Terça, 29 de agosto de 2017
O número de atendimentos nas UPAs caiu 29,4% entre 2015 e o ano passado.
Por OTÁVIO AUGUSTO-Correio Braziliense/Antonio Cunha/CB/D.A Press
Blog do Sombra
Alene cobrou atendimento ao pai na UPA de Ceilândia: frustração
Falta de recursos e de funcionários resulta na ineficiência dos
atendimentos nas unidades de pronto atendimento do Distrito Federal. A
média mensal de assistência é de 3,7 mil, uma defasagem de 45% em
relação à regulamentação estipulada pelo Ministério da Saúde
O pedreiro José Hermes, 76 anos, não conseguiu que um médico da UPA de
Sobradinho examinasse o joelho e o tornozelo direitos dele, mesmo após
13 horas de espera: "Falta de compaixão"
Pacientes estão deitados no chão e um princípio de confusão começa na
recepção da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Ceilândia. Aos
gritos, uma mulher cobra atendimento para o pai desmaiado e amparado por
outros doentes. Apenas um médico faz o atendimento no local. Ele
prioriza os casos mais críticos na sala vermelha, espaço de cuidados
intensivos. O vigilante intervém. As vozes se calam, quando o segurança,
com certa grosseria, explica o problema. “Não adianta brigar. Tem só um
médico. É impossível receber novos atendimentos”, sentencia. Cerca de
150 pessoas aguardam a sua vez.
A cena não é exclusividade da UPA de Ceilândia. Os problemas e as
histórias de frustrações se repetem em todas as seis unidades de pronto
atendimento da capital federal. O Correio percorreu 202km para traçar o
panorama do serviço. A reportagem acompanhou o drama de pacientes que
perambulam em busca de assistência. As estatísticas oficiais evidenciam o
problema. As seis unidades deveriam fazer 6,7 mil atendimentos mensais,
segundo regulamentação do Ministério da Saúde. Contudo, a média é de
3,7 mil, de acordo com cálculo da Secretaria de Saúde — defasagem de
45%.
Deitado em um amontoado de cadeiras, o pedreiro José Hermes Brito, 76
anos, esperava por um médico havia 13 horas. Após uma queda, o joelho e o
tornozelo direitos ficaram comprometidos. Passava das 20h da última
quarta-feira, quando o idoso tentava atendimento na UPA de Sobradinho.
“O que deixa a gente revoltado é a falta de compaixão. Se explicassem
onde há atendimento, a sensação de abandono seria menor, mas nem água
aqui tem”, reclamou José. A recepcionista responsável pela organização
dos atendimentos disse que, naquele dia, só pacientes graves foram
admitidos. José desistiu de esperar. Amparado em uma bengala
improvisada, deixou o local por volta das 21h30, com a ajuda de outra
paciente também não atendida.
O desmonte é tanto que, em Samambaia, no Recanto da Emas e no Núcleo
Bandeirante, parece que o serviço deixou de funcionar. Em Samambaia, as
portas da unidade estavam semiabertas. Lá, a reportagem encontrou o
jardineiro Josenaldo de Almeida Cortes, 44. Com dores musculares e nas
costas, ele sequer entrou na UPA. A funcionária da recepção disse que
era melhor nem esperar. Ele tomou um ônibus e, 12km adiante, no Recanto
das Emas, também não recebeu atenção. “Há duas semanas, eu procuro
hospitais, postos de saúde e UPAs. Em todos os locais, a situação é a
mesma”, queixou-se.
Recursos em baixa
A dificuldade de atendimento é reflexo do esvaziamento das UPAs. A
Secretaria de Saúde reduziu a quantidade de médicos nesses locais para
fortalecer o programa Saúde da Família. Na escala em que deveria haver
nove profissionais, apenas quatro fazem o serviço, como o Correio
mostrou no início do mês. Em muitas situações, os médicos faltam ou
apresentam atestados. Com as falhas, o Ministério da Saúde cortou
aportes financeiros. Se, antes, o Palácio do Buriti embolsava R$ 1
milhão por mês para a manutenção de quatro UPAs — outras duas estão com o
processo suspenso —, agora, o recurso cairá pela metade: R$ 475 mil. Em
um ano, as perdas chegam a R$ 6 milhões.
A mulher que gritava na UPA de Ceilândia, destaque no início da
reportagem, é a analista de contas Alene Lacerda, 34. O senhor que
desmaiou é o pai dela, de 64 anos. “Falta compaixão das autoridades
públicas”, lamentou, ainda muito nervosa. O pai dela foi estabilizado,
mas não teve o caso solucionado. A dura rotina imposta aos pacientes
causa revolta. Cansada, a monitora Josilda Henrique Barbosa, 41, esperou
mais de 10 horas para se encontrar com um médico. “As pessoas morrem
aqui, e ninguém se preocupa com isso”, ressaltou a moradora da Chácara
51 do Sol Nascente ao ir embora sem ter a suposta pneumonia avaliada.
A ineficiência em números
O número de atendimentos nas UPAs caiu 29,4% entre 2015 e o ano passado.
Passou de 416.321, há dois anos, para 293.872, em 2016.
A média de atendimento
mensal das UPAs, em 2017, é de
3,7 mil pacientes
O mínimo de atendimento recomendado pelo Ministério
da Saúde é de 6,7 mil
Quando funcionavam com mais médicos, a quantidade chegou
a 9,7 mil por mês
Reforço com hora extra
O secretário adjunto de Assistência à Saúde, Daniel Seabra, explica que
só há uma alternativa: reforçar o quadro de servidores. O Correio
apurou que há um estudo pronto para o redimensionamento de profissionais
para as UPAs, baseado em pagamento de horas extras. Contudo, a pasta
não tem orçamento. Se implementado, o funcionário que presta 20h poderia
trabalhar até 40h.
Daniel admite que a medida custa caro. “Cada aumento na carga horária
gera impacto aos cofres”, resumiu. Ele reconhece, ainda, que há plantões
nas UPA com um médico. “Todas foram abertas com mão de obra temporária.
Não há condições de contratar profissionais.” Apesar disso, Daniel
destaca a ampliação do Saúde da Família como opção de atendimento. “Se a
pessoa aguarda muito tempo, significa que a urgência não é tão grande.
Ela poderia ser atendida nas unidades básicas”, ressaltou.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
"Serviço capenga"
“Pense na questão das UPAs como uma casa. Construíram o alicerce e
partiram para fazer o teto. Esqueceram-se de estruturar, de construir as
paredes que sustentariam o serviço. Para atender 24 horas por dia é
preciso investimento em estrutura. É necessário estar preparado para
atender o volume grande de gente e com celeridade. O que acontece hoje é
que as UPAs não fazem o papel de emergência nem ambulatorial. É muita
gente procurando um serviço capenga. A solução é reestruturar a demanda e
as equipes que estão incompletas. A expansão das UPAs foi muito
aceleradas. Investir no Saúde da Família é importante, mas não pode
deixar o resto da estratégia enfraquecido. O sistema tem de ser pensado
como um todo. A UPA é uma ponte essencial para o funcionamento de toda a
rede.”
Flávio Goulart, médico integrante do Observatório da Saúde do DF