Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A República não foi promulgada e sim implantada

Quinta, 16 de novembro de 2017

Hélio Fernandes

Ela nasceu militar, militarista e militarizada. A belíssima e histórica geração de civis, se empenhou em duas extraordinárias campanhas. Os "abolicionistas" e os "Propagandistas da Republica". Foram todos superados.

Os dois marechais que vieram brigados (como coronéis) da estranha e extravagante "Guerra do Paraguai", se reconciliaram e se apossaram do poder.

Deodoro ficou como presidente que não mandava nada. Floriano como vice imponente, reforçado pelo cargo de Ministro da Guerra, que utilizou com seu estilo autoritário e draconiano. Foram nomeados em 25 de fevereiro de 1891, numa escolha sem povo e sem voto. Basta lembrar como foram recepcionados depois da nomeação.

Primeiro Deodoro, alguns aplausos e palmas formais. 1 hora depois Floriano, quase o plenário do Senado (ainda na Quinta da Boavista) não resistia ao estrondo em volta do vice. Quem sabia ver, viu logo, e não se surpreendeu quando 8 meses depois, ainda em 1891, Floriano derrubou Deodoro, acumulou todos os poderes.

A Constituição redigida e relatada por Rui Barbosa, determinava: "Se a presidência ficasse vaga por qualquer motivo, antes de completada a primeira metade do mandato, o vice assumiria e faria eleição (indireta) em 30 dias. Floriano, que não respeitava pessoas, porque respeitaria a Constituição. Assumiu a presidência e ficou sem consulta alguma, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Poderia ser para ele, mas não para Rui Barbosa, Ministro da Fazenda, e pessoalmente o nome mais importante da nascente Republica. Rui tomou posse com um discurso que aterrorizou os "barões do café" de São Paulo. Textual: "A Revolução Industrial da Inglaterra já tem mais de 100 anos e o Brasil insiste em ser um pais ESSENCIALMENTE AGRÍCOLA".

Isso tinha endereço certo: o Brasil plantava, colhia e vendia 96% do café bebido pelo mundo. 92% em São Paulo, 2% no Estado do Rio, outros 2 no Espírito Santo. Isso durou 30 anos, era uma riqueza intocável e intransferível. Que só foi atingida pela "quebra" de Wall Street, em 1929. O mundo empobreceu, passou a beber chá e outras bebidas mais baratas.

1 ano depois veio Vargas e a "revolução" de 30, o que fazer com a produção de 60 milhões de sacas sem comprador? A ruína da primarice: passaram a queimar café ou jogá-lo no mar. Era ditadura, o ditador podia fazer o que bem entendesse. Foi a primeira grande crise econômica, sem recuperação, a não ser o refúgio do "país do futuro". Esperado e alardeado ha128 anos.
 
Esta não é a República dos nossos sonhos

A frase, incisiva, elucidativa, definitiva, é do notável Saldanha Marinho, dos mais importantes propagandistas da República. Em 1860, antes da guerra do Paraguai, fundou o jornal diário, "A República". Pela ultima Constituição do Império, de 1846, para lançar um jornal era preciso autorização pessoal do imperador. Saldanha foi recebido por ele, leu o nome do jornal, falou, "todo sucesso  ao seu jornal". Um imperador que  diz isso, tem muito de republicano e democrata. Dom Pedro Segundo era exatamente isso.

Em 1886, o imperador pediu ao Primeiro Ministro, que em seu nome, convidasse Rui Barbosa para Ministro da Justiça. Rui, respondeu: "Por favor, diga ao Imperador, que estou envolvido num movimento, que será vitorioso, com ele se for possível, sem ele se for necessário". Era a República. 

PS- Não dá para relatar os caminhos e descaminhos da República. Mas foram lancinantes, melancólicos, traidores.

PS2- Em 1890, Saldanha Marinho se elegeu senador. Em 1892, estava na tribuna, um assessor lhe entregou um papel, que 2 soldados lhe passaram. Era uma ordem de prisão, vinda diretamente de Floriano.

PS3- Saldanha virou para o plenário, falou: "Estou sendo preso, quem assinou a ordem, não gosta de esperar". E acompanhou os policiais. 
 
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