Sexta, 22 de setembro de 2017
Adriana Franzin - Repórter da Agência Brasil
"A decisão de estacioná-lo para sempre não foi de
repente. Eu estava ensaiando há algum tempo. Fui algumas vezes para o
trabalho de bicicleta, mas acabava usando o carro para todo o resto. Ele
precisou dar os últimos suspiros para me alertar que não aguentava mais
e que uma nova vida nos esperava. Fiquei por alguns segundos segurando o
volante, olhos umedecidos tentando organizar os sentimentos. No início,
senti raiva, logo depois tristeza, gratidão e por fim a aceitação. Fiz
um carinho nele, uma lágrima caiu, saí de dentro, tranquei a porta e
parti”.
Foi assim que a artista Carol Oliveira, 31 anos, decidiu
mudar sua forma de deslocamento na cidade. O depoimento, postado em rede
social, ganhou visibilidade, apoio e uma rede de adeptos.
Atualmente, três meses depois, a moradora de Brasília diz não se arrepender.
“Não tenho mais gastos com gasolina, nem aborrecimentos com manutenção. Eu não pego trânsito e ainda me exercito com a bike.
Estou com as pernas bem mais firmes. Quando vou para mais longe pego
ônibus ou carona”. O hábito, segundo ela, também tem ajudado a
conquistar amigos. “Consigo arrastar vários deles para andar comigo pela
cidade”, comemora.
Apesar
de prático, eficiente e cômodo, o automóvel particular é um meio de
transporte de custo elevado: na conta entram impostos, combustível,
estacionamento, seguro e custos de manutenção.
O carro
também prejudica a saúde (por colaborar para o sedentarismo), o estresse
e a intoxicação, segundo a Organização Mundial da Saúde. Cerca de 3
milhões de mortes por ano podem ter como causa a exposição à poluição.
O
uso demasiado dos carros particulares provoca ainda congestionamentos, o
que prejudica a produtividade e promove desgaste: 48% dos paulistanos
gastaram, em 2015, pelo menos 2 horas por dia em seus deslocamentos,
segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo.
Essas
são as razões levantadas pelo movimento que propõe o Dia Mundial Sem
Carro, celebrado no dia 22 de setembro há pelo menos 20 anos, em
crescente número de cidades do mundo. A data, criada na França em 1997,
incentiva o uso de meios alternativos de transporte e medidas de apoio
para seus usuários, transporte público de qualidade, carona solidária e
ciclovias.
Ao contrário do carro, a bicicleta é um meio
econômico, limpo, saudável, prático, integrativo, silencioso e rápido
para pequenos deslocamentos. No entanto, ainda enfrenta desafios para se
consolidar como alternativa viável de transporte nos centros urbanos do
Brasil. Segundo levantamento produzido pelo portal Mobilize,
o país conta com pouco mais de 2,5 mil quilômetros de vias
cicloviárias, entre ciclovias e ciclofaixas. É uma parcela ínfima,
diante da malha rodoviária do país, de cerca de 1,7 milhão de
quilômetros.
Mesmo
sendo poucas, as ciclovias têm conquistado novos adeptos. Desde 2015, o
publicitário Allan Alves, de 30 anos, trocou as estradas pelas
ciclovias. A mudança começou por uma questão financeira. “Fiz os
cálculos e vi que era muito mais econômico não ter carro do que ter. E
quando percebi que em dias que não usasse a bicicleta tinha estrutura na
cidade como a bike compartilhada, ônibus e aplicativo de transporte, resolvi de vez abolir o trânsito”, afirma o publicitário.
Agora,
não vê outra alternativa para se locomover em Brasília: “Hoje em dia,
tenho dificuldade em dirigir, é estressante. Fora todos os benefícios de
saúde e bem-estar da bicicleta, de explorar a cidade com mais calma”,
disse Allan.
Na opinião do professor Pastor Willy Gonzales Taco,
especialista em mobilidade urbana da Universidade de Brasília, apesar da
vantagem financeira e do bem-estar, é preciso ter muita força de
vontade para abandonar de vez o veículo no Brasil.
“É uma questão
cultural, conceitual e econômica. O Brasil tem apostado muito nas
rodovias e na indústria automobilística como condutores da economia. Por
outro lado, a promoção do uso de modos alternativos, como a bicicleta, o
próprio andar a pé, as tecnologias estão só aos poucos sendo vistas.
Leis, como as que protegem os pedestres, ainda estão surgindo de forma
tímida. Falta vontade política”, critica.
Segundo Pastor, não há
medidas de incentivo aos usuários dos meios alternativos de locomoção
como em outros países: “Não há gestão e investimento em infraestrutura.
Não há nenhum tipo de incentivo como redução de impostos para quem
compartilha seu carro ou premiação para os usuários mais assíduos de
aplicativos de caminhadas, viagens de bicicleta ou transportes públicos.
Não há promoção de novas tecnologias para complementar o uso dos
mesmos, como informação ao usuário, horários, atendimento, qualidade do
serviço. Não há sistemas integrados para unir as várias possibilidades
de mobilidade urbana”.
O professor Pastor cita exemplos de
soluções simples e de baixo custo, como estímulos de empresas com
benefícios para funcionários que decidam ir de bicicleta, a pé, de
ônibus ou metrô, de esquemas de caronas. Há aplicativos que promovem o
aluguel de carros por tempo; de corridas compartilhadas.
O especialista
elogia movimentos como o do Dia Mundial Sem Carro, mas diz que ações
pontuais como essa são importantes para celebrar e dar visibilidade à
causa, mas deveria ser uma atitude contínua. "É muito tímido um dia,
quando se tem 365 para promover a mobilidade ativa”.“Soluções
existem em todo lugar. O mundo está cheio delas. Muitas são criadas
aqui mesmo, como o BRT de Curitiba (PR): uma invenção brasileira, da
década de 70, mas que só está sendo implementada agora, 40 anos depois.
Depois que outras cidades do mundo já fizeram”, ressaltou.
Exemplos
de ações continuadas são os grupos de ciclistas que se reúnem
diariamente ou semanalmente para promover passeios urbanos. Além de ser
um incentivo para quem ainda está se adaptando, a parceria de outros
praticantes traz segurança e colabora para a manutenção do hábito
saudável.
Aplicativo
O Instituto Akatu fez um levantamento de aplicativos que podem ajudar, em caso de locomoção:
Parpe: serviço que conecta pessoas que querem alugar carros ou oferecer carros para locação.
Pegcar: serviço que conecta pessoas que querem alugar carros ou oferecer carros para locação.
Vamo Fortaleza: sistemas de compartilhamento de carros elétricos.
Zazcar: aluguel de carros por hora.
E-moving: aluguel de bicicletas elétricas para pessoas físicas ou jurídicas.
Bike na porta: o cliente solicita a bicicleta para aluguel por dia, que é entregue e retirada no local definido.
Mobilicidade:
sistema de aluguel de bicicletas presentes em 21 cidades em todas as
regiões brasileiras. A liberação de bicicletas e o pagamento são feitos
pelo celular. Estações de retirada estão espalhadas pelas cidades
participantes.