos perseguidos com a majoração do PIS/COFINS sobre os combustíveis.

Uma criteriosa revisão nos subsídios governamentais para os setores agrícola e industrial, a exemplo da indecente “ajuda” realizada por intermédio do BNDES, liberaria substanciais recursos públicos e afastaria a solução “simples” do aumento de tributos, notadamente aqueles socialmente mais perversos. A adoção da Medida Provisória n. 777, de 26 de abril de 2017, que institui a Taxa de Longo Prazo – TLP, aponta nesse sentido.

Por outro lado, os recursos pecuniários pretendidos pelo governo de plantão poderiam ser alcançados com redução cuidadosa das despesas públicas. São vários os gastos que reclamam racionalização, entre eles: a) eliminação de praticamente todos os cargos comissionados; b) extinção de praticamente todos os dispêndios com veículos de representação, deslocamentos de autoridades em aeronaves da Força Aérea Brasileira e moradias funcionais e c) levantamento e superação, pelos meios apropriados, de inúmeros privilégios descabidos existentes na Administração Pública (como uma série de auxílios indevidos deferidos para inúmeras classes de agentes públicos).

Outra frente praticamente esquecida, por razões políticas e ideológicas, envolve substanciais reduções de gastos públicos relacionados com a administração da dívida pública e suas adjacências financeiras. Entre outras medidas, voltadas para a redução do estoque da dívida e do seu serviço, deveriam ser consideradas e submetidas a irrestrita transparência e controle social: a) uma séria auditoria (conforme exige o art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias); b) a gestão de sua evolução, inclusive com a supressão de mecanismos indevidos que viabilizam o seu contínuo crescimento; c) a fixação da taxa de juros SELIC (somente a manutenção de uma brutal transferência de renda da maioria da população para segmentos sociais extremamente minoritários justifica o patamar atual); d) a gestão responsável das reservas monetárias internacionais e e) a revisão da política de realização de operações compromissadas e todas as formas de “ajuste de liquidez”. A título de ilustração, foram pagos cerca de R$ 511 bilhões de juros (nominais) pela União em 2016 (8,1% do PIB). Em 2015, o valor pago foi de aproximadamente R$ 446 bilhões (7,4% do PIB). Já em 2014, o montante desembolsado foi de cerca de R$ 313 bilhões (5,4% do PIB). Os dados estão disponíveis no site do Banco Central do Brasil.

Portanto, com maior ou menor dificuldade técnico-jurídica, com necessidade ou não de chancela do Poder Legislativo, existem inúmeras alternativas socialmente mais justas para obtenção do mesmo (maior ou bem maior) montante de recursos pecuniários a seremarrecadados com o aumento do PIS/COFINS sobre os combustíveis. Quem vai “pagar a conta”? Quais os segmentos socioeconômicos a serem onerados? Eis a decisão política fundamental a ser adotada. O rumo seguido revela a natureza e o perfil do governo implementador das medidas.

*Aldemario Araujo Castro é Advogado, Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília

Brasília, 28 de julho de 2017