Quarta, 20 de setembro de 2017
Rodrigo Janot confirmou que não foi convidado para a posse de Raquel Dodge
Fontes:
Por ANA DUBEUX, ANA MARIA CAMPOS e HELENA MADER-Correio Braziliense/Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
e Blog do Sombra
No quarto andar da sede da Procuradoria-Geral da República,
funcionários trabalham para adaptar um amplo gabinete ao novo ocupante,
que acaba de chegar. Um arco e flecha pendurado à parede divide o espaço
com uma escultura de tuiuiu e com uma coleção de canetas — uma delas,
em destaque, foi usada para assinar a delação premiada de executivos da
Odebrecht.
De camisa polo e com visual despojado, Rodrigo Janot parece alheio ao
bombardeio que vem recebendo há meses. O mineiro, de Belo Horizonte,
deixou o posto de procurador-geral da República no mais conturbado
momento de seus 33 anos de carreira. Até a transmissão de cargo à
sucessora, Raquel Dodge, foi controversa: Janot não compareceu à
cerimônia de posse. Na entrevista exclusiva ao Correio, Janot explica a
ausência: “Quem vai em festa sem convite é penetra”.
O procurador revela que não foi convidado nem mesmo para transmitir o
cargo. Se fosse ao auditório, teria de procurar um assento. Ele conta
que não havia sequer uma cadeira reservada. Mas garante que não se
sentiria constrangido em dividir a cena com políticos que denunciou,
como o presidente Michel Temer. “As pessoas que têm de se sentir
constrangidas”, aponta.
Em duas horas e 20 minutos de conversa, o ex-chefe do MP relata os
bastidores de momentos importantes que marcaram a Lava-Jato: o pedido de
prisão do então senador Delcídio do Amaral, a morte do ministro Teori
Zavascki, a “escolha de Sofia” na imunidade concedida ao empresário
Joesley Batista em troca de provas contra Temer e as suspeitas
envolvendo integrantes do próprio Ministério Público.
Janot deixou o cargo, mas não se afastou da turbulência. Pelo
contrário. Ele sabe que, agora, começam de verdade os ataques,
principalmente na CPI da JBS, comandada por aliados de Temer. “Vão
tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão tentar
desconstituir a figura do investigador”, diz. E já se defende: “Não
levei dinheiro do Miller nem autorizei ninguém a receber mala de
dinheiro em meu nome. Nem tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento”.
Para quem acha que o ex-procurador-geral exagerou, ele rebate: "Não
criminalizei a política. Criminalizei os bandidos".
Por que o senhor não foi à posse da sua sucessora, Raquel Dodge?
Na minha terra, se diz o seguinte: a gente não vai a festa sem convite. Quem vai em festa sem convite é penetra.
O senhor não foi convidado?
Para a posse, definitivamente, não fui convidado. A gente tratou como
seriam colocados os termos no convite. A primeira proposta foi com meu
nome: “O procurador-geral da República convida”. Mas o pessoal da
transmissão pediu para sair em nome do Ministério Público da União, por
e-mail. Eu é que expedi esse e-mail. Mas não recebi convite nenhum. Os
convites para chefes dos poderes pediram para que eu fizesse
nominalmente. Mandei aos presidentes do Supremo, da Câmara, do Senado,
da República, aí sim, um ofício meu, enquanto procurador-geral. Meu
mandato terminou domingo, dia 17, até lá eu era procurador-geral.
Perguntei se queriam uma transmissão de cargo, mas me informaram que eu
não posso transmitir aquilo que eu não tenho mais. Por isso que não fui,
porque não fui convidado.
Não seria constrangedor sentar à mesa com pessoas que denunciou?
Não sentaria à mesa. Mas eu estou na minha casa, as pessoas que têm que
se sentir constrangidas, não sou eu. Fiz o meu trabalho. Se tivesse
sido convidado, iria, com certeza. Outro detalhe: também não tinha lugar
reservado para mim no auditório, não. Eu teria que chegar e bater
cabeça para achar uma cadeirinha.
Por que a rivalidade com Raquel Dodge chegou a esse ponto?
Não sei. Nunca houve uma rivalidade a esse nível, claro que não.
Substituições de equipe podem comprometer o trabalho em andamento na Lava-Jato?
Em tese, todos estão preparados para esse tipo de trabalho. É claro que
as pessoas têm que trabalhar com quem têm afinidade. Isso é normal. Eu
me espantei porque havia ofício formal, com convite para que toda a
equipe da Lava-Jato continuasse. Existia um ato formal dela. Houve uma
conversa com o pessoal da equipe, em que ela disse novamente que todos
estavam convidados. Depois, ela começou a desconvidar.
O que houve?
Não sei. No sábado, fiz uma feijoada para a despedida da minha turma. A
turma dela ligou para dois colegas meus, o Fernando (Alencar) e o
Rodrigo Telles, desconvidando-os. Com relação ao Rodrigo Telles (que
auxiliou Janot na investigação contra Agripino Maia), o que disseram é
que havia muita resistência ao nome dele, não disseram de quem, e sobre o
Fernando, disseram que ele ultrapassava o percentual que o Conselho
(Superior do Ministério Público) estabeleceu para o recrutamento de
pessoas. Esses foram desconvidados no sábado.
Fora do MP, o senhor foi muito questionado, sobretudo por causa do
processo relacionado à JBS. Saiu de uma posição de herói e, de uma hora
para outra, passou a ser apontado como vilão...
Existem estratégias de defesa. Quando o fato é chapado, quando o fato é
mala voando, são R$ 51 milhões dentro de apartamento, gente carregando
mala de dinheiro na rua de São Paulo, gravação dizendo “tem que manter
isso, viu?”, há uma dificuldade natural para elaborar defesa técnica
nesses questionamentos jurídicos. E uma das estratégias de defesa é
tentar desconstruir a figura do acusador. É assim que eu vejo. De
repente, passo a ser o vilão da história, o dito vilão da história,
porque há necessidade de desconstituir a figura do acusador. O que
fizeram comigo vão fazer com outros. Tenha certeza absoluta.
Mas o senhor enfrenta críticas de acusados desde o início. O senador Collor, por exemplo, já soltou impropérios contra o senhor...
Mas numa proporção muito menor… Ele só xingou minha mãe várias vezes
(risos). Mas agora cheguei ao poder real. No núcleo de poder, no centro
dessa Orcrim (organização criminosa), e a reação é essa mesmo. Eu já
imaginava que isso aconteceria, mas não imaginava que seria nessa
proporção. Não imaginava como viria o coice. A orquestração é visível.
Ao se despedir, na sexta-feira, o senhor falou em sofrimento…
É um desgaste danado, você catalisar tudo sozinho… Eu tinha que manter a
equipe funcionando até 17 de setembro. Foi tudo muito intenso.
Investigações importantes foram chegando maduras nas duas ou três
últimas semanas do meu trabalho. Essas investigações dependiam de atos
de terceiros também. Para a denúncia da organização criminosa do PMDB da
Câmara, tive que aguardar a conclusão do inquérito. O delegado só
relatou o inquérito na segunda-feira, um excelente relatório, de mais de
400 páginas, que mostra um retrato da atuação dessa organização
criminosa. De um lado, eu tinha que manter a equipe funcionando e
tirando deles a pressão para que trabalhassem com eficácia e eficiência.
Eu tinha que absorver tudo isso sozinho, não é para criança, não. Não é
brinquedo, não. Só pancada. Não é para amador.
Na delação de Joesley, houve questionamentos com relação ao fato de ele revelar crimes tão graves e ir embora de avião particular para os EUA. Como lidou com a revolta que isso suscitou?
Eu tinha uma escolha de Sofia. Ele chega, nos traz uma demonstração,
que foi um pequeno take do áudio, que revelava crimes em curso
praticados pelo alto escalão da República. O presidente da República, um
senador importante que teve 50 milhões de votos na eleição anterior, um
deputado federal, a prova fazia menção a um colega meu infiltrado. Eram
crimes gravíssimos e em curso. Tomo conhecimento disso, vejo que tem
indicativo de prova. Eles disseram: “A gente negocia qualquer outra
coisa, menos a imunidade”. A minha escolha de Sofia era: se eu não pego o
material que eles tinham, eu não poderia investigar, eu teria que ficar
quieto vendo esses crimes acontecerem ou então eu tinha que negociar a
imunidade.
O fato de Joesley ir para a cadeia é de certa forma um alívio para o MP depois de tantas críticas?
Ele foi mais esperto que ele mesmo. A esperteza capturou ele próprio. A
gente tem que deixar muito claro: a colaboração premiada é um instituto
novo para a gente, já aprendemos muito. Quando a gente faz um acordo
desse, é de natureza penal, a gente está negociando com bandido,
bandi-dê-ó-dó. O cara, porque é colaborador da Justiça, não deixa de ser
bandido. As coisas têm que ser muito claras. A mesa de negociação é um
lugar muito duro, um ringue mesmo. O colaborador tem que vir de coração
aberto, tem que vir para o lado do Estado. Tem que falar tudo. Quem faz
juízo sobre a prática ou não de delito é o MP, não o colaborador, ele
tem que entregar tudo. A gente tem muito anexo que não tem nada de
palpável, mas a gente recebe e analisa. O juízo nós que fazemos. E o que
eles fizeram? Eles esconderam fatos. Trouxeram “A” mas não nos
trouxeram “B”. Porque não trouxeram “B”, está contaminado todo o acordo.
Só que o fato de ele não trazer o “B” não influencia nem tangencia o
“A”. Não contamina. A rescisão me permite continuar usando a prova. Mas
dá um gosto amargo, o sujeito não pulou o lado, continuou ao lado da
bandidagem.
E as denúncias envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller? O fato de ele
ter negociado com o grupo JBS quando ainda fazia parte da equipe da PGR
compromete a validade das provas?
Existe uma investigação em curso, mas, se ele fez isso, foi sem o nosso
conhecimento. E se fez sem o nosso conhecimento, ele não pode
contaminar um ato que é nosso. Se ele fez, não está comprovado ainda,
vai ter que responder por isso.
O fato de ele ter abdicado de uma carreira como ao MP não despertou dúvidas na sua equipe?
No último um ano e meio, cinco colegas saíram.
É o salário?
É dinheiro. Também é muita responsabilidade, muita restrição. O fato de
ele ter saído não suscita nenhuma suspeita. O Marcelo trabalhou forte
na colaboração da Odebrecht. Ele já tinha voltado para o Rio de Janeiro
havia um ano e continuou na força-tarefa como colaborador, eventualmente
era chamado a fazer alguma colaboração aqui. Mas não estava no núcleo.
O senhor se sente traído?
Eu quero ver a conclusão da investigação para fazer algum juízo. O caso
do Ângelo (Goulart) está investigado, ali eu me senti traído, com
certeza.
O procurador Ângelo Goulart criticou sua forma de atuação, disse que o senhor agia rapidamente para chegar ao presidente Temer…
É engraçado isso, ele não trabalhou comigo. O Ângelo trabalhava no
eleitoral, nem no mesmo prédio ficávamos. Quando foi chegando ao fim do
mandato, como tinha interesse de permanecer em Brasília, ele perguntou
se poderia ser designado para a força-tarefa da Greenfield, da PRDF.
É verdade que o senhor vomitou quatro vezes ao tomar conhecimento desses fatos relacionados ao procurador Ângelo Goulart?
Sim. É muito triste isso de prender um colega. Tem um crime militar que
a gente chama de perfídia. Perfídia é o sujeito que é do teu grupo e
que vende esse grupo para o inimigo. Ele passa a ajudar o inimigo a te
dar tiro. Esse é o sentimento que deu na gente. A situação é muito ruim,
sentir que contaminou.
O procurador Ângelo alega que atuou para tentar encabeçar as tratativas da eventual delação. Ele agiu motivado por dinheiro?
Essa linha de defesa ele já adotou no processo administrativo
disciplinar aqui dentro. Ele tentou se passar por herói. Como se ele
tivesse se oferecido a eles para poder derrubá-los. Como se fosse o
mocinho, o super-homem. Mas como faz um trabalho desses de atuação
infiltrada sem falar com os russos? Ele faz isso sem falar com os
colegas, com ninguém? Não falou com o Anselmo (Lopes, coordenador da
Operação Greenfield). Agora vamos ver os fatos. Houve uma reunião em que
o Anselmo fez um desenho à mão da estratégia da investigação. Esse
papel foi aparecer com um advogado da JBS. A troco do quê? Ele foi
pilhado numa ação controlada em que conversa com desenvoltura. Depois,
ele tem gravada a conversa com o advogado. Tudo isso ele bolou sem
avisar ninguém? É fantasioso. E acertou dinheiro, sim, R$ 50 mil por
mês.
Há provas de que ele recebeu dinheiro?
Tem relato do Francisco (de Assis, advogado), tem advogado acertando,
dizendo que tinha dinheiro, tem o croquis do planejamento, tem gravação,
visitas. A expressão que a gente usa é “batom em certo lugar”.
Ainda citando o que ele diz, o senhor se referia a sua sucessora como a bruxa?
Não. É aquela coisa, como se faz para desconstruir o acusador.
Essa campanha que o senhor menciona para tentar atacar o acusador como foi?
O nível é muito baixo, chegaram à minha família, à minha filha.
Saindo do cargo, acredita que vai diminuir?
Pelo contrário. A notícia que tive é: vai aumentar. A pressão para cima de mim só vai aumentar.
Teme que a CPI da JBS vire instrumento de vingança?
A CPI não é da JBS. O relator já afirmou que o escopo da CPI é
investigar os investigadores. O escopo da CPI não são os empréstimos da
JBS no BNDES. Ninguém falou sobre isso. Estão falando em convidar também
o Ângelo, o Eugênio Aragão.
Em um texto divulgado na internet, o procurador Aragão defendeu Ângelo,
e disse que ele apenas atuava com métodos heterodoxos para conseguir
acordos de colaboração...
Sabe por quê? Quem trouxe o Ângelo para atuar no eleitoral foi o Dr. Eugênio Aragão.
Como vai se proteger desses ataques que o senhor já prevê?
Primeiro, quero descansar, vou tirar 20 dias, viajar. Depois, vou ver
as estratégias. A imprensa tem que ser muito atuante agora. Essa CPI não
pode ser a CPI dos investigadores. Essa CPI tem que seguir o escopo
dela. Não é a CPI dos empréstimos do BNDES? E querem investigar quem?
Eu? Eu não participei de empréstimo nenhum da JBS. O acordo da JBS foi
judicial. Foi homologado pelo Supremo e foi reafirmado pelo Supremo.
Como o Congresso pode querer desconstituir isso?
Vão tentar usar o Miller contra o senhor na CPI?
Vão tentar usar todo mundo e tudo contra mim… Tudo é possível, vão
tentar desconstituir a figura do investigador. Não levei dinheiro do
Miller nem autorizei ninguém a receber mala de dinheiro em meu nome. Nem
tenho amigo com R$ 51 milhões em apartamento.
Acredita que a população vai aceitar uma atuação como essa da CPI?
O brasileiro é honesto. Espero que a cidadania seja ativa para enxergar
esse tipo de manobra. Outra estratégia também é usar a imprensa
estrangeira, já começaram a falar lá fora, e a falar forte. Quando
começaram as alterações no grupo de trabalho da Lava-Jato, saiu uma
notinha com a chamada "It begins" (“Foi dada a largada”, em tradução
livre). O título diz tudo.
O que achou do fato de Dodge não ter citado nenhuma vez a Lava-Jato no
discurso de posse? Foi pelo fato de a operação ter se tornado a marca do
senhor?
A Lava-Jato não pertence ao MP, pertence à sociedade, ao mundo. Não é
uma marca minha. Eu dei as condições necessárias para que outros colegas
pudessem trabalhar, em Curitiba, no Rio, em São Paulo. A Lava-Jato não
pertence mais ao Ministério Público. É um patrimônio da sociedade
brasileira. Ela corre o mundo.
A Lava-Jato corre risco real?
Está cedo para avaliar. É preciso aguardar para ver como a coisa
evolui. Se houver risco, não acredito que isso contamine nem Curitiba,
nem Rio, nem São Paulo, que já têm investigações com pernas próprias.
O senhor foi flagrado conversando com o advogado Pierpaolo Bottini, que
representa Joesley, em um bar. Não foi um encontro impróprio, dadas as
circunstâncias?
Não era um bar, era uma distribuidora de bebidas. Vou àquele lugar todo
sábado. Chego ali, tomo uma cerveja e vou embora para casa. Conheço
todo mundo, conheço o dono, o César, desde a época em que ele vendia
minhocas, conheço todos os frequentadores. A gente conversa, passa ali
meia hora, uma hora. Abriu uma feijoada ali do lado aos sábados que é
ótima.
Disseram até que essa reunião era comparável ao encontro de Joesley com Temer no Palácio…
Meio dia, em um lugar público, frequentado por um zilhão de pessoas? A
conversa não durou 10 minutos, não falamos de trabalho, de nada disso.
Falamos de cerveja. Aconselho passearem por lá, tem tudo quanto é
cerveja artesanal.
O advogado Willer Tomaz, também denunciado, recebia em sua casa figuras
importantes, inclusive o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo
Bessa. Causa suspeição?
Relacionamento da gente com advogado é uma coisa normal. Dos meus
amigos que fiz em Brasília quando cheguei há 33 anos, a maioria é
advogado. Todo mundo se conhece. E advogado de bandido não é bandido, a
gente tem que ter esse relacionamento.
O senhor teve embates duros também com o ministro Gilmar Mendes. O STF vai enfrentar o tema da suspeição do ministro?
Vão ter que enfrentar, claro. Quando alguém argui suspeição, esse é um
termo técnico normal. A arguição de suspeição é para garantia da
atividade da magistratura e dos jurisdicionados. O magistrado tem que
ser isento. Eles vão enfrentar, sim. O resultado, não sei.
Fazendo uma comparação com a Operação Mãos Limpas, na Itália, o senhor teme pela sua vida?
Temer, não! (risos).
Acredita que o MP estará com o senhor?
Acho que sim, não só o federal, o Ministério Público do Brasil inteiro.
O Ministério Público brasileiro hoje está em outro patamar.
Durante sua gestão, onde errou?
Com certeza, erros aconteceram, mas não consigo fazer esse juízo agora. Preciso de um afastamento para poder enxergar.
A Lava-Jato é uma sucessão de delações. Como isso começou?
Tem um momento para mim que foi um divisor de águas. O que deu impulso
danado nas colaborações foi a decisão do STF, que disse: condenou em
segundo grau, vai para a cadeia. Os caras começaram a fazer conta. A
estratégia era empurrar, agora não tem mais jeito. Esse foi, na minha
leitura, um dos pontos que gerou essa mudança. Grandes delações também
chamaram todas as outras.
O Supremo vai rever alguma delas?
Não acredito que o STF vai recuar. Seria um prejuízo enorme.
A delação do Delcídio, com a prisão de um senador no exercício do mandato, foi decisiva?
Sim. Divisor de águas foi a colaboração do senador. Ele gravou, os
fatos eram gravíssimos, e era um senador, líder do governo. Quando fiz o
pedido de prisão, sabia que tinha cruzado o rubicão e que tinha
queimado a única ponte atrás da tropa, que não tinha mais recuo. Era só
para a frente. Foi um momento de muita tensão, era uma novidade e eu não
sabia o que aconteceria.
Com a morte de Teori, temeu pelo fim das investigações?
Temi, sim. Eu sou agnóstico, eu creio muito pouco. Com a morte dele, eu passei a crer ainda menos. Eu dizia: não é possível.
Suspeitou de assassinato?
No começo, claro. Mas a investigação foi feita por nós, pelo MPF, em
Angra dos Reis, e estamos seguros de que foi acidente mesmo.
Foi o momento mais difícil?
Esse foi um dos mais difíceis, com certeza, foi devastador para todo
mundo. Ele era muito firme. Ainda bem que o ministro Fachin também é.
Como avalia a atuação de Moro?
A gente está no meio de um lamaçal, no meio de bandidos, cheiro de
podre para todo lado, só tem uma maneira de não se contaminar, a gente
tem que ser reto. O Moro é duro, eu fui duro, e tem que ser mesmo.
O que foi essencial na Lava-Jato?
O grupo de Curitiba foi muito importante. O juiz foi muito importante.
Uma parte que pouca gente fala, mas que permitiu chegar até agora, o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve com firmeza todas as
decisões.
O Brasil mudou com a Lava-Jato?
Está mudando. Na minha terra, quando a gente fazia muita traquinagem,
apanhava com vara de marmelo, aquela bem flexível. Aquilo na perna dói
para caramba. Nós envergamos essa vara e temos que ter cuidado para ela
não soltar, senão volta batendo em todo mundo e vai ficar em pé. Estamos
nesse ponto de inflexão, a vara foi dobrada, mas não foi quebrada. E
essa vara tem que ser quebrada.
Ainda tinha muita flecha?
Sim, tenho ainda algumas ali (aponta para arco e flecha que recebeu de índios).
Mesmo depois do início da Lava-Jato, muitos atos de corrupção
prosseguiram. Gim Argello, por exemplo, negociava convocações para a CPI
da Petrobras…
Com três anos e meio de Lava-Jato, vimos várias conversas não
republicanas, malas para cá, malas para lá. Mas seria mais grave sem a
Lava-Jato. A vara está envergada, mas não foi quebrada. Tem que ser
quebrada.
O senhor falou de egoístas e escroques ousados. Eles estão em todas as instituições?
Sim, até na minha tem.
Como será julgado pela história?
Quero ser julgado de maneira isenta. Se eu errei, que apontem os erros. Se eu acertei, que mostrem os acertos. Só isso.
Uma das críticas é a forma como o MP consegue as delações, que os
acusados falam só para fugir da cadeia. Um dos casos levantados é o do
ex-ministro Palocci...
Essa história de que a gente prende para ter colaboração, muita gente
falava isso, e a gente só mostrava a estatística: 85% são com pessoas
soltas. A pessoa só tem medo de ser presa quando comete crime. É crime e
castigo, tem até um livrinho com esse nome. A lei diz que a colaboração
tem que ser espontânea, voluntária, se não for assim, não pode ser
homologada. A iniciativa tem que ser do colaborador, com advogado. Não
posso ter conversa escondida com colaborador. A negociação é dura.
Concluído isso, a gente faz o contrato do acordo, o magistrado chama o
colaborador, sem a nossa presença, e pergunta se foi instigado,
incentivado, obrigado, ameaçado. Existe toda essa preocupação para que o
colaborador possa falar. Quando ele fala, não basta imputar algo a
alguém, tem que dar o caminho da prova. Diziam que era coisa de X9, de
dedo duro. Ele tem que dizer o crime que cometeu, o comparsa dele, como
participou desse crime e revelar o caminho da prova. Se imputa
falsamente, ele comete crime. E não acabou a colaboração. Ela é
homologada e, no fim do processo, o juiz analisa a eficácia dessa
colaboração. O colaborador tem que ajudar a acusação na obtenção das
provas. Se não fizer isso, ele perde a premiação. Se o colaborador der
causa à rescisão, como acontece agora com Batista e Ricardo Saud, ele
perde toda a premiação, responde pelos crimes que cometeu e toda a prova
que ele deu para a acusação é válida. É uma situação muito delicada a
do réu colaborador.
Como veio à tona esse novo áudio de Joesley?
Quando foi feito esse acordo, contrataram um grupo para fazer
levantamentos dentro do grupo empresarial para identificar as provas
para a orientação da colaboração. E, aos poucos, iriam fazendo os novos
anexos e indicação dos fatos criminosos. Pediram 120 dias para fazer
isso. No acordo, constaram aqueles anexos que trouxeram no primeiro
momento e, no período de 120 dias, trariam complementos. Um pouco antes,
pediram a prorrogação por mais 60 dias. A gente concordou com a
prorrogação. Com medo de perderem o prazo e ter rescindida a
colaboração, eles empurraram tudo para cá. Vieram muitos anexos e muitos
áudios. Para agilizar, a gente dividiu tudo entre os colegas. No grupo
da Lava-Jato, ficou todo mundo ouvindo os áudios. A Carol (procuradora
Ana Carolina Rezende) ficou com um grupo de áudios. Tinha um anexo que
envolvia uma pessoa cujo processo está em sigilo, o codinome era Piauí,
com quatro áudios. O maldito áudio Piauí 3 não tinha nada a ver com esse
anexo. O Piauí 1, 2 e 4 tinham a ver, eram conversas com determinado
senador. A Carol, domingo de manhã, manda mensagem no nosso grupo
dizendo que tinha um áudio jabuti, contrabando, de quatro horas, falando
de Miller, de várias coisas. Viemos para cá, passamos a tarde aqui. Era
um jabuti, um anexo de contrabando colocado sem nenhuma remissão de que
não tinha nada a ver com Piauí. A PF disse que tinha recuperado 7
áudios, que estão sob sigilo, porque o advogado dos colaboradores disse
que boa parte é conversa entre advogado e cliente. E que a perícia da PF
teria recuperado mais 11 áudios.
Joesley tinha apagado e a PF conseguiu resgatar?
Isso. Na leitura que fizemos, isso não poderia ter sido um equívoco,
foi uma casca de banana mesmo. O ministro Fachin lacrou os 11 áudios,
nem nós conhecemos. Eles, com medo de um dos 11 áudios ser um dos que
estão recuperados pela polícia, colocaram um jabuti. Lá na frente,
quando estourasse o negócio, diriam que entregaram e nós ficamos
calados. É óbvio que foi uma armadilha. E como desarma uma armadilha?
Coloca luz sobre ela. Santa Carol! Se ela não fosse tão CDF, poderia ter
passado.
Há alguma possibilidade de o desfecho da segunda denúncia contra Temer ser diferente no Congresso?
Acho que não. Mas a solução política não me interessa. Tenho que fazer o
meu trabalho. A Câmara não rejeita a denúncia, ela autoriza ou não o
processamento.
O senhor virou carrasco dos políticos corruptos?
Cada um tem que fazer o seu trabalho. O corrupto tem que entender que
acabou a era de que nada acontece com ele. Grandes empresários, o poder
econômico e o poder político, está todo mundo respondendo igualmente,
não é mais a justiça dos três pês.
Como vê as acusações de que age com interesses partidários?
Primeiro eu era petista, indicado pela Dilma. Quando viram o meu radar,
virei perseguidor de político. Não estou criminalizando a política,
estou criminalizando bandido.
Como responde a críticos que dizem que o MP sai menor?
O MP sai gigante, pois é reconhecido fora do Brasil. Aonde você vai, os
colegas de fora reconhecem nossa atividade, na França, na Suíça, nos
EUA, todos os ministérios públicos do Mercosul reconhecem nossa
atividade.
Depois dos 20 dias de descanso, como vai refazer a vida?
Tenho projetos que quero tocar, não quero sair dessa área de combate à
corrupção. As pessoas de fora me pedem para não sair dessa área. Nossa
atividade virou paradigma. O Brasil deu um passo gigantesco no combate à
corrupção. Mas isso, para o bloco, não é suficiente. Se o Brasil
continua esse caminho, e acho que vai continuar, pode começar a exportar
corrupção. O bloco tem que caminhar de forma harmônica e as pessoas
pedem que eu seja uma voz no combate à corrupção. Na PGR, vou atuar na
área criminal do STJ.
Na eleição de 2018, como garantir renovação?
A cidadania vem com força para 2018. Ninguém aguenta mais ser enganado
dessa forma. Agora, é importante também que a política faça a sua parte.
Temos que ter reforma política profunda.
Como fazer isso com um Congresso contaminado?
Vamos imaginar que os novos políticos de 2018 recebam da cidadania uma
cobrança muito forte para que haja essa mudança. Não podemos ter senador
que teve zero votos, um deputado federal que teve 15 votos, que ninguém
sabe quem é.
Com a saída de Dilma, a corrupção ficou mais explícita?
A cada dia que passa, a gente está jogando mais luz sobre a corrupção. É isso.