Sábado, 2 de setembro de 2017
Jornal do Brasil
Senador Paulo Paim*
Nos últimos 20 anos, deixaram de entrar nos cofres da Previdência
Social mais de R$ 2 trilhões. Esse valor é a soma de todas as
sonegações, desvios, fraudes, dívidas, desonerações e desvinculações.
Somente em 2016, as renúncias previdenciárias chegaram a quase R$ 70
bilhões.
Desde que ela foi criada, os governos retiram recursos
das contribuições para aplicar em outras áreas. Lembro aqui os antigos
Institutos de Pensão e Aposentadoria, onde era obrigatória a aplicação
dos recursos destinados às aposentadorias em empresas nacionais.
Outro
refrescar de memória clareia que o dinheiro da Previdência foi usado
para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, da Vale do Rio Doce,
financiou a construção da ponte Rio-Niterói, da Transamazônica, Itaipu e
da capital federal. Nada contra essas obras, mas, justiça seja feita.
O
dinheiro da Previdência também é utilizado para o pagamento de juros e
amortização da dívida pública. Em 2016, o governo federal retirou mais
de R$ 20 bilhões. Aliás, já passou da hora de o Brasil realizar uma
auditoria da dívida pública.
A CPI da Previdência, instalada no
Senado Federal em abril deste ano, com a assinatura de todos os
partidos, está colocando os pingos nos is. De uma forma ampla e plural
está trazendo à tona toda a verdade que por décadas tentaram esconder
dos brasileiros.
Até o momento foram realizadas 29 audiências
públicas e ouvidas 122 pessoas, entre especialistas, técnicos,
professores, empresários, trabalhadores e representantes do governo. Em
outubro, o relatório final será apresentado.
Para se ter uma
ideia, apenas uma empresa do ramo frigorífico deve R$ 2,39 bilhões. Esse
valor é quase cinco vezes menor do que a sua controladora aceitou pagar
em um acordo de leniência com a Procuradoria-Geral da República. Outro
exemplo: dois bancos privados e dois públicos devem juntos mais de R$ 7
bilhões. Em audiência todos esses devedores declaram que estão em dia
com suas obrigações, mostrando, assim, que as brechas legais permitem
que devedores contumazes perpetuem suas dívidas.
O Tribunal de
Contas da União reconhece que a Previdência perde cerca de R$ 56 bilhões
por ano com fraudes, porem constatamos na CPI que as fraudes consomem
cerca de R$ 115 bilhões por ano.
Há também centenas de empresas de
diversos seguimentos da economia, associações educacionais, grupos de
comunicação e prefeituras que possuem dívida astronômica. Conforme
levantamento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, 73 deputados e
13 senadores estão ligados a grupos devedores, ou seja, um em cada sete
congressistas.
Os governos vendem para a população que a
Previdência não tem condições de se manter com suas próprias pernas e
que o rombo das suas contas é insustentável, levando a inviabilização
das aposentadorias e outros benefícios. A solução apresentada é a mesma
de sempre, a reforma do sistema. Mas, será que isso pode ser
legitimado?
O substitutivo da reforma propõe idade mínima para
se aposentar de 65 anos para homens e de 62 anos de idade para mulheres.
Para alcançar aposentadoria integral será preciso contribuir 40 anos
ininterruptos. Com a aplicação dessas regras a aposentadoria se tornará
algo quase que inalcançável. Assim, o governo abre caminho para a
privatização do sistema, entregando-o ao mercado e às companhias de
seguro.
A CPI está mostrando, com dados e números, que a
Previdência é superavitária e que a reforma é desnecessária. O que está
por trás dessa cortina de fumaça são interesses de grupos que não
aceitam uma seguridade social pública e universal. O interesse mais
premente é a implantação da seguridade privada, o que atrai muito a
atenção dos bancos e dos banqueiros!
O ponto nevrálgico,
intencional ou não, é a má gestão. Portanto, o gerenciamento
administrativo da Previdência deve ser ajustado, primeiramente, pelo
combate radical e transparente às fraudes, às sonegações, à corrupção e à
cobrança de dívidas. A sociedade exige uma operação lava jato na
Previdência.
Paralelamente, devem ocorrer modificações na
legislação para estancar toda essa sangria que leva para o ralo o
dinheiro suado dos trabalhadores, aposentados e pensionistas. Os
governos devem entender que o dinheiro da Previdência é da Previdência e
não pode ser usado para outros fins.
A Previdência não é barreira
para o crescimento do país. Pelo contrário, é suporte necessário para o
desenvolvimento social e para a inclusão de mais brasileiros na
cidadania. Se a tratarmos com a devida seriedade, colocando-a no seu
devido lugar, como estratégia de Estado, com certeza estaremos dando um
enorme passo para transformar o Brasil em uma verdadeira nação.
* Senador Paulo Paim (PT/RS) – Presidente da CPI da Previdência