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(Millôr Fernandes)

sábado, 9 de setembro de 2017

Joesley na cadeia? Por que o STF só fala em prisão quando é atacado

Sábado, 9 de setembro de 2017
Joesley na cadeia? Por que o STF só fala em prisão quando é atacado
Ministro Luiz Fux defende, antes do Ministério Público, que Joesley Batista devia estar preso, enquanto pedido de prisão do senador Aécio Neves aguarda na gaveta. Especialistas criticam contradições, manifestações impróprias e tempo particular dos ministros
 
Por Daniel Haidar-El País/Foto: NELSON JR./SCO/STF/Blog do Sombra
 
No Supremo Tribunal Federal, virou clichê os ministros repetirem que processos não são julgados pela capa. Mas o ministro Luiz Fux quebrou essa premissa com o “autogrampo” do empresário Joesley Batista. Fux ficou irritado com insinuações disparadas por Joesley, em gravações que chegaram à Procuradoria Geral da República. Cobrou na quarta-feira que ele seja logo enviado para o Complexo da Papuda. A declaração se antecipou a julgamento e até a pedido do Ministério Público, cujo pedido de prisão contra Joesley só foi feito na noite de sexta-feira. “Acho que Joesley e Saud ludibriaram a Procuradoria, degradaram a imagem do Brasil no plano internacional e atentaram contra a dignidade da Justiça. Mostraram a arrogância dos criminosos do colarinho branco. A primeira providência que tem que ser tomada é a prisão deles”, afirmou Fux.

A manifestação de Fux jogou mais gasolina na chamuscada delação premiada da JBS. Desde a revelação dos contatos indevidos de Batista com o ex-procurador Marcello Miller, benefícios penais ao empresário e a seus executivos passaram a sofrer questionamentos. Tudo isso porque, em uma conversa gravada e escondida por quase seis meses do STF, o empresário e um executivo insinuaram que omitiriam fatos em delação premiada, que teriam ajuda de Miller para costurar o acordo, e que tentariam flagrantes para delatar ministros da mais alta corte do país. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, iniciou uma investigação para apurar se houve alguma costura indevida do acordo com Miller e ameaçou anular os benefícios dos delatores. A presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, reagiu às insinuações e cobrou investigação rápida das omissões e das empreitadas dos delatores. Mas Fux se antecipou e, sem nenhum pedido formal, já falou em prisão para a turma do frigorífico. O pedido de prisão de Miller, Batista e do executivo Ricardo Saud só chegou ao STF na noite de sexta-feira e aguarda decisão do ministro Edson Fachin.
 
Especialistas viram o arroubo retórico do ministro com preocupação. Enquanto já se falava em cadeia para Batista, pedidos de prisão mais antigos aguardavam na gaveta do tribunal. Desde 1º de agosto, descansa no gabinete do ministro Marco Aurélio Mello o pedido de prisão do senador Aécio Neves (PSDB). A prisão do parlamentar foi solicitada porque ele pediu 2 milhões de reais a Batista e acabou flagrado em ação controlada realizada como parte do acordo de delação premiada da JBS. Mas Aécio jamais foi pego em atitude de deboche aos ministros da corte. O tratamento dispensado ao corrompido e ao corruptor escancara uma insólita realidade no STF, para integrantes do mundo jurídico: só se fala em prisão rápida quando o tribunal é atacado.
 
Joesley não foi o primeiro a debochar do STF, embora tenha sido a primeira pessoa a motivar cobrança de prisão sem nenhum pedido do Ministério Público. Quando o ex-senador Delcídio do Amaral foi preso em flagrante pela compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, ele também tinha tentado explorar uma influência que não possuía sobre os ministros do tribunal em conversas gravadas pelo filho de Cerveró. A fanfarronice de Delcídio também motivou uma resposta rápida do plenário do Supremo, que em menos de 24 horas decidiu pela prisão do ex-senador pelo conjunto de suas peripécias.
 
Fora de pedidos de prisão, houve outras decisões consideradas díspares do tribunal em casos onde um acusado tinha desrespeitado a corte e outro não. Dois dias depois de virem a público escutas telefônicas em que Lula dizia que o STF estava “acovardado” e que demonstrava tentativas de influenciar a ministra Rosa Weber, o ministro Gilmar Mendes barrou a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da ex-presidente Dilma Rousseff, quando Lula tentava escapar do alcance do juiz Sérgio Moro. Quem não foi flagrado em momento de deboche ao tribunal teve mais sorte. Embora estivesse nas mesmas circunstâncias de Lula, Moreira Franco teve rejeitado pedido de proibição ao cargo de ministro e conseguiu foro privilegiado para escapar de julgamento em primeira instância. A julgar pelo comportamento do Supremo, o ataque aos ministros produz circunstâncias mais desfavoráveis para quem entra na mira da corte.
 
“É difícil de explicar que Fux e a ministra Carmen Lúcia tenham se sentido forçados a fazer pronunciamentos para responder à delação de dois bêbados. O tribunal se auto-empoderou na definição do tempo das suas decisões”, diz o jurista Conrado Hübner Mendes, doutor em ciência política, doutor em direito e professor da Universidade de São Paulo (USP). “Há casos sérios de prisão à espera de decisão como o de Aécio. E o STF tem uma técnica muito sofisticada de tirar temas da esfera pública. Temos um tribunal que não está à altura das circunstâncias e da complexidade política”, acrescenta o advogado.
 
Ainda que Batista possa ser preso se ficar demonstrado que omitiu fatos e que teve ajuda de Miller para costurar uma delação premiada, como insinuaram as conversas gravadas do empresário, isso não permitiria que um ministro se manifeste sobre a prisão antes do assunto ir à julgamento. Só uma investigação e provas complementares poderiam especificar se havia motivo para prisão, se havia algo além de deboche nos devaneios do empresário.
 
“Não estou censurando o ministro Fux, mas não é adequado que ministros se manifestem antecipando juízo de mérito”, afirma o procurador Rodrigo Chemim, autor do livro “Mãos Limpas e Lava Jato”. “É natural que quando se põe em xeque a credibilidade da Suprema Corte haja uma reação. Mas a forma não me pareceu adequada no campo do processo penal”, avalia o jurista.