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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Crianças soldados

Segunda, 23 de outubro de 2017
Por Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a democracia

Numa entrevista inédita Marcinho VP, que acaba de publicar um livro declarou que nunca foi líder de facção criminosa, mas que ainda adolescente serviu na “Guerra às drogas” como menino-soldado. Embora o Brasil não tenha conflitos internos, o fato de ser a 4ª Nação em desigualdades sociais do Planeta, tem produzido um estado de guerra permanente, onde milhares de cidadãos criminosos ou não, as maiores vítimas são as crianças. Pesquisas confirmam que 3,65 assassinatos no Brasil para cada mil jovens, são crianças, chegando no Nordeste a 6,5 para cada mil adolescentes.
O Disque Denúncia da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República registra 364 casos de violência contra crianças por dia, ou seja 77% das denúncias atingem pessoas em processo de desenvolvimento. Apesar desse alto nível de violência, o Senado federal debate a redução da maioridade penal como solução desse problema. O Brasil é signatário de documentos internacionais com o Estatuto de Roma, que proíbe expressamente o uso de crianças em conflitos armados externos ou internos. O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à participação de Crianças em Conflitos Armados obriga o Brasil a deixar fora desses conflitos todos os brasileiros menores de dezoito anos.

Embora o Brasil tenha assumido esse e outros compromissos com a comunidade jurídica internacional e seja passível de responsabilização pelo Tribunal Penal Internacional e pela Corte de Direitos Humanos da OEA, existem milhares de soldados-crianças em conflitos armados no território brasileiro. A resposta tem sido cada vez maior processo de exclusão, seja negando a efetivação de seus direitos fundamentais inscritos na Carta Maior e regulamentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, seja através do processo penal seletivo do direito penal, enjaulando-os nas unidades prisionais e socioeducativas.
Enquanto a Anistia Internacional afirma que existam 300 mil crianças-soldados em todo mundo, O Brasil sequer os contabiliza porque trata com naturalidade o acesso de crianças às armas e a sua segregação seletiva, além de negar a aplicação das ferramentas de prevenção e manutenção das pessoas em desenvolvimento nas creches, escolas e serviços de proteção oficiais. Apesar da lei expressamente prever que das piores formas de exploração infantil ser o trabalho no tráfico de drogas, ao invés de protege-los dessa crueldade, o Brasil tem criminalizado os jovens encaminhando-os para prisões de jovens, ainda que a lei expressamente determine que não cabe segregação, quando o ato infracional for praticado sem violência.
O Conselho Nacional de Justiça em recente pesquisa confirma essa seletividade quando afirma que passam pelas audiências de custódia em sua maioria pretos e pobres, muito deles vítimas da violência policial. Até quando conviveremos com essa covardia que faz com que o Estado brasileiro, ao desrespeitar os direitos fundamentais de seus cidadãos, estimule a rotatividade e a escalada de violência contra os mais vulneráveis?