Domingo, 27 de agosto de 2017
Em pesquisa recente, apenas 3% dos entrevistados disseram confiar muito na Presidência da República ou no Congresso
Do Blog do Sombra
Por Regis Machado*
Como é de conhecimento geral, a política brasileira quase não possui
mais legitimidade entre a população e, a passos largos, vem perdendo
cada vez mais o pouco que ainda lhe restava. Em pesquisa recente, apenas
3% dos entrevistados disseram confiar muito na Presidência da República
ou no Congresso. Os partidos políticos têm credibilidade ainda menor,
quase nula, de apenas 2%. Esses índices, lamentáveis sob qualquer ângulo
que se queira analisar, são ainda piores do que a aprovação do atual
presidente, que, em 7%, já atingiu seu menor valor em 28 anos [1].
Tamanho descrédito é consequência imediata do distanciamento existente
entre o que esperamos dos nossos governantes e parlamentares e a prática
política que vemos no mundo real, recheada de relações promíscuas com
empresários e polpudos mensalões e mensalinhos, nas diferentes esferas
de governo [2]. Mandatários cuja única preocupação é se reelegerem para
assegurarem suas “boquinhas” e benesses, mantidas às custas de uma das
mais pesadas cargas tributárias do mundo, enquanto o país enfrenta a
maior crise econômica de sua história e a população recebe em troca
serviços públicos de péssima qualidade, escolas e hospitais sucateados e
insegurança pior do que em zonas de guerra [3].
Mas, não se desespere. Como anunciava uma empresa fictícia em saudoso
programa humorístico: “Seus problemas acabaram”. Os políticos,
preocupados com o bem-estar da população e desejosos de honrarem seus
mandatos (#sqn), estão bolando no Congresso, neste exato momento, um
plano infalível para a crise. Extraído da cabeça de algum marketeiro,
tal plano certamente teria um nome bem pomposo. Algo como “Reforma
Voluptuária”. E teria tudo para dar certo. Para os políticos, claro.
Pelo Código Civil Brasileiro, benfeitorias voluptuárias são aquelas “de
mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda
que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor” (Lei 10.406/2002,
art. 96, § 1º). Ou seja, são intervenções meramente estéticas, que
apenas contribuem para embelezar o bem, não sendo necessárias e,
tampouco, nada lhe acrescentando em termos de funcionalidade ou
utilidade. No jargão popular, é o famoso “retocar a maquiagem”,
expediente do qual, ironicamente, não deve precisar muito a bela
deputada Shéridan Anchieta (PSDB-RR), autora do parecer recém aprovado
na Câmara dos Deputados, o qual prevê o fim das coligações e a
implantação gradual de uma cláusula de barreira para os partidos, já a
partir das próximas eleições [4].
A cláusula de desempenho, cujo percentual aumentaria gradativamente, de
1,5% dos votos nas eleições de 2018 a 2,5% em 2026, seria até benéfica,
por colocar necessário freio na multiplicação desenfreada de legendas
(já devem ser 37 no ano que vem, com outras 61 em processo de formação).
Infelizmente, isso não ataca a causa raiz do problema, que é a
destinação anual de bilhões de reais para os dirigentes partidários
promoverem verdadeiras farras com dinheiro público, quase sem
fiscalização por parte do TSE [5]. Igualmente inócua, no referido
parecer, é a proposta de acabar com as coligações, pois apenas as troca
por figuras chamadas “federações” e “subfederações”, as quais, na
prática, irão funcionar exatamente da mesma forma. Ou seja, é uma
reforma, como se costuma dizer, pra inglês ver.
Em suma, a brilhante ideia por trás do plano que os congressistas
querem aprovar com urgência, para já valer nas próximas eleições, é
apenas dar a impressão de que algo mudou, quando, na verdade, tudo
continuará exatamente igual, como sempre foi. Talvez saiamos até no
lucro, considerando que a intenção inicial de suas excelências, ainda
não descartada pela ala dos sem juízo, envolvia promover uma verdadeira
contrarreforma, aprovando, na contramão dos anseios populares, totais
absurdos como o voto em lista fechada, o famigerado “distritão” e o
imoral “fundão” de R$ 3,6 bilhões, um assalto extra aos cofres públicos,
um esbulho prévio perpetrado nos cidadãos pelos mesmos indivíduos que
irão lhes roubar, também, após as eleições.
Portanto, eleitor, não se deixe enganar por essas reformas de
mentirinha, que pretendem apenas trocar seis por meia dúzia. Já era
sabido que o atual Congresso, cuja maioria de seus membros têm
pendências na Justiça e estão atolados até o pescoço na Operação Lava
Jato [6], jamais mexeria nas regras do jogo em prol do Brasil, mas, sim,
de si mesmo. Uma reforma séria do sistema político-partidário-eleitoral
nunca será pautada pelos seus próprios jogadores. A remodelagem do
tabuleiro terá que ser imposta pela sociedade, a duras penas, após
intensa mobilização. Enquanto isso, o que dá pra fazer, e deve ser
feito, a começar pelas eleições de 2018, é trocar o máximo possível as
peças. Essa, sim, uma reforma indiscutivelmente necessária. E que
depende apenas de cada um de nós.
*Auditor do Tribunal de Contas da União (TCU)
.
[1]
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/06/1895770-forcas-armadas-lideram-confianca-da-populacao-congresso-tem-descredito.shtml
.
[2]
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/janot-denuncia-sarney-renan-juca-garibaldi-e-raupp,
http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/deputados-de-mt-recebiam-mensalinho-de-r-150-mil-para-nao-denunciar-desvios-do-governo-diz-silval.ghtml
.
[3]
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/brasil-e-responsavel-por-10-dos-homicidios-do-mundo-sendo-que-jovens-e-negros-foram-maiores-vitimas
.
[4]
http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/08/23/comissao-da-reforma-politica-aprova-texto-base-que-acaba-com-coligacoes.htm
.
[5]
http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2017/04/10/interna_politica,861062/partidos-apelam-a-dinheiro-publico-para-pagar-multas.shtml
.
[6]
http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2016/04/cerca-60-dos-deputados-federais-que-julgaram-dilma-tem-pendencias-na,
https://aosfatos.org/noticias/quase-metade-dos-deputados-que-prometem-rejeitar-denuncia-contra-temer-tem-pendencias-na-lava-jato