Sexta, 17 de novembro de 2017
O intelectual ataca a incapacidade da classe política liberal de seu país em se conectar com a classe trabalhadora
POR DAVID MARCIAL PÉREZ - EL PAÍS / Foto: commons.wikimedia.org
e Portal ContextoExato
Um governante habilidoso e demagógico, que soube se conectar com os
“medos legítimos” de parte da sociedade, “como Hitler e Mussolini
fizeram antes”. Assim Noam Chomsky, o intelectual vivo da esquerda
clássica mais importante de seu país, desenhou Donald Trump na
quarta-feira, em uma breve entrevista coletiva na Cidade do México.
“Trump é um fenômeno que reflete o momento em que o país se encontra
depois de décadas de políticas que concentraram o poder político e
econômico em alguns poucos, e que deformaram a capacidade das
instituições para servir seus cidadãos”, acrescentou o professor emérito
do Massachusetts Institute of Technology (MIT), convidado pela
universidade mais emblemática do México, a UNAM, para o ciclo de
conferências Los Acosos a la Civilización. De Muro a Muro, organizado em
parceria com a Universidade do Estado do Arizona.
A ascensão do magnata republicano é - para o linguista de 88 anos, que
começou seu ativismo político contra a Guerra do Vietnã - resultado do
vazio, do desamparo e até da humilhação sentida pela classe trabalhadora
branca diante do establishment político norte-americano. “Especialmente
o Partido Democrata, que se esqueceu de abordar as questões materiais e
às vezes tratou essas camadas da sociedade como estúpidas”.
“Trump conseguiu fazê-los sentir que ele é o único político que lhes dá
voz, que defende suas tradições e sua cultura, que sentem ameaçadas.
Além disso, construiu um inimigo externo: os mexicanos, os asiáticos, os
migrantes. É a mesma lógica que Hitler usou com os judeus, embora,
obviamente, nem os judeus iriam destruir a Alemanha nem os migrantes
farão isso com os EUA”.
Sobre a renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte
(TLC), o filósofo interpretou a posição intransigente dos EUA como uma
oportunidade para os outros dois parceiros: “México e Canadá deveriam
aproveitar para introduzir elementos que favoreçam seus cidadãos, como
direitos sindicais”, além de enfatizar que “a origem do problema da
droga no México é os Estados Unidos”, lembrando que do vizinho do Norte
vem a maior demanda de drogas e a maior oferta de armas.
O surgimento dos novos movimentos sociais contra as políticas
neoliberais do fim dos anos noventa, conhecidos como antiglobalização,
recuperaram a figura do veterano filósofo com títulos como El Miedo a la
Democracia ou Como nos Venden la Moto (com Ignacio Ramonet), em que
explica, com linguagem simples e vontade pedagógica, os perigos da
desregulamentação dos mercados, da entronização das finanças e do
enfraquecimento dos sindicatos.
Aplicadas, por exemplo, ao fenômeno do aquecimento global, suas teses
ecoaram assim nesta quarta-feira na Cidade do México: “Se você é uma
empresa de petróleo, seu único interesse e objetivo é o lucro imediato.
Em seus planos operacionais você não concebe que o que está fazendo pode
acabar com a vida dos seus filhos. Tudo o que não é benefício é
considerado uma externalidade, algo acessório. Esse é o coração da
economia capitalista, um sistema destinado à autodestruição”.