Quarta, 27 de setembro de 2017
O banco já emprestou R$ 36,4 milhões
e aceitou prorrogar cobranças, reduzir taxas e até abriu mão de ganhar
R$ 2,2 milhões de juros. O ministro nega conflitos e benefícios por
parte do banco
Por Filipe Coutinho-BuzzFeed News/Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
e Blog do Sombra
A faculdade do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,
recebeu desde 2011 cerca de R$ 36,4 milhões do Bradesco em empréstimos e
foi beneficiada com sucessivas reduções de juros e prorrogações,
incluindo deixar de pagar temporariamente parte das prestações.
As medidas foram consideradas incomuns por especialistas ouvidos pelo
BuzzFeed News. Uma das reduções de juros, sem alteração dos prazos,
representou um desconto de R$ 2,2 milhões que a empresa deixou de pagar
ao banco.
Gilmar Mendes é dono do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
As informações constam de cédulas de crédito produzidas pelo Bradesco,
registradas em cartório pelo próprio IDP e obtidas pelo BuzzFeed News.
Procurado, o ministro afirma que não há conflito de interesses e o IDP
diz que renegociações são decorrentes da redução dos juros praticados
pelo mercado financeiro.
Os documentos foram registrados no cartório porque o Bradesco aceitou a
hipoteca da sede da faculdade três vezes, em Brasília, como forma de
garantir os valores e conseguir taxas melhores.
Um dos papeis mostra, por exemplo, a admissão por parte do IDP que não
teria condições de arcar com prestações de R$ 154 mil. Mesmo assim,
conseguiu depois mais R$ 28,2 milhões em empréstimo – o último só será
quitado em 2032.
O valor total das parcelas que a faculdade disse que não dava conta de pagar é apenas 6% do que o IDP recebeu depois do banco.
Pela lei da magistratura, é vedado “exercer o comércio ou participar de
sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista
ou quotista”. Ou seja, pode apenas ter quotas de empresa, mas não pode
atuar na administração da empresa.
O ministro costuma repetir que “não é, nem nunca foi, administrador do
IDP". Os documentos bancários, contudo, mostram oito contratos e
alterações com o Bradesco, todas com a assinatura do ministro como
avalista da empresa.
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Especialistas ouvidos pelo BuzzFeed News, sem conhecer os personagens,
disseram ser atípico o banco reduzir taxas em contratos pré-fixados,
sobretudo ao aceitar períodos com taxa abaixo da Selic, valor de
referência do governo.
Outro ponto considerado incomum é que o maior empréstimo foi o último e
aconteceu mesmo com o IDP pedindo prorrogações das dívidas anteriores.
Contrato I – R$ 8,2 milhões
Tudo começou em setembro de 2011, com R$ 8,2 milhões. O combinado com o
Bradesco era pagar em oito anos, começando apenas em abril de 2013.
Seriam 102 parcelas de R$ 177 mil.
Chegou então a hora de pagar. Começaram, também, as renegociações,
sempre favoráveis ao IDP. Era fevereiro de 2013 e dali dois meses o IDP
teria que, enfim, pagar a primeira prestação.
O contrato, contudo, foi alterado. A taxa caiu de 15,39% ao ano para
11,35%. O documento era claro: o objetivo era diminuir o valor a ser
pago.
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Na ponta do lápis, as 102 prestações, de R$ 177 mil ao mês, caíram para
R$ 154 mil para o mesmo período: um alívio de quase R$ 23 mil por mês.
No total, isso representou, matematicamente, uma queda de R$ 2,2 milhões
que o IDP não iria precisar mais pagar ao banco.
Os valores das parcelas constam dos contratos obtidos pelo BuzzFeed
News. O somatório das 102 parcelas caiu de R$ 18 milhões para R$ 15,8
milhões, no mesmo período de 2013 a 2021.
Em 2013, a taxa básica de juros do governo, a Selic, estava no menor
valor histórico, 7,25% ao ano. Nos anos seguintes, a Selic praticamente
dobrou, chegando a 14,25% ao ano. Nesse caso, entretanto, o Bradesco não
aumentou as taxas.
Entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2017, há uma situação incomum
para empréstimos não subsidiados: os juros oferecidos à empresa de
Gilmar Mendes estavam abaixo da Selic.
Apesar dessas condições, o IDP não conseguiu arcar com os pagamentos
mensais de R$ 154 mil. É o que deixa claro uma alteração contratual de
setembro de 2015.
Assim foi registrado:
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Contrato II – R$ 2 milhões
Apesar do IDP não conseguir arcar com as prestações, a faculdade de
Gilmar Mendes pediu e o Bradesco topou um novo empréstimo. Dessa vez, de
R$ 2 milhões, em março de 2016.
Detalhe: esse mês estava naquele período que o IDP disse que não dava conta de pagar pelo primeiro empréstimo.
Mesmo assim, o dinheiro saiu. Nesse novo empréstimo, a taxa de juros era mais alta: 18,16%.
Mas isso não durou muito.
Em junho de 2017, o IDP e Bradesco atualizaram os dois contratos, o de R$ 2 milhões e o inicial, de R$ 8,2 milhões.
De novo, houve uma redução nos juros: de 18,6% para 12,54%, no caso do empréstimo de R$ 2 milhões.
Nos dois empréstimos, o Bradesco esticou o prazo das parcelas, chegando
até 2026 e, com isso, reduzindo os valores a serem pagos mensalmente.
Contrato III – R$ 26,25 milhões
Toda essa última negociação aconteceu, vale repetir, em junho de 2017.
Até aquele momento, essa era a situação do Bradesco com o IDP: dois
empréstimos, duas reduções de juros e três prorrogações de prazo,
incluindo aí a vez que o IDP informou que não daria conta de pagar
prestações de R$ 154 mil.
Apesar de todo esse histórico, o Bradesco liberou um novo empréstimo
para a faculdade de Gilmar Mendes no mês passado. E foi o maior valor de
todos: R$ 26,25 milhões.
Com taxas de 11,35% ao ano, o IDP pagará em 13 anos – se não pedir
prorrogações, claro. Cada parcela custará R$ 401 mil ao IDP e o valor só
será quitado em 2032 – Gilmar Mendes poderá ser ministro do STF até
2030.
Apesar do alto valor, o contrato com o Bradesco dá uma folga de dois anos que o IDP não precisa pagar.
Assim, a partir de 2019, a faculdade de Gilmar Mendes deverá pagar algo
como R$ 550 mil por mês ao Bradesco, caso arque com os três empréstimos
sem novamente rolar as dívidas.
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Desde 2011, Gilmar Mendes já decidiu 120 vezes em ações que têm o Bradesco e suas subsidiárias como partes no STF.
Enquanto assina negócios multimilionários com o Bradesco, Gilmar
Mendes, o ministro, trata de assuntos relevantes para o mercado
financeiro.
Desde 2011, o sistema de jurisprudência do STF aponta cerca de 120
decisões tomadas pelo ministro e que tem o banco e suas subsidiárias
como parte, além de outros acórdãos e processos sob relatoria de Gilmar
Mendes.
O ministro também é relator de dois dos cinco recursos que definirão a
disputa entre poupadores e bancos, sobre taxas cobradas nos planos
econômicos do fim da década de 1980 e início da década de 1990. É uma
disputa multibilionária: com números que variam entre R$ 20 bilhões a R$
100 bilhões.
GILMAR MENDES NEGA CONFLITO DE INTERESSES E BRADESCO NÃO RESPONDE
Procurado, o IDP disse que não houve benefícios do Bradesco e que é
normal o ministro, como sócio, ser avalista do financiamento.
"O ministro Gilmar Mendes não é, e nunca foi administrador do IDP -
Instituto Brasiliense de Direito Público. Ele é sócio fundador da
instituição de ensino. É mais que usual que os cotistas de empresas
organizas por cotas - onde cada sócio tem responsabilidade limitada -
avalizem os empréstimos contraídos pela sociedade. Os “benefícios” que o
jornalista sugere são meras renegociações decorrentes da redução dos
juros praticados pelo mercado financeiro", diz a nota do IDP.
A assessoria do ministro disse ainda que não há conflitos de interesse
na atuação de Gilmar Mendes no Supremo e nos contratos do IDP com o
Bradesco.
"Não há qualquer conflito de interesse na atuação do ministro Gilmar
Mendes, que é pautada conforme às regras de suspeição e impedimento
previstas na legislação brasileira", diz a assessoria.
O Bradesco não respondeu e o texto será atualizado com a posição do banco.