Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Exclusivo: "50 Anos da morte de Castelo Branco"

Sexta, 21 de julho de 2017
Do Blog Oficial do Jornal da Tribuna da Imprensa

Os dois textos abaixo sobre a morte do ditador Castelo Branco foram publicados também ontem (19/7/2017) 

Helio Fernandes

*Matéria publicada na edição nº 5.321 -Tribuna da Imprensa em 19.07.1967

Nunca pude entender o fato de chorarem e lamentarem TODAS as mortes indistintamente. Se todos têm que morrer um dia, se a morte é finalização natural e inevitável da vida, sempre escapou à minha compreensão o fato de todos se nivelarem todos na mesma dor, moços e velhos, heróis e covardes, talentos e medíocres, gente que contribuiu para o progresso e a dignificação da humanidade e gente que não fez outra coisa senão explorá-la.

A vida é que classifica os homens e a morte, sendo inevitável, não pode ser mais do que um julgamento, um encontro de deve e haver. Se os canalhas também morrem, porque consagrá-los com as mesmas lágrimas que destinam e que não tiveram medo da vida, e deram a ela todo o seu desprendimento e toda sua grandeza?

É digna de meditação e confissão de Humberto de Campos que quando tinha cinco anos de idade, compareceu orgulhosamente diante de outros meninos de rua porque era o avô dele que estava morto, e não o avô dos outros... O famoso escritor já tinha a intuição de que a morte era um julgamento, e que influencia-lo estava acima de suas forças, Não podendo influenciá-lo  comemorava-o...

Nestes dias mesmo, ocorreram algumas mortes sentidas e lamentadas, umas pela saudade antecipada que provocaram; outras porque cortaram inesperadamente uma obra interminada: outras porque morriam e cumpriam integralmente o seu dever, e se despediam da vida, levando a admiração e o respeito dos que aqui ficavam. Foi assim com Fontenelle, com Ribeiro da Costa, com Vivien Leihg, com o cego Aderaldo.

Com a morte de Castelo Branco (acontecida ontem num desastre em Mecejana), a humanidade perdeu pouca coisa, ou melhor: não perdeu coisa alguma. Com o ex-presidente desapareceu um homem frio, impiedoso frio, implacável, desumano, calculista, ressentido, cruel, frustrado, sem grandeza, sem nobreza, seco por dentro e por fora, com um coração que era um verdadeiro deserto do Saara.

Incapaz para as grandes admirações, incapaz de enxergar a beleza da vida, incapaz de perceber que a vida não é um desfile de misérias e crueldade diante da qual êle se mantinha indiferente) e que precisamente os homens que se rebelaram contra esse estado de coisas é se exaltam em acima da pequenez comum, o sr. Humberto de Castelo Branco, fez do exercício do Poder uma coisa humilhante e pouco edificante, morrendo sem seguidores e sem admiradores, e até sem amigos, íntimos ou não.

Na sua concepção de vida, o sr. Castelo Branco cometeu um erro fatal, um erro que estava visceralmente dentro dele. Ele pensou que a arrogância, a prepotência e a presunção é que elevavam os homens no conceito geral, quando a classificação é inteiramente diferente, feita de forma invisível, mas rigorosamente infalível. É a própria grandeza de cada um, ou a própria mesquinhez que lhes garante um lugar num lado ou no outro. E o sr. Humberto de Alencar Castelo Branco,. Era inapelavelmente na vida, e será sempre, depois da morte, um homem mesquinho e sem grandeza.

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A morte do Sr. Humberto de Castelo Branco (Parte final)
*Matéria publicada na edição nº 5.321 - Tribuna da Imprensa em 19.07.1967

Parte final

FELIZMENTE (e a apreciação nem é original) é a vida que revela as eminências. A morte apenas nivela os homens colocando a todos, sem apelação, dentro da mesma realidade. É só a dimensão da história que enterra alguns, mantendo-os, pela eternidade, coisa que evidentemente não acontecerá com Castelo Branco, que, em termos de grandeza Histórica, devia ter uns 50 centímetros de altura. Ou menos ainda.

A vida do ex-presidente é a sua verdadeira condenação. Para mostrar a sua pequena estatura, não é preciso carregar nas tintas. Basta mostrá-lo como ele realmente foi, dizer o que realmente ele não fez, as chances que teve e desperdiçou, o Poder que usou para perseguições e para a mesquinhez. O que poderia ter feito para seu povo, pela sua Pátria, pela sua gente. Não vamos canonizá-lo, ou deixá-lo que se transforme em herói, apenas porque um avião se chocou com outro e ele desapareceu de cena, inesperadamente, antes de ser colhido pelo desprezo geral.

Se a morte (qualquer que fosse ela) pudesse purificar os que viveram apenas na satisfação dos seus próprios sentimentos mais mesquinhos, então a vida deixaria de ter significação, e mundo mereceria o caos e a barbárie ultrapassados precisamente por causa da grandeza e do heroísmo de alguns poucos.

SE TIVESSEMOS que por a margem, todas as conquistas da humanidade, conquistas obtidas através de personagens que se elevaram acima de si mesmo, superando as suas fragilidades congênitas ou adquiridas, e fossemos exaltar aqueles que negaram tudo isso, apenas porque morreram num desastre, mais ou menos dramático, então a vida não teria mais razão de ser, e até poderiamos criar um corpo de carpideiras profissionais (pagos pelos cofres públicos), encarregadas de chorar, na mesma intensidade e o mesmo tom, por todos os mortos da vida pública.

A VIDA deu ao Sr. Humberto Alencar de Castelo Branco muito mais do que ele merecia. Deu em vida o Poder que ele desbaratou, e usou precisamente para humilhar, escravizar ou perseguir, e para o qual estava despreparado. E na morte, deu-lhe um final inteiramente inesperado, porque o que Castelo Branco merecia era ter morrido, numa cama confortável, com as janelas fechadas, sem uma só estrela no céu e sem ninguém que colocasse uma flor entre as mãos ou uma palavra de arrependimento nos lábios.

NÃO CHOREI a morte de Ribeiro da Costa ou do coronel Fontenelle porque ambos cumpriram integralmente o seu destino na vida, e não se chora os homens realizados, que viverão sempre na nossa saudade. Não choro a morte de Castelo Branco porque não se iguala na morte a bravura e a intrepidez dos que resistiram sempre a tudo com a insensibilidade dos que sempre traíram a História dos povos e da própria humanidade.
CASTELO Branco, na sua longa vida nunca amou, nem foi amado. 

Como amar um homem assim cuja morte só desperta indiferença, cuja vida foi um ato deliberado de desconfiança e malquerença, sem nenhum desprendimento, sem nenhum gesto de coragem, sem um aceno de emoção, sem um momento de grandeza, sem um instante de piedade, de recolhimento ou de humildade?


NA POBRE campa que há de cobrir os tristes restos mortais de Humberto de Castelo Branco, e onde ele dormirá o sono eterno dos injustos, não haverá lugar sequer para um epitáfio. A não ser que num assomo de sinceridade se pudesse escrever no mármore frio: “Aqui jaz quem tanto desprezou a humanidade, e acabou desprezado por ela