Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 10 de dezembro de 2017

A LOC, Lei Orgânica da Cultura, já nos custou um ano de perplexidades e vai custar mais

Domingo, 10 de dezembro de 2017

"As coisas por sabidas não são ditas e, por não serem ditas, são esquecidas." Pablo Neruda
Hoje, 08 de dezembro de 2017, foi publicada a Lei Orgânica da Cultura - LOC. Há um ano e um mês a cidade está travando intensos debates e enfrentamentos políticos relativos a essa lei. Mas, no último dia de tramitação do projeto na Câmara Legislativa (10 de outubro), quando era pra encerrarmos os enfrentamentos, o governador enfiou uma emenda na LOC para dar o calote da maior parte dos recursos que seu governo tomou emprestado do Fundo de Apoio à Cultura - FAC.
Então, para que uma traição desse nipe nunca se repita, temos que deixar para todas as próximas gerações os conhecimentos que adquirimos sobre todos os aspectos da criação de uma Lei. Temos que registrar esse episódio na história das lutas culturais de nossa cidade, para que fique muito caro a Rollemberg. Tão caro que passe a funcionar como um recado aos próximos governadores: não menospreze a capacidade desse povo que sonha e luta. Esses verbos juntos podem ser explosivos, contagiosos e até desmoronar impérios.
"Quanto menos o povo souber como são feitas as salsichas e as leis, mais tranquilo dormirá". Otto von Bismarck
No caso específico, nosso movimento não conseguia desmoronar nem mesmo as barreiras que Rollemberg colocava à tramitação da LOC a cada dia que tínhamos uma emenda de proteção do FAC. Éramos fracos para vencê-lo, mas, em cada enfrentamento travado com seriedade, o exercício da luta nos fortalecia.
O debate do projeto da LOC passou pelas turbulências de um grande seminário, audiências, apelos, gritos, enfrentamentos, deputado saindo de fininho da sessão para derrubar quórum e assim impedir a votação na comissão, acordos convertidos em emendas, emendas que anulam acordos... Para fechar com chave de galão essa cadeia de atrocidades (nossa maior oficina de formação política), o governador aplicou o último golpe: no último dia de tramitação da lei, mandou uma emenda que criou na LOC o art 81, anistiando o Tesouro de pagar o que havia tomado emprestado do FAC até o fim de 2016.
Pra aprendermos como são feitas as leis, passamos pela escola mais conflituosa. Conhecemos os extremos do companheirismo e da desonestidade. Com a LOC, perdemos metade da inocência. Já não podemos mais dormir tranquilos depois do que aprendemos no processo produtivo da LOC. As salsichas podem até ser mais sangrentas, mas nem assim acredito que possam cheirar tão mal.
Nossa maior vitória foi ter reunido tanta gente que trabalha com cultura pra defender a cultura
Nosso Seminário de Cultura tem que entrar definitivamente pra memória da cidade. Durou uma tarde de sexta-feira e três sábados inteiros de debates e construções de emendas à LOC. Teve ampla participação inicial e manteve pelo menos umas 60 pessoas até o último dia de decisões, totalizando mais de 40 emendas à LOC. No seminário aprendemos a interpretar conteúdos legais e exercitamos o tratamento respeitoso de nossas divergências. Tudo com muita dificuldade, cansaço, aborrecimentos, conflitos organizativos entre movimento e governo, e até com fome, tendo em vista a extensão dos debates e a falta de estrutura do nosso movimento. Mas com muita paciência para debater e pra saber assimilar as derrotas de pontos de pauta.
Outro momento que não dá pra esquecer aconteceu em junho, quando o líder do governo, dep. Agaciel Maia, na presidência da CEOF, driblou nosso movimento, dizendo que não colocaria em votação o projeto de lei, do dep. Reginaldo Veras, que ia colocar o FAC nas exceções da LC 894 (lei que Rollemberg aprovou em 2015 para transferir os recursos do FAC para o Tesouro). Ao virarmos as costas, Agaciel colocou em votação e arquivaram o projeto, utilizando-se da maioria governista presente na comissão.
Há males que vêm pra bem
Indignados com o drible do líder do governo, elaboramos um projeto com o mesmo conteúdo do que ele arquivou, só que na forma de emenda à LOC. Na última semana de junho, conseguimos coletar assinaturas de 18 deputados para essa emenda. Tudo isso deu certo e nossa emenda foi aprovada em plenário, tornando-se o art. 79 da LOC. Com isso, conseguimos tirar o FAC dessa vergonhosa autorização de desvio de recursos.
O nosso problema é que não contávamos com a traição do Rollemberg
Em 2015, quando fez a LC 894, Rollemberg nos garantiu que o FAC apenas “emprestaria” recursos ao Tesouro e que tudo seria devolvido no fim ano. No fim de 2015 ele fez outra lei, prorrogando o prazo para 2016. E no fim de 2016 fez outra, estendendo o prazo do “empréstimo” para sempre. Depois que conseguimos o apoio de 18 deputados para tirar o FAC dessa LC 894, ele contra-atacou, apresentando em plenário uma emenda para dar o calote em tudo que havia retirado do FAC até o fim de 2016. A emenda dele é o atual art. 81 da LOC. Só em 2015 e 2016, ele tirou 106 milhões do FAC (cálculo no rodapé*).
Por isso, quando já pensávamos que tudo ia acabar bem, não acabou. Mas também não pode acabar mal.
A luta só termina quando acaba.
* Cálculo do valor do calote do Rollemberg nos "empréstimos" que retirou do FAC somente 2015 e 2016.
- Em março de 2015, o governo tomou “emprestado” todo o saldo da conta do FAC, que, conforme extrato do FAC que nos foi repassado pelo deputado Wasny, totalizou R$ 52 milhões
No dia de nossa manifestação em frente o Buriti (21/06/2017), em audiência com o Governador, o Secretário de Cultura entregou ao Fórum de Cultura uma folha com tabelas e gráficos contendo as seguintes informações:
- Ao longo de 2015, a obrigação de investir do FAC (0,3% da RCL) foi de R$ 59.567.297,00 e o governo pagou apenas R$ 35.048.130,43. Portanto, houve uma sobra (que ficou "emprestada" na conta do Tesouro) de R$24.519.166,57
- Ao longo de 2016, a obrigação de investir do FAC (0,3% da RCL) foi de R$ 64.827.032,00 e o governo pagou apenas R$ 34.693.940,06. Portanto, houve uma sobra (que ficou "emprestada" na conta do Tesouro) de R$30.133.091,94
Soma dos valores dos “empréstimos” acima:
R$ 52.000.000,00 sacados da conta do FAC em março de 2015;

R$ 24.519.166,57, que ficaram "emprestados" na conta do Tesouro no final de 2015;
R$ 30.133.091,94, que ficaram "emprestados" na conta do Tesouro no final de 2016.
 R$ 106.652.258,51 Total de empréstimos em 2015 e 2016