Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 15 de outubro de 2017

Nem prefeito, nem presidente: Doria cai nas pesquisas e sofre desgaste

Domingo, 15 de outubro de 2017
Do Jornal do Brasil
Rebeca Letieri

A imagem de gestor e não-político propagada pelo prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) sofreu grande desgaste, como demonstra a última pesquisa para as eleições presidenciais de 2018, divulgada pelo Datafolha, no dia 7 de outubro. Além do revés sofrido contra seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin (PSDB), o levantamento apontou uma queda em sua aprovação (de 44% em fevereiro deste ano para 32%) e um aumento no número de eleitores que rejeitam sua gestão (de 13% para 26%). Especialistas apontam como causas as falhas de seu governo e o desencanto da população da capital paulista.

“Ele vendeu uma imagem errada. Quem vai para uma prefeitura é político. E há uma incompatibilidade grande entre ser gestor e político. Na medida em que ele vendeu essa imagem, entrou em diversas contradições: deixou de ser prefeito e começou a viajar o Brasil e o mundo para fazer política. E na medida em que ele vendeu a imagem de gestor e não mostrou serviço, se desgastou”, disse o professor da Escola de Sociologia e Política, Aldo Fornazieri.


Para o cientista político que vive na capital paulista, a situação da prefeitura de São Paulo está pior em vários aspectos, comparada com a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), vencido pelo tucano ainda no primeiro turno das eleições municipais.

“Desde o início desse ano, a cidade ficou mais esburacada. Teve semáforo que ficou mais de um mês queimado, e com as chuvas, esse problema voltou a ser recorrente. O programa Cidade Linda, como o próprio [ex-governador Alberto] Goldman falou, é um elemento de propaganda. Isso não existe”, afirmou Aldo, completando: “Sem falar nos vários problemas sociais, como as polêmicas com as merendas das creches, a censura ao grafite, o tratamento agressivo com as pessoas em situação de rua, a piora da cracolândia, e, agora, a ‘ração alimentar’”. 







1 / 15
“Racha” do PSDB

Doria chamou o vice-presidente nacional de seu partido e ex-governador de São Paulo, Alberto Goldman, de "improdutivo" e "fracassado", ao rebater as críticas feitas a ele por Goldman em vídeo publicado nas redes sociais. 

O racha dentro do partido envolvendo o nome de Doria não é novidade. O prefeito de São Paulo é acusado de traição, por fazer campanha à Presidência no lugar do nome lançado por seu partido, o governador Alckmin, que foi apontado pelos paulistanos como o melhor nome do PSDB para disputar o Planalto no ano que vem. No total, 45% dos entrevistados pela pesquisa da Datafolha preferem Alckmin, ante 31% que escolheram o prefeito João Doria. 

“A noção de traição é muito negativa na sociedade do ponto de vista do valor social e moral. Está explícito que ele está agindo contra os interesses do Alckmin. Ele é o candidato dele mesmo. Não tem compromisso partidário nem com o PSDB”, disse Aldo. 



Para o professor, além das críticas da oposição, o fato de Doria brigar dentro do seu partido indica que a situação do tucano não é boa.

“Em uma assembleia que ocorreu nessa última semana subiram deputados à tribuna, inclusive do PSDB, que fizeram críticas pesadas ao prefeito, e nenhum parlamentar sequer subiu para defendê-lo. Isso mostra um nível de desgaste imenso”, acrescentou. 


Depois de a pesquisa indicar uma queda na popularidade do prefeito, correm boatos de que o partido dos Democratas (DEM) teria desistido de apoiar sua pré-candidatura à presidência em 2018, preferindo o apresentador de televisão Luciano Huck. Doria minimizou a polêmica:

"Não é que desistiu. Primeiro eu preciso analisar essa posição. Quem deu a notícia não colocou fonte. Nós estamos em uma corrida que não é de 100 metros, é uma maratona. Estamos a um ano da eleição, é preciso ter um pouco de calma. Precisamos ter a noção de que maratona se disputa metro a metro, não é uma prova de velocidade", disse o tucano que ficou sabendo da notícia em Milão, na Itália.

"Eu tenho muito respeito pelo DEM. Não sei se essa notícia é verdadeira ou não, mas nunca me anunciei como candidato do DEM, nem queria ir para o DEM. Eu nem assumi [a pré-candidatura], como é que posso desistir?", comentou. 

Os candidatos que pretendem concorrer às eleições de 2018 têm até o dia 2 de abril de 2018 para estar filiado a um partido. 

Doria está em Milão para uma viagem de três dias à Itália, durante a qual ele tenta atrair investimentos estrangeiros para São Paulo, principalmente para seu programa de desestatização, que inclui a privatização de parques, de partes do sistema de transporte da cidade, do estádio do Pacaembu, do Sambódromo do Anhembi e do Autódromo de Interlagos. Ele ainda defendeu as reformas levadas adiante pelo governo do peemedebista Michel Temer.


“Obviamente que o DEM, e a própria aproximação do PMDB com o Doria, é natural. Até na própria figura de Temer, é interessante observar o veto do presidente na sanção da reforma política, no caso do candidato ter limite do quanto poderia investir na própria campanha. Isso foi estrategicamente direcionado para candidatos como Doria, que investiram muito do próprio dinheiro em sua campanha”, observou o cientista político Roberto Gondo, da Universidade Presbiteriana do Mackenzie, São Paulo.

Onde está Doria?

As frequentes viagens e ausências do prefeito da capital também alimentaram as críticas de eleitores. “Até agora, São Paulo não tem um prefeito”, disse Aldo repetindo as palavras de Goldman. 

Doria se definiu como "prefeito global", e afirmou que não pretende reduzir seu ritmo de viagens. Em sete meses de governo, o prefeito passou um dia por semana viajando, 32 dias fora do país. Só no mês de agosto foram 11 viagens para municípios brasileiros, onde participou de homenagens, entrevistas e encontros com empresários.





Na lista de cidades estão Fortaleza, Recife, Natal, Palmas, Curitiba, Santo André, Vilha Velha, onde foi recebido com protestos e precisou entrar pela porta dos fundos na Câmara Municipal. Além de Salvador, visita que ficou famosa por ter começado com uma ovada na cabeça do tucano.

Já o passaporte de Doria nestes primeiros meses de mandato foi carimbado para Emirados Árabes, Qatar, Coréia do Sul, Portugal, Estados Unidos, França, China, viagem que anunciou em entrevista a Folha de S. Paulo que faria para "vender São Paulo", e agora Itália. 

“Quando você tem o ator político como pré-candidato, ele acaba abandonando seu próprio cargo. É um processo natural da política, ainda mais no Brasil que é imenso. Se ele não obtém êxito, é natural voltar para a cidade. Doria coloca as atenções nele, e isso é um problema para a campanha presidencial dele. Cria um ritmo muito frenético no seu secretariado, e passa por cima de algumas coisas. Então acaba faltando planejamento”, comentou o cientista político Roberto Gondo da Universidade Presbiteriana do Mackenzie, São Paulo. 

"Ração" para população de baixa renda: último tropeço 

A falta de planejamento em gestão de políticas públicas está no centro das polêmicas que envolvem o tucano. A mais recente foi a proposta [Lei 16.704/2017] de erradicação da fome lançada no último domingo (8), considerada um retrocesso por especialistas em nutrição e pelo Conselho Regional de Nutricionistas de São Paulo (CRN-3). 


A ideia é receber doações de sobras de alimentos que seriam descartados pela indústria ou comércio e processá-los para produzir um "granulado nutricional" que será distribuído à população de baixa renda. Os doadores vão receber benefícios econômicos e isenção de impostos. A “ração”, popularmente chamada, vai ser produzida pela Plataforma Sinergia e distribuída nas cestas básicas entregues pelos Centros de Referência de Assistência (CRAS).

O CRN-3 emitiu nota na noite da última quarta-feira (11), em que se manifesta contrário ao projeto. A nota afirma que o programa contraria os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), bem como do Guia Alimentar para a População Brasileira. "Em total desrespeito aos avanços obtidos nas últimas décadas no campo da segurança alimentar e no que tange às políticas públicas sobre as ações de combate à fome e desnutrição", diz a nota publicada nas redes sociais do CRN-3.

Há mais de 10 anos, o principal mecanismo de combate à fome são programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Além de políticas de subsídios fiscais e de crédito para produção e aquisição de itens constantes da cesta básica. 

Em 2015, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) divulgou  relatório em que reafirma a importância do exemplo brasileiro para superar a fome no mundo. Recentemente, entretanto, com a queda na renda, o desemprego e a falta de investimentos em políticas públicas, a situação começou a retroceder.

“O Brasil conseguiu sair do mapa da fome, trabalho que vem sendo construído há anos. As campanhas e as políticas que construíram isso têm o foco em uma questão não apenas nutricional, mas alimentar em todos os aspectos, levando em conta as questões socioculturais: o dia-a-dia alimentar da população brasileira, o acesso ao alimento regional, e aspectos culturais da alimentação”, disse Dra. Vivian Zollar, conselheira do CRN-3. 

Ela explica que isso não significa que determinadas ações não sejam necessárias. E sim melhor planejadas.


A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania afirma que "a Política Municipal de Erradicação da Fome e de Promoção da Função Social dos Alimentos está sendo elaborada e será aprovada seguindo as normas e em conjunto com as políticas nacionais e também de acordo com as necessidades e anseios da população".

“A solução não é simples e pontual como fornecer esse granulado. Para se propor algum programa nesse nível seria necessário entender quais são as eficiências. Por isso a proposta deve vir precedida de estudos técnicos e uma conversa ampla tanto com a sociedade, quanto com a academia”, acrescentou.

Para a especialista, um ponto importante é que ninguém consegue saber o real valor nutricional desse produto, já que a Lei não oferece esses dados, nem a prefeitura. “Muita informação precisa ser divulgada até mesmo para tirar conclusões mais precisas”, completou. 

Além disso, iniciativas em prol do benefício defendido por Doria já existem, como os bancos de alimentos e hortas comunitárias. 

“O incentivo fiscal pode existir, mas para que isso funcione é preciso que as ações e informações sejam mais direcionadas e claras. E principalmente que haja fiscalização. Para que ninguém tire proveito para ter benefício. Ampliar esses bancos de alimentos e hortas comunitárias pode ter um efeito muito melhor do que o granulado”, enfatizou a conselheira.