Quinta, 24 de agosto de 2017
Presidente do TSE, ministro tem sido o centro de polêmicas por conta da conduta no judiciário
JC online // Blog do Sombra
Em carta aberta, publicada na tarde desta quinta-feira (24), e enviada
aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a Associação Nacional
dos Procuradores da República (ANPR) criticou a conduta do ministro
Gilmar Mendes e pediu que o Tribunal aja corrigir e conter as ações e o
comportamento do magistrado.
Mendes, tratando-se de polêmicas mais recentes, voltou a ser alvo de
reclamações por conta da concessão de habeas corpus a presos no âmbito
da Lava Jato no Rio de Janeiro. Padrinho de casamento da filha de um
beneficiados com a decisão, o ministro passou a ter as suas ações
descreditadas de isenção.
Carta Aberta da ANPR aos ministros do STF
Excelentíssimos Senhores Ministros,
Em nossa língua pátria, "supremo" é o que está acima de todos os
demais. É o grau máximo. Em nossa Constituição, evidentemente não por
acaso, a Corte que Vossas Excelências compõem é a cúpula do Poder
Judiciário. É a responsável, portanto, por dizer por último e em
definitivo o direito. Seus componentes - Vossas Excelências - estão
acima de corregedorias, e respondem apenas a suas consciências. E assim
tem de ser, em verdade, posto nosso sistema jurídico.
Isto traz, todavia, permitam-nos dizer, enorme responsabilidade, pois
nos atos, nas decisões, no comportamento e nos exemplos, Vossas
Excelências são e têm de ser fator de estabilidade. Vossas Excelências
são, em larga medida, a imagem e a pedra em que se assenta a justiça no
País.
De outra banda, o Tribunal - em sábia construção milenar da civilização
- é sempre um coletivo. Cada um de seus componentes diz o direito, mas é
o conjunto, a Corte, que o forma e configura, pela composição e debate
de opiniões. O erro é da natureza humana. Mas espera-se - e sem duvida
nenhuma logra-se - que o conjunto de mulheres e homens acerte mais,
aproxime-se mais da Justiça. É lugar comum, portanto - e seria incabível
erro pretender argumentar isso com o STF, que tantas vezes na história
recente provou ter perfeita consciência de seu papel fundamental no
País; aqui vai o ponto apenas porque necessário para a compreensão dos
objetivos da carta - que a instituição, o Tribunal, é maior do que
qualquer de seus componentes.
Postas estas premissas, instamos a que Vossas Excelências tomem o
pedido público que se segue como um ato de respeito, pois assim o é. É
do respeito ao Supremo Tribunal Federal e do respeito por cada um de
seus componentes que exsurge a constatação de que apenas o Supremo pode
conter, pode corrigir, um Ministro da própria Corte, quando seus atos e
exemplos põem em dúvida a credibilidade de todo o Tribunal e da Justiça.
Não se pretende aqui papel de censores de Membros do Supremo. Não
existem corregedores do Supremo. Há a própria Corte. Só o próprio
Tribunal pode exercer este papel.
Excelentíssimos Ministros, não é de hoje que causa perplexidade ao País
a desenvoltura com que o Ministro Gilmar Mendes se envolve no debate
público, dos mais diversos temas, fora dos autos, fugindo, assim, do
papel e do cuidado que se espera de um Juiz, ainda que da Corte Suprema.
Salta aos olhos que, em grau e assertividade, e em quantidade de
comentários, Sua Excelência se destaca e destoa por completo do
comportamento público de qualquer de seus pares. Magistrados outros,
juízes e membros do Ministério Público, de instâncias inferiores, já
responderam a suas corregedorias por declarações não raro bem menos
assertivas do que as expostas com habitualidade por Sua Excelência. Não
existem corregedores para os Membros do Supremo. Há apenas a própria
Corte. Mas a Corte é a Justiça, e não se coaduna com qualquer silogismo
razoável propor que precisamente o Supremo e seus componentes estivessem
eventualmente acima das normas que regem todos os demais juízes.
Nos últimos tempos Sua Excelência, o Ministro Gilmar Mendes, parece ter
voltado a uma de suas predileções - pode-se assim afirmar, tantas foram
às vezes que assim agiu -, qual seja, atacar de forma desabrida e sem
base instituições e a membros do Poder Judiciário e do Ministério
Público, do Procurador-Geral da República a Juízes e Procuradores de
todas as instâncias.
Notas públicas diversas já foram divulgadas para desagravar as
constantes vítimas do tiroteio verbal - que comumente não parece ser
desprovido de intenções políticas - do Ministro Gilmar Mendes.
Concentremo-nos, então, na última leva de declarações rudes e injustas -
atentatórias, portanto, ao dever de urbanidade - de Sua Excelência, que
acompanham sua atuação como relator de Habeas Corpus de presos na
Operação Ponto Final, executada no Rio de Janeiro.
Relator do Caso no Supremo, o Ministro Gilmar Mendes não só se dirigiu de forma desrespeitosa ao Jui
z Federal que atua no caso, afirmando que, "em geral, é o cachorro que
abana o rabo”, como lançou injustas ofensas aos Procuradores da
República que oficiam na Lava Jato do Rio de Janeiro, a eles se
referindo como “trêfegos e barulhentos”. Na mesma toada, insinuou que a a
posição sumulada - e perfeitamente lógica - de não conhecimento de
recursos em habeas corpus quando ainda não julgado o mérito pelas
instâncias inferiores estaria sendo usada como proteção para covardia de
tomar decisões. Com esta última declaração Sua Excelência conseguiu a
proeza de lançar, de uma só vez, sombra de dúvida sobre a dignidade de
todas as instâncias inferiores e mesmo a seus colegas de Tribunal, vale
dizer, lançou-se em encontro à credibilidade de todo o Poder
Judiciário.
Estas declarações trazem desde logo um grave desgaste ao STF e à
Justiça brasileira. Nestas críticas parece ter esquecido o Ministro o
dever de imparcialidade constante nos artigos 252 e 254 do Código de
Processo Penal bem como na Convenção Americana de Direitos Humanos (art.
8º), no Pacto de Direitos Civis e Políticas e na Declaração Universal
dos Direitos do Homem.
Ademais, as declarações são absolutamente injustas.
Senhores Ministros, em nome dos Procuradores da República de todo o
Brasil reforçamos aqui o apoio aos membros da Força-Tarefa da Operação
Lava Jato no Rio de Janeiro, que realizam um trabalho grandioso no
combate à corrupção naquele Estado, que notoriamente já foi muito
vilipendiado por violentos ataques aos cofres públicos. O trabalho da
Força-Tarefa, que atua com elevada técnica, competência e esmero, já
revelou o grande esquema da atuação de organização criminosa no Estado
do Rio de Janeiro e continua obtendo resultados expressivos, com
recuperação, aos cofres públicos, de centenas de milhões de reais
desviados; bloqueio de outras centenas milhões em contas e bens
apreendidos; bem como condenações e prisões de agentes públicos e
particulares responsáveis pelo enorme prejuízo que esquema de corrupção,
peculato e lavagem de dinheiro que a criminalidade organizada estatal
causou às instituições e à população do Estado do Rio de Janeiro.
É sempre importante lembrar que, muito do que foi comprovado pela
Força-Tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro é consequência da relação
promíscua e patrimonialista de agentes públicos e empresários, que
resultaram em enorme prejuízo aos cofres públicos e a demonstração de
que para as instituições sejam republicanas e imparciais é fundamental
que não se confundam relações pessoais com as coisas públicas.
Da mesma forma, a Justiça Federal e o Juiz Federal que cuida do caso no
Rio de Janeiro têm sido exemplares em técnica, isenção, imparcialidade e
coragem, em trabalho observado e aplaudido por todo o Brasil.
Adjetivos descabidos lançados às instituições é comportamento comum em
excessos cometidos por agentes políticos que confundem o público e o
privado. Não são esperados, contudo, de um Juiz.
Um fato a mais, todavia, separa as declarações e atos do Ministro
Gilmar Mendes neste caso de outros em que se lançou a avaliações
públicas não cabíveis. Um conjunto sólido e público de circunstâncias
indica insofismavelmente a suspeição do Ministro para o caso, vale
dizer, sua atuação (insistente) na matéria retira credibilidade e põe em
dúvida a imparcialidade e a aparência de imparcialidade da Justiça.
Gilmar Mendes foi padrinho de casamento (recente) da filha de um dos
beneficiados, com a liberdade por ele concedida. Confrontado com este
fato por si só sobejamente indicativo de proximidade e suspeição, por
meio de sua assessoria o Ministro Gilmar Mendes disse que “o casamento
não durou nem seis meses”, como se o vínculo de amizade com a família,
cuja prova cabal é o convite para apadrinhar o casamento, se dissolvesse
com o fim dele. A amizade - que determina a suspeição - foi a causa do
convite, e não o contrário.
Em decorrência deste e de outros fatos - advogado em comum com o
investigado, sociedade e notórias relações comerciais do investigado com
um cunhado do Ministro, tudo isto coerente e indicativo de
proximidade e amizade - o Procurador-Geral da República, após
representação no mesmo sentido dos Procuradores da República que atuam
no caso, apresentou nesta semana pedidos de impedimento e de suspeição
do Ministro Gilmar Mendes ao STF. Conforme a arguição, há múltiplas
causas que configuram impedimento, suspeição e incompatibilidade do
ministro para atuar no processo, considerando que há entre eles vínculos
pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mínima isenção de
suas funções no processo
Já disse a Corte Europeia de Direitos Humanos que “não basta que o juiz
atue imparcialmente, mas é preciso que exista a aparência de
imparcialidade; nessa matéria inclusive as aparências têm importância.”
Viola a aparência de imparcialidade da Suprema Corte brasileira a
postura do ministro que, de um lado, e no mesmo processo, lança ofensas e
sombras sobre agentes públicos, inclusive seus colegas, ataca decisões
judiciais de que discorda, e finda por julgar pai de apadrinhado e sócio
de cunhado.
Espera-se o devido equilíbrio - e aparência de equilíbrio e de
imparcialidade, que são também essenciais - no comportamento de um Juiz,
com a responsabilidade de julgar de forma equidistante dos fatos e das
pessoas diretamente beneficiadas no caso. Da mesma forma é sempre o
caminho correto o devido respeito entre as instituições do Ministério
Público e do Poder Judiciário, e entre instâncias do próprio Poder
Judiciário.
Senhores Ministros, apenas o Supremo pode corrigir o Supremo, e apenas a
Corte pode - e deve, permitam-nos dizer - conter ação e comportamento
de Ministro seu que põe em risco a imparcialidade. Um caso que seja em
que a Justiça não restaure sua inteira imparcialidade, põe em risco a
credibilidade de todo Poder Judiciário.
Não é a primeira vez que é arguida a suspeição do Ministro Gilmar
Mendes, e mais uma vez Sua Excelência - ao menos por enquanto -
recusa-se a reconhecer ele mesmo a situação que é evidente a todos.
O exemplo e o silêncio dos demais Ministros e da Corte não são mais
suficientes. Com a devida vênia, a responsabilidade para com o Poder
Judiciário impõe enfrentar o problema.
A ação do Supremo no caso é essencial para que a imagem e a
credibilidade de todo o sistema judiciário brasileiro não saiam
indelevelmente abalados. A eventual inação, infelizmente, funcionará
como omissão.
A ANPR representa mais de 1.300 Procuradoras e Procuradores da Republica, e confia, como sempre, no Supremo Tribunal Federal.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA (ANPR)