Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Brizola, uma planta do deserto

Terça, 17 de outubro de 2017


Por Carlos Michiles
Com uma personalidade muito forte, forjada desde sua pobre e combativa infância, Brizola aprendeu desde os seus primeiros anos de vida a ver na vida uma luta constante. Porque, é preferível morrer lutando - como herança da ancestralidade de seu pai que morreu lutando - do que morrer sem razão para viver.

Com apenas um ano e meio foi no colo de sua mãe reconhecer o corpo de seu pai assassinado.

Como adulto rejeitou qualquer forma de vingança que aprendeu com a educação recebida de sua mãe. Quando se tornou deputado estadual ou governador do Rio Grande do Sul nunca passou pela sua cabeça a vingança pelo assassinato de seu pai que morreu na luta de um líder maragato. Apenas buscou encontrar o mandante da morte de seu pai para recuperar a arma que seu pai portava quando foi assassinado. Gesto sublime para um homem que reconhecia na consciência do conhecimento a ferramenta principal da sensatez humana. 

Desde essa época Brizola descobre Julio de Castilho, um intelectual de formação positivista com quem Brizola descobriu o valor essencial do conhecimento científico  como meio para atingir a verdade. 

Por causa de sua vida Brizola se considerava uma planta do deserto. Podia renascer apenas com uma gota de orvalho. Poderia vir uma avalanche de lama que não o levava porque considerava que tinha raízes fincadas na profundeza da história. 

Aos  23 anos Brizola entra na Faculdade de Engenharia do Rio Grande do Sul. Neste momento, começa seu envolvimento político que logo foi visto e identificado por Getúlio Vargas que estava presente num dos eventos políticos da época e ligo viu naquele jovem uma liderança promissora. 

Em 1946 Brizola se elegeu deputado estadual com o apoio de Getúlio Vargas. De 1958 a 1962 se torna governador do estado do Rio Grande do Sul e realiza a grande razão e sentido de sua vida: educação. Assim, com este pensamento fixo de estadista, constrói 5.958 escolas primárias acabando, ao fim de seu governo, com o analfabetismo no estado. 

Por causa dessa sua visão antecipadora de sua gestão publica na área de educação hoje o estado gaúcho, junto com Brasília exibe os melhores índices de leitores do Brasil. Brasília, claro, por outras razões que não cabe aqui. 

Diga-se que Brizola foi o único brasileiro a renascer, mesmo depois de mais de uma década de exílio, a governar dois estados da Federação. Em 1959 o estado do Rio Grande do Sul e em 1982 e 1990 o estado do Rio de Janeiro. Sendo que no Rio de Janeiro continuou sua saga em construir escolas para não desperdiçar recursos publicos em prisões. Brizola costumava dizer que não haveria limites de orçamento para a educação. Como governador gastava mais de 50 por cento do orçamento em educação. Como governador  carioca construiu 500 CIEPs. E o primeiro inaugurado recebeu o nome de Tancredo Neves, em homenagem à sua história ao lado de Getúlio Vargas. Um simbolismo mais que merecido por ter sido  Tancredo ministro trabalhista leal do presidente Getúlio  Vargas.

Brizola como uma planta do deserto se torna uma personalidade política longeva na história brasileira. Sempre se renovando e renascendo usando a palavra como recurso para dizer suas profecias humanas com sentido político de líderes com visão de estadista como ele. 

Como uma das funções da história é também refletir sobre as possibilidades de como seria a história caso determinadas lutas políticas resultasse em êxito, podemos fazer um exercício de reflexão da filosofia da história. 

É o caso de pensar em três momentos históricos em que Brizola protagonizou. 

Em 1961 com sua campanha pela legalidade que garantiu a João Goulart, seu cunhado, assumir a presidência da República resultado da renúncia de Jânio Quadros. Neste caso, mudou a configuração política a favor da história constitucional mas cercado de hienas políticas.

Em 1964 tentou resistir ao movimento militar que João Goulart não concordou para evitar o que considerava sacrifício de vidas. Naquele ambiente hostil da guerra fria um confronto poderia levar a irracionalidade do ódio de interesses internacionais surdos ao diálogo. 

Fato que levou ao rompimento dos dois políticos que ficaram sem se falar por 10 anos. Só depois desse tempo Jango, irmão querido de dona Neuza, esposa de Brizola e sua grande companheira, o procurou no exílio uruguaio num encontro emocionante e memorável.

Em 1989 é outra data que devemos reconhecer como o ano que poderia ter realizado aquilo que o filósofo alemão Hegel chama do "espírito da época". Brizola era o espírito daquela época. O momento adequado para  o epílogo de seu destino. 

Quando Brizola se tornou governador pela primeira vez do Estado do Rio de Janeiro ele organizou o maior comício das Diretas Já. O governador Brizola mobilizou mais de um milhão de pessoas no icônico comício da Candelária. Cinco anos depois, em 1989, concorre na primeira eleição direta para presidência da República, depois de 21 anos de regime militar autoritário.

Esta seria a hora e a vez de Brizola. O tempo da história o amadureceu para ser a combinação de seu destino. Parecia que todos os grandes pensadores que produziram o conhecimento da educação como emancipação da ignorância que obstrui a liberdade do ser humano como Rousseau, Kant, Hegel e o seu pensador predileto, o positivista  Júlio de Castilho e Alberto Paqualini o aplaudiam. 

É chegado o tempo de Brizola. O tempo adequado da planta do deserto completar o seu desabrochar.

Brizola como um sempre constante trabalhista seguiu sendo um alvo dos preconceito da esquerda e da direita que se juntaram numa conspiração midiática e manipulação eleitoral satânica para impedi-lo de chegar a presidência e cumprir com seu destino. E colocar a educação de qualidade em tempo integral que faria o Brasil de hoje ser o que poderia ter sido e não foi bem diferente do que é hoje. 

Mesmo sabendo que Brizola não gostava de cultuar sua imagem ou seu passado porque queria nesmo era transformar as condições atuais do presente, é preciso lembrar os bons exemplos para que não percamos a dignidade em alimentar a esperança no Brasil. 

Plantas assim fazem muita falta hoje.