Do Blogue Náufrago da Utopia
Celso Lungaretti
A
aberrante prisão preventiva do escritor e refugiado político Cesare
Battisti inspira justificados temores de que se pretenda entregá-lo à
Itália numa manobra-relâmpago, sem que o caso seja submetido ao Supremo
Tribunal Federal, que é a única instância com autoridade para determinar
se pode ou não ser alterada a decisão tomada pelo presidente Lula em
2010 e referendada pelo próprio STF em 2011.
Todos
os defensores dos direitos humanos e cidadãos com espírito de Justiça,
avessos às pressões arrogantes de governos estrangeiros em assuntos que
nos cabe decidir soberanamente, têm de se mobilizar para que a Justiça
brasileira seja respeitada!
Vale
lembrar que, na década passada, o Supremo apenas autorizou a extradição
de Battisti, reconhecendo, contudo, que a última palavra cabia ao
presidente da República, condutor das relações internacionais do País.
Qualquer artifício que se utilize para não repetir tal roteiro será um
expediente para burlar a Justiça. Um linchamento com aparência de
legalidade, enfim.
Por
que a extradição precisaria ser novamente autorizada pelo STF, dando ao
advogado de Battisti o direito de defender seu constituinte? Por estas
razões principais:
— da outra vez, já havia decorrido tempo suficiente para a sentença italiana estar prescrita, mas o relator Cezar Peluso alegou que o período de sua prisão no Brasil tinha de ser excluído da contagem. Quase uma década depois, não há dúvida nenhuma de que A SENTENÇA ITALIANA JÁ PRESCREVEU;
— o Brasil está legalmente impedido de extraditar o Cesare porque ele se tornou MARIDO DE UMA BRASILEIRA e PAI DE UM BRASILEIRO;
— nossas leis proíbem que um estrangeiro seja enviado a seu país de origem para cumprir pena superior à máxima aqui existente (que é de 30 anos), não tendo a Itália, até agora, efetuado a imprescindível alteração da sentença que condenou Battisti à prisão perpétua.
Salta aos olhos que uma decisão de afogadilho, como se pretende, será uma verdadeira aberração do ponto de vista jurídico!
Ao
autorizar a extradição em 2009, o STF não concedeu uma permissão eterna
para qualquer presidente brasileiro cumprir quando quisesse. O pedido
formulado pela Itália na década passada foi recusado por meio de um ato
jurídico perfeito e definitivo. A Itália pode formular outro pedido
hoje, mas este teria de cumprir o mesmo itinerário de então, passando
pelo Ministério da Justiça e desembocando no Supremo. O atalho que os
extraditadores sôfregos dizem ter encontrado, na verdade, não existe.
O site Poder360
informa que o ministro da Justiça Torquato Jardim defende a extradição
de Cesare Battisti e recomendará ao presidente Michel Temer que ceda às
pressões italianas. Ou seja, estimula-o a emporcalhar sua curta
permanência como presidente com a mesma ignomínia de Getúlio Vargas,
cuja atitude infame de entregar Olga Benário aos carrascos nazistas
jamais seria esquecida, nem será jamais perdoada!
Foi citado também o wishful thinking do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que declarou o seguinte:
"Se o presidente da República entender que é a melhor solução, é perfeitamente possível revogar a decisão anterior do ex-presidente Lula".
O
único mérito da desastrada aventura boliviana de Battisti foi colocar
em evidência o mostrengo que se gerava nas negociações secretas entre o
governo italiano e o brasileiro. Embora o daqui negasse a existência das
tais tratativas sigilosas,
o de lá não se fez de rogado, com o ministro das Relações Exteriores
Angelino Alfano abrindo o jogo numa mensagem eufórica que postou no
twitter e foi divulgada pela agência Ansa: "Hoje
trabalhamos com o embaixador [italiano no Brasil, Antonio] Bernardini
para trazer Battisti de volta e entregá-lo à Justiça".
Quanto
à posição do ministro Jardim, veio ao encontro do que um assessor de
imprensa do Itamaraty comunicou por telefone a este blogueiro (e também
ao jornalista Rui Martins, na Suíça), enfatizando que, ao contrário da
notícia do jornal O Globo, a primeira a revelar as
tratativas sigilosas, o ministro Aloysio Nunes não se alinhava com a
pretensão italiana nem participara de qualquer entendimento visando à
extradição de Battisti.
Já
a uma pergunta minha sobre o ministro Jardim, respondeu apenas que não
lhe cabia manifestar-se sobre assuntos da pasta da Justiça, já que não
falava em nome dela. Para bom entendedor...
Quanto
ao Gilmar Mendes, vale lembrar que, durante os vários julgamentos
relativos ao Caso Battisti no Supremo Tribunal Federal, ele
invariavelmente vestiu a camisa da Itália, chegando até a levar um puxão
de orelhas do maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari,
por sua flagrante tendenciosidade.
Ele
e seu aliado Cezar Peluso fizeram questão de deter durante todo o tempo
as duas posições mais influentes: Mendes começou como presidente do
Supremo e indicou Peluso para relator; depois, quando seu período na
presidência terminou, foi Peluso quem a assumiu... e fez de Mendes o
relator.
A
tabelinha não foi eficiente como as de Pelé e Coutinho: mesmo tendo
todos os trunfos nas mãos e nas mangas, ambos saíram com o rabo entre as
pernas. Nunca esquecerei a diatribe altamente insultuosa que, consumada
a derrota, Gilmar Mendes lançou em plena sessão da mais alta corte do
País contra seu colega Ayres Britto, que apenas se mantivera fiel a uma
posição já defendida várias vezes por ele no passado, a de que é o
presidente da República quem toma a decisão final nos casos de
extradição! Mendes perdeu totalmente as estribeiras...
E,
para quem não se recorda das intensas discussões do caso nas redes
sociais durante a década passada e início da atual, esclareço que a
sentença italiana foi uma condenação farsesca, baseada unicamente em
alegações interesseiras de delatores premiados, que atiraram suas culpas
nas costas de Battisti por suporem que ele estivesse a salvo para
sempre na França.
É que o premiê François Mitterrand, ciente das injustiças que o país vizinho cometia durante a caça às bruxas
subsequente à morte de Aldo Moro, oferecera abrigo aos perseguidos
políticos italianos que lá se refugiassem para levar vida ordeira e
produtiva (Battisti, p. ex., começou exercendo a profissão de zelador e
depois alcançou sucesso como novelista policial).
Três dos assassinatos demagogicamente trombeteados até hoje contra ele na mídia não passaram de AÇÕES COLETIVAS, nunca ficando provado por qualquer perícia que o disparo fatal tivesse partido dele, até porque BATTISTI HAVIA SE DESLIGADO DOS PROLETÁRIOS ARMADOS PELO COMUNISMO VÁRIOS MESES ANTES!!!
O
quarto assassinato foi um erro grosseiro dos promotores italianos, que
acreditaram piamente nas mentiras dos delatores premiados e não adotaram
a precaução óbvia de conferir datas.
Após
o advogado de Battisti atirar-lhes na cara que era fisicamente
impossível ele estar de corpo presente em duas localidades distantes
participando de atentados praticamente simultâneos, REESCREVERAM A ACUSAÇÃO, IMPUTANDO-LHE AUTORIA FÍSICA EM TRÊS ASSASSINATOS E AUTORIA INTELECTUAL NO QUARTO
(isto sem jamais terem provado que fosse ele o planejador das ações do
grupo, simplesmente foram pegos de surpresa e inventaram uma lorota a
toque de caixa para evitarem reconhecer que a acusação toda era um
amontoado de falsidades).
Enfim,
há muito sobre o caso que a grande imprensa omite ou minimiza, como o
fato de que o até hoje lamentado Alberto Torregiani não foi vítima de
Battisti nenhum: na troca de tiros entre o pai dele (Pierluigi) e os
ativistas do PAC, teve a infelicidade de ser atingido POR UMA BALA DISPARADA PELO PRÓPRIO PAI.
Isto,
aliás, ele já havia reconhecido em entrevista à imprensa italiana,
antes de o caso voltar à baila com enorme estardalhaço.
Aí,
surfando na onda, Alberto lançou um livro posando de vítima de Battisti
e resolveu tentar uma carreira política nas fileiras da ultradireita.