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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Torturas, maus-tratos, mortes em hospitais psiquiátricos e abrigos. Até quando?

Quinta, 27 de julho de 2017
Da Abrasco
Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Com quase 18 anos do caso de Damião Ximenes, em Sobral (CE), relatos, registros e fatos sobre maus-tratos, violência e morte em hospitais psiquiátricos e casas de repouso no Brasil assombram a população brasileira. O mais recente, ocorrido no dia 13 de julho, envolveu o músico Mário Travassos, filho de Luiz Eduardo Travassos, que já foi vice-prefeito de Niterói-RJ. Mário foi internado no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, com sintomas de ansiedade. Do hospital, os médicos acharam melhor que ele fosse transferido para outra unidade. Ele foi para a Clínica da Gávea, na Zona Sul do Rio, mas, no dia seguinte, ele morreu. O caso do músico, segundo Paulo Amarante, coordenador do GT Saúde Mental da Abrasco, é bem parecido com o de Damião Ximenes.

“Este caso é o primeiro caso brasileiro a ser julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). A clínica, chamada Casa de Repouso Guararapes, era credenciada ao Sistema Único de Saúde (SUS). No final, a Corte determinou que o Brasil deveria reparar moralmente e materialmente a família Ximenes, através do pagamento de uma indenização e outras medidas não pecuniárias. Dentre elas, o Brasil foi instado a investigar e identificar os culpados da morte de Damião em tempo razoável e também promover programas de formação e capacitação para profissionais de saúde, especialmente médicos psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, bem como para todas as pessoas vinculadas ao campo da saúde mental”, conta Amarante.
Mas esses não são casos isolados. Sob investigação há 6 anos, abrigo da Missão Belém, que funciona, na prática, como comunidade terapêutica, a 76 km de SP, teve registradas 14 mortes em um mês em 2017. O abrigo recebe usuários de drogas e moradores de rua em Jarinu, no interior paulista, e nove das 14 vítimas apresentavam quadros de diarreia e vômito, acompanhados de desnutrição, desidratação ou intoxicação alimentar. Outros 19 foram internados com esses sintomas, mas sobreviveram. A primeira das 14 mortes aconteceu no dia 18 de junho. Três dias depois, mais um óbito foi registrado. Nas semanas seguintes, casos do tipo aumentaram. Do dia 3 de julho até o dia 18, o Hospital de Clínicas de Campo Limpo Paulista, município vizinho de Jarinu, recebeu 25 internos da Missão Belém, dos quais 6 morreram. Desde 2011, a Missão Belém é alvo de investigação do Ministério Público e da Prefeitura de Jarinu.
Paulo Amarante também lembra do vídeo disponível no Youtube, que mostram pacientes do Hospital de Custódia do ES (HCTP) sendo torturados. O vídeo mostra pacientes com doenças mentais acorrentados em celas pequenas, escuras e sem condições de higiene, gravado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HTCP), em Cariacica (ES). A violência foi denunciada pela Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Seccional Espírito Santo (OAB-ES) ao Ministério Público e Polícia Civil.
Veja o vídeo

Segundo a denúncia, a cela onde os pacientes aparecem no vídeo é denominada “enfermaria de apoio”. Este seria o local para onde internos em surto e com comportamento agressivo seriam levados até que se acalmassem. O vídeo da denúncia teria sido gravado por um dos funcionários do hospital. Para Paulo Amarante, é um absurdo que casos como este ainda continuem acontecendo no Brasil.
Martinho Braga Batista e Silva, presidente da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco disse que no caso Ximenes, a ausência de resposta alimentou a suspeita de que o país tinha responsabilidade por violação de direitos humanos na morte de Damião Ximenes. Em 2005, aconteceu o julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos e este mesmo tribunal internacional condenou o Brasil por violação de direitos humanos em 2006. “Existem muitas outras versões sobre essa condenação. Apresento apenas uma delas, que sublinha também a denúncia e a indenização. Há versões, por exemplo, que acentuam mais ainda a participação dos órgãos de proteção aos direitos humanos neste processo de âmbito internacional, outras dos órgãos de saúde e particularmente de saúde mental, outras ainda de certos atores institucionais. A minha versão leva em conta relações de conflito e formas de gestão da loucura no espaço urbano e doméstico, ou seja, a passagem entre o confinamento asilar, a convivência nos CAPS e o cárcere privado. Desde a defesa da tese de doutorado em 2011 tenho acompanhado razoavelmente os efeitos da condenação. O Brasil continua sendo condenado por violação de direitos humanos. Houve outras três condenações além do Caso Damião Ximenes. Continuam chegando denúncias ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, mas a grande maioria deles não chega a virar um caso, quanto mais resultar em condenação”, ressaltou Martinho.