Decididamente, a ação política de cada cidadão,individual e coletivamente, precisa ir além, muito além, da persecução penal e da execração, inclusive eleitoral, dos transgressores instalados em postos de poder
*Aldemario
Araujo Castro
Brasília, 6 de julho de 2017
“O
ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal STF), autorizou o senador até então afastado Aécio Neves (PSDB-MG) a
retomar seu mandato parlamentar. Aécio foi
afastado no dia 18 de maio por
autorização do ministro Edson Fachin, que na época era o relator do inquérito, a pedido do procurador-geral da República,
Rodrigo Janot. A decisão tem efeito imediato. Neste caso, na próxima semana, o parlamentar
tucano já poderá voltar a frequentar as dependências do Senado, bem como exercer
seu cargo político tranquilamente” (http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/marco-aurelio-autoriza-aecio-a-voltar-ao-senado-e-retomar-mandato-parlamentar-suspenso-por-fachin).
“Relator
da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin concedeu prisão domiciliar ao ex-deputado
Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), aliado do
presidente Michel Temer e, como o cacique
peemedebista, alvo de denúncia por corrupção ativa sob análise na Câmara. O despacho foi tornado público na
tarde desta sexta-feira (30), no mesmo
dia em que o ministro Marco Aurélio Mello, presidente
da Primeira Turma do STF, decidiu autorizar a retomada das funções parlamentares a Aécio Neves (PSDB-MG), que
estava afastado do mandato no Senado desde
18 de maio”
Essas
duas decisões monocráticas adotadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal provocaram (e provocam) inúmeras e raivosas
reações. As redes sociais, em particular,
entraram em polvorosa. Frases como estas
foram postadas: “todos são iguais”, “está tudo perdido”, “tá tudo dominado”, “vamos embora do País”, “acabou tudo”,
“o Brasil não tem jeito”, “não tem
solução”, “isso é o Brasil, sem justiça”, “soltem os ladrões comuns” e “vendidos”.
Não
farei nenhuma análise ou crítica acerca das decisões específicas. Entretanto, duas ordens de considerações mais gerais
precisam ser realizadas. A primeira, diz
respeito aos limites das decisões
judiciais, notadamente criminais, como caminho para o equacionamento dos graves e profundos problemas
brasileiros, em especial no campo da
corrupção e da malversação da coisa pública. A segunda, está relacionada com a tentativa de esboçar a natureza das
providências, difíceis e demoradas, para
que o caminho de superação de nossas mais tristes
mazelas institucionais seja percorrido.
O
direito, as providências jurídicas e as decisões judiciais, particularmente no campo penal, são expedientes claramente
limitados para o fim de transformar radicalmente
a realidade brasileira. Afinal, as
condenações definitivas alcançam uma minoria de casos de malversações realizadas. Reclamam, para sua
implementação, procedimentos relativamente
demorados e trabalhosos. Não é possível, nem aceitável, a supressão de direitos relacionados com o contraditório
e a ampla defesa.
As
restrições cautelares, relacionadas com prisões provisórias, preventivas e outras providências, envolvem dificuldades maiores ainda,
basicamente em função da presunção de inocência
inscrita como direito fundamental na
Constituição. Assim, em razão das complexas circunstâncias de cada caso, das várias possibilidades de construção de
convicções judiciais e mesmo de interesses
políticos, são esperadas idas e vindas em
definições judiciais que impõem limitações aos mais vis agentes políticos, como nos recentes episódios de Aécio
e Loures. Deve ser registrado que no
último dia 3 de julho, o ex-ministro Geddel Vieira Lima, referido como partícipe de longa data, no grupo
palaciano, de negociatas de toda ordem,
foi preso de forma cautelar.
É certo
que pode e deve ser empreendido um esforço no campo das reflexões jurídicas para, resguardados os direitos fundamentais,
viabilizar ferramentas mais eficientes de
combate à criminalidade generalizada
instalada nas mais altas esferas de condução do Poder Público. A criminalidade organizada e sistêmica solapa
o Estado Democrático de Direito e o
próprio exercício dos direitos fundamentais por milhões de cidadãos. Assim, na atual sociedade complexa e plural não
é possível, para casos de criminalidade com
amplos efeitos sociais, adotar critérios
interpretativos individuais, excessivamente formais, insatisfatórios e ineficientes para a legislação de
combate à delinquência
institucionalizada. Existem situações marcadas pela prática reiterada, pelo acusado, continuada ao longo de
considerável lapso temporal, de uma
variedade grande e articulada de ilícitos de extrema gravidade. Um meliante profissional, com fortíssimos
indícios e provas já postas, da prática
permanente de formação de quadrilha, coação de testemunhas, destruição de provas, corrupção passiva ou lavagem de
dinheiro é um atentado ambulante à ordem
pública, à instrução criminal e à
aplicação da lei penal. Assim, a prisão preventiva na modalidade de “garantia da ordem pública”, como meio de coartar a
prática delituosa contumaz, estará bem
assentada no art. 312 do Código de Processo Penal e na jurisprudência mais moderna (HC/STJ n. 332.586 e
HC/STF n. 95.024, por exemplo).
Ocorre
que mudar os rumos da perversa realidade brasileira, mesmo no campo mais restrito das questões políticas, não passa fundamentalmente por decisões de cunho jurídico-penal.
Essas manifestações serão importantes
ações acessórias. Relevantes, com maior ou
menor peso, dependente do caso e do momento, mas evidentemente secundárias. Com efeito, condenações judiciais são
medidas adotadas para punir
transgressões. Portanto, os malfeitos já aconteceram. As causas das disfunções não são propriamente atacadas quando
proferidas condenações penais provisórias
ou definitivas. Isso aponta para uma necessária
mudança de foco. Precisamos apostar em evitar as irregularidades (evitar que o leite seja derramado). A maior parte da
energia social e institucional não deve estar
voltada para a punição (limpar a sujeira
produzida pela queda e quebra dos pratos, vasilhas e copos).
O campo
fértil das ações institucionais preventivas reclama cuidadosa atenção por parte da sociedade civil organizada. O atual
atoleiro moral, político e administrativo não
será superado com uma sucessão de
operações policiais e ações jurídico-penais. Precisamos apostar, com ênfase e forte apoio popular-social, numa
combinação de providências que contemple,
entre outras: a) uma profunda e democrática reforma político-partidária (sem financiamento empresarial de campanhas,
com revogação de mandatos, com eliminação de
coligações partidárias proporcionais,
entre outras medidas nessa linha); b) fortalecimento efetivo, inclusive com ampla autonomia organizacional
e independência funcional, dos órgãos e
agentes dos controles interno e externo da Administração
Pública (como a Advocacia Pública, os Tribunais de Contas, as Polícias Judiciárias, etc); c) profissionalização
radical da Administração Pública (com a
supressão de cadeias de comando e obediência
baseadas em cargos comissionados de livre nomeação e exoneração); d) adoção ampla do orçamento impositivo
(eliminando barganhas relacionadas com
liberação de verbas pelos Executivos); e) controle
social generalizado sobre as várias ações do Estado (inclusive para garantir a prestação eficiente dos serviços
públicos); f) democratização dos meios de
comunicação (com garantia de pluralidade de ideias e concepções, sem interferências da “redação para dentro”) e g)
revisão criteriosa da escolha de membros dos
Tribunais, inclusive de Contas
(eliminando quaisquer resquícios de negociações em torno de interesses menores). Não se trata, é fundamental
destacar, de resolução dos graves
problemas nacionais a partir de uma cruzada ética de banimento dos degenerados, de conversão dos caídos ou
de unção dos puros e limpos. Sem
identificação das causas dos males e atuação efetiva sobre essas últimas será impraticável qualquer avanço
significativo e consistente.
Destaque-se
que o caminho para a solução dos principais problemas
brasileiros não passa por “salvadores da pátria” (como um Lula, que se revelou um traidor dos interesses
populares mais legítimos por suas
práticas e alianças políticas ou algum “apolítico” de fachada, na linha do presidente Trump), produtos de marketing
político-eleitoral (como foi Collor no
passado ou Dória no presente) ou aprendizes de ditadores (como o caricato Jair Bolsonaro). Somente a mobilização e
conscientização populares, em torno de
medidas efetivamente transformadoras,
resgatará o Brasil. O princípio ativo das mudanças de fundo, sem prejuízo de combativos e comprometidos
representantes e lideranças políticas
como seus instrumentos, deve estar centrada na cidadania ativa, no protagonismo da atuação de cada cidadão nos mais
variados espaços sociais.
Na arena
da grande política institucional de âmbito nacional, é
preciso identificar a ligação entre interesses socioeconômicos, medidas transformadoras da realidade numa perspectiva
democrática e popular e a atuação política
voltada para implementar essas últimas.
Decididamente, a ação política de cada cidadão, individual e coletivamente, precisa ir além, muito além, da persecução
penal e da execração, inclusive eleitoral, dos
transgressores instalados em postos de
poder.
*Aldemario Araujo Castro é advogado, Mestre em Direito, procurador da Fazenda Nacional, professor da Universidade Católica de Brasília
Brasília, 6 de julho de 2017
-->