Segunda, 13 de novembro de 2017
Do Esquerda.Net
Mais de 70 por cento da
população mundial depende da rede camponesa para toda ou grande parte da
sua alimentação, apesar desta rede só dispor de menos de 25% dos
recursos usados na agricultura. Por Silvia Ribeiro
13 de Novembro, 2017
A
cadeia alimentar agroindustrial ocupa mais de 75 por cento dos recursos
usados na agricultura, mas só alimenta o equivalente a 30 por cento da
população mundial
Em 2009, o grupo ETC (link is external)
publicou um relatório que mostrava que 70 por cento da população
mundial se alimenta graças à produção das redes camponesas e de outros
fornecedores de alimentos em pequena escala. O dado provocou surpresa e
às vezes negação, porque as transnacionais que dominam a cadeia
alimentar industrial se encarregaram de fazer-nos crer que são
imprescindíveis e que sem elas não se poderia alimentar a população, o
que é totalmente falso.
Na nova versão revista e aumentada, publicada em 2017, reafirma-se
que mais de 70 por cento da população mundial depende da rede camponesa
para toda ou grande parte da sua alimentação, ainda que esta rede só
disponha de menos de 25 por cento da terra, da água e dos combustíveis
usados na agricultura. A publicação Quem nos alimentará? A rede camponesa ou a cadeia agroindustrial? pode ser descarregada aqui (link is external).
Por outro lado, a cadeia alimentar agroindustrial ocupa mais de 75
por cento desses recursos, mas só alimenta o equivalente a 30 por cento
da população mundial. Além disso é uma fonte de problemas de saúde e
ambiente, e é a principal geradora de gases de efeito de estufa que
provocam as alterações climáticas, segundo dados de Grain (link is external).
O que no ETC chamamos rede camponesa inclui as e os camponeses e
indígenas, pastores, recoletores, caçadores, pescadores e pescadoras
artesanais, além de mil milhões de camponeses urbanos que mantêm
quintais, criação de pequenos animais e hortas em meios urbanos, o que
ao todo soma mais de 4.500 milhões de pessoas. A maioria dessas pessoas
realiza em certos momentos uma ou outra dessas atividades, que alternam
com empregos urbanos, por razões econômicas.
Definimos a cadeia alimentar industrial como uma sequência linear de
ligações que vão desde as matérias-primas e máquinas agrícolas (genética
vegetal e animal, agrotóxicos, fertilizantes, medicina veterinária,
maquinaria agrícola) até ao que se consome nos lares, passando pelas
cadeias de processamento, embalagem, refrigeração, transporte,
armazenamento, venda a granel, a retalho ou em restaurantes. Das
sementes aos supermercados, a cadeia é dominada por uma vintena de
transnacionais, às quais se juntam grandes bancos, investidores,
especuladores e políticos.
Os impactos negativos desta poderosa cadeia são generalizados, tanto
nas economias locais e nacionais como na saúde e no ambiente, mesmo para
além dos que conhecemos.
Por exemplo, por cada euro que os consumidores pagam pelos produtos
da cadeia industrial, a sociedade paga outros dois euros para remediar
os danos à saúde e ao ambiente que eles provocam. Segundo dados de 2015,
gastam-se 7.550 milhões de dólares por ano em alimentos industriais,
mas desta quantidade, 1.260 milhões são alimentos consumidos em excesso,
que provocam obesidade, diabetes e outras doenças e 2.490 milhões são
alimentos que se desperdiçam. Além do montante pago diretamente na
compra de produtos, a sociedade paga por danos à saúde e ambientais mais
4.800 milhões dólares. Portanto, do total de despesas relacionadas com a
alimentação industrial (12.320 milhões de dólares anuais) 70 por cento
são contraproducentes!
O montante do que se paga por danos à saúde e ao ambiente está
baseado em dados oficiais, que somente refletem uma parte das despesas
que se fazem em saúde. Não obstante, esse montante é cinco vezes a
despesa mundial anual em armas.
A cadeia alimentar agroindustrial produz muito mais comida que a que
chega a alimentar a população. Onde vai parar toda essa produção então?
Para começar, o nível de desperdício desde a agricultura industrial aos
lares é enorme: segundo a FAO é de 33 a 40 por cento. Se a produção
agrícola se mede em calorias – uma medida pobre, já que não mostra a
qualidade da energia, mas é a que está disponível – 44 por cento é para a
alimentação do gado (mas desta só 12 por cento chega à alimentação
humana), 15 por cento perde-se em transporte e armazenamento, 9 por
cento são usados em agrocombustíveis e outros produtos não comestíveis e
8 por cento vão para o lixo nos lares. Somente 24 por cento das
calorias produzidas pela cadeia industrial vão diretamente para
alimentar pessoas.
Há muito mais dados nas 24 perguntas que o documento coloca, que é um
trabalho coletivo destinado a ser acessível à maioria, com base em
centenas de fontes das Nações Unidas e organizações de investigação
académicas e independentes. Entre outras conclusões, fica claro que o
discurso sobre o sistema alimentar, vital para a sobrevivência de todos,
está repleto de mitos para favorecer a cadeia industrial, as empresas
transnacionais e os interesses financeiros que lucram com ela. Mas são
as redes camponesas que, apesar da enorme injustiça no acesso aos
recursos, alimentam a maioria da população mundial, cuidando da
biodiversidade animal, vegetal e microbiana, do ambiente e da saúde.
Artigo de Silvia Ribeiro, investigadora do grupo ETC, publicado no jornal mexicano La Jornada (link is external) em 10 de novembro de 2017. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net