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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Política Nacional de Atenção Básica: Tripartite colocará revisão da PNAB em consulta pública

Quinta, 27 de julho de 2017

Da Abrasco
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Em reunião realizada em Brasília na manhã desta quinta-feira, 27, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) iniciou o processo de revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), apresentando de maneira superficial mudanças que podem levar a desestruturação do trabalho quase vinte anos da implementação da Atenção Primária em Saúde no país e remetendo o texto da minuta para consulta pública na plataforma FormSUS. A sessão foi transmitida pela internet em tempo real pelo portal DataSUS.
A apresentação coube a Allan Nuno Alves de Sousa, diretor do Departamento de Atenção Básica (DAB). Dos argumentos que justificaram a revisão, ele destacou a necessidade de se seguir o ciclo de cinco anos para revisão da PNAB; proposições da 15ª Conferência Nacional de Saúde e os resultados dos dois ciclos completos do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Acesse aqui a minuta produzida pelo Grupo de Trabalho da CIT. 
As incongruências começaram a ficar expostas quando foram abordados os objetivos. Apesar de, na apresentação ter afirmado que a Estratégia Saúde da Família (ESF) segue como prioritária, o diretor do DAB declarou que a revisão quer abrir a possibilidade para instituir equipes de Atenção Básica desvinculadas da ESF. “Seja qual for o desenho, a Atenção Básica tem de dar conta das demandas da população”, ressaltou Alan Nuno.
Entre os elementos de composição da revisão foram destacados ainda a integração dos trabalhos dos agentes comunitários de saúde com os agentes de vigilância; absorção dos novos desenhos de equipes de AB pelo Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), com possibilidade de atendimento direto à população; inclusão dos gerentes de AB para qualificação do processo de trabalho; utilização de ferramentas como o Telessaúde e protocolos para mecanismos de microrregulação da AB com a Atenção Especializada; ampliação do escopo mínimo de procedimentos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Na sequência, Mauro Junqueira, presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), ressaltou que “as políticas devem ser vivas” e dedicou sua fala às mudanças propostas no trabalho dos agentes de saúde, unificando ações de vigilância, monitoramento e assistência direta. “Essa proposta valoriza o agente de saúde, que tem de estar preparado para responder as necessidades da população, da orientação do cartão de vacinas; conferência de pressão; aplicação de injeção. Esse profissional vai ser um agente de saúde. Queremos que seja empoderado em seu trabalho, e não como está sendo debatido no Congresso Nacional. Queremos valorizar a profissão e o agente”.
Secretário de saúde do Distrito Federal, Humberto Fonseca falou que é correto reconhecer outros modelos, mas frisou que o modelo deve continuar a ser a ESF. Elogiou também a unificação das ações de” vigilância com AB. “Importante para aproveitarmos melhor os recursos humanos, tendo de se guiar pelos mesmos princípios, respeitando os arranjos loco-regionais, a participação popular e a autonomia dos gestores”. Por um pedido do controle social, Fonseca recomendou que o texto seja submetido à consulta pública nos meios oficiais do Ministério.
Ricardo Barros encerrou o ponto de pauta, dizendo que a revisão da PNAB, junto com o prontuário eletrônico e o novo desenho das Redes de Assistência (RAS), “mudará completamente a saúde do Brasil”, e acatou a submissão do texto da minuta na plataforma do DataSUS. Não ficaram definidos prazos para a submissão da minuta durante o ponto da pauta na reunião da CIT.
Posição Abrasco, Cebes e ENSP/Fiocruz: Em nota pública emitida hoje, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) e a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) apresentam os argumentos que justificam a discordância com qualquer tentativa de revisão da PNAB, justamente no momento de ataque aos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, e que pode vir a trazer modelos simplistas e reducionistas da APS hoje desenvolvida no país. Clique e acesse a nota.

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Ou leia a nota transcrita abaixo:

Contra a reformulação da PNAB – nota sobre a revisão da Política Nacional de Atenção Básica

A Abrasco, o Cebes e a ENSP se manifestam contra a revisão da Política Nacional de Atenção Básica – PNAB que pode ser aprovada ainda hoje, durante a 7ª Reunião Extraordinária da Comissão Intergestores Tripartite – CIT, uma instância de articulação e pactuação na esfera federal que atua na direção nacional do SUS, integrada por gestores do SUS das três esferas de governo – União, estados, DF e municípios. Tem composição paritária formada por 15 membros, sendo cinco indicados pelo Ministério da Saúde (MS), cinco pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass) e cinco pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). A representação de estados e municípios nessa Comissão é regional, sendo um representante para cada uma das cinco regiões no País. Nesse espaço, as decisões são tomadas por consenso e não por votação. A CIT está vinculada à direção nacional do SUS.
As atuais ameaças aos princípios e diretrizes do SUS de universalidade, integralidade, equidade e participação social parecem não ter fim.
Não bastasse o estado de sítio fiscal imposto por um governo ilegítimo e golpista com a promulgação da EC 95 que fere de morte o SUS ao agravar o subfinanciamento crônico, reduzindo progressivamente seus recursos por 20 anos, agora nos defrontamos com uma proposta de reformulação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).
Causa imensa preocupação a proposição de uma reformulação da PNAB num momento de ataque aos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. A revisão das diretrizes para a organização da Atenção Básica proposta pelo Ministério da Saúde revoga a prioridade do modelo assistencial da Estratégia Saúde da Família no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Embora a minuta da PNAB afirme a Saúde da Família estratégia prioritária para expansão e consolidação da Atenção Básica, o texto na prática rompe com sua centralidade na organização do SUS, instituindo financiamento específico para quaisquer outros modelos na atenção básica (para além daquelas populações específicas já definidas na atual PNAB como ribeirinhas, população de rua) que não contemplam a composição de equipes multiprofissionais com a presença de agentes comunitários de saúde. Esta decisão abre a possibilidade de organizar a AB com base em princípios opostos aos da Atenção Primária em Saúde estabelecidos em Alma-Ata e adotados no SUS.
O sucesso da expansão da atenção básica no país nos últimos anos e seus efeitos positivos no acesso a serviços de saúde e na saúde da população decorre da continuidade da indução financeira da Estratégia Saúde da Familia sustentada ao longo do tempo e reforçada nos últimos três anos com o Programa Mais Médicos. Resultados de pesquisas evidenciaram, sistematicamente, a superioridade do modelo assistencial da Saúde da Família quando comparado ao modelo tradicional. Sua maior capacidade de efetivação dos atributos da atenção primária integral produz impacto positivo sobre a saúde da população, com redução da mortalidade infantil, cardiológicas e cerebrovascular e das internações por condições sensíveis à atenção primária. Ao financiar com PAB variável a atenção básica tradicional, a proposta de reformulação da PNAB ameaça estes sucessos. Além de abolir na prática a prioridade da ESF, em um contexto de retração do financiamento e sem perspectivas de recursos adicionais, é muito plausível estimar que o financiamento destas novas configurações de atenção básica será desviado da Estratégia Saúde da Família.
A esta reformulação somam-se outras questões críticas do financiamento da atenção básica decorrentes do fim dos blocos de financiamento do SUS. Esta decisão penaliza a capacidade de indução do SUS em favor da Saúde da Família e da Atenção Básica, não garantindo sua prioridade nos governos municipais. Nossa crítica não contradiz a necessária adequação da rede básica de saúde às especificidades loco regionais, que devem ser financiadas mediante um aumento considerável do PAB fixo, cujo valor médio nacional de R$24,00 per capita ao ano é quase irrisório, estando muito defasado frente aos custos de manutenção e desenvolvimento dos serviços necessários para responder às necessidades de saúde da população. Urge majorar o PAB fixo para ampliar capacidades e autonomia das secretarias municipais de saúde, mantendo a prioridade à Saúde da Família.
A reformulação proposta também ameaça a presença do Agente Comunitário de Saúde como integrante e profissional da atenção básica. Com a expansão da Saúde da Família com cobertura de territórios em áreas urbanas de diferentes estratos socioeconômicos faz-se necessário fortalecer o papel do ACS, redefinindo e qualificando sua intervenção na comunidade como agente de saúde coletiva, elo entre o serviço de saúde e a população. O ACS conhece e reconhece as necessidades populacionais do território e devem ser contemplados com estratégias de educação permanente que apoiem seu trabalho de promotor da saúde, atuando na mobilização social para enfrentamento dos determinantes sociais e em ações estratégicas frente aos problemas de saúde da população.

Preocupante também é a implantação de modo simplificado, ou reducionista, de uma “relação nacional de ações e serviços essenciais e estratégicos da AB”. A ferramenta pode contribuir para a garantia de padrões essenciais mínimos mais qualificados e uniformes em todas as unidades básicas de saúde do país e mesmo de padrões estratégicos mais avançados de acesso e qualidade. Entretanto, cabe alertar que este dispositivo também denominado “carteira de serviços” ou “cesta de serviços” tem sido utilizado para definir oferta seletiva de procedimentos acoplada à implementação de seguros focalizados, em resposta simplificada às demandas de cobertura universal das agências internacionais. No Brasil, este instrumento poderá comprometer a integralidade da AB e do SUS se não houver um compromisso explícito de gestores e profissionais de saúde com oferta ampla e de qualidade das ações, conforme as necessidades de saúde da população.

Contra a reformulação da PNAB. Nenhum direito a menos! Em defesa do SUS público universal de qualidade e pela revogação da EC 95.
27 de julho de 2017
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP/Fiocruz