Sábado, 2 de dezembro de 2017
Ludmilla Souza – Repórter da Agência Brasil
Os
sonhos, pensamentos e desenhos de 22 crianças refugiadas no Brasil
agora viraram livro. Entre as autoras está a síria Shahad Al Saiddaoud,
de 12 anos. "A paz começa com um sorriso no rosto. Quero meu país, a
Síria, feliz, sem guerras", deseja ela. Suas irmãs Yasmin, 7, e Razan,
5, também participam da coleção, mas com desenhos que ilustram a alegria
de estar no Brasil, longe da guerra civil que devasta a Síria há seis
anos. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(Acnur), 5 milhões de sírios deixaram sua terra natal.
Refugiadas
junto com seus pais no Brasil, Shahad, Yasmin e Razan e também outras
19 crianças, de 5 a 13 anos, puseram seus sonhos no papel e a partir de
agora compartilham suas histórias e emoções na primeira coleção de
livros infantis escritos por crianças refugiadas lançada no país.
“No
livro falo sobre meu sonho, sobre a Síria, sobre meus parentes, eu
queria todo mundo feliz na Síria, não queria guerra. Esse é meu sonho,
queria todo mundo em paz”, emociona-se Shahad, que está há pouco mais de
um ano no Brasil. Já as irmãs falam pouco o português ainda, mas
afirmam que gostaram de participar da coleção. Já Shahad, quer escrever
outro livro. “Quero fazer uma ficção agora”, adianta.
O projeto é
resultado da parceria da AlphaGraphics, empresa de impressão digital,
com o Instituto de Reintegração do Refugiado (Adus) e a Estante Mágica,
que atua com projetos editoriais pedagógicos voltados a crianças. “Virou
mais do que um projeto, virou um sonho", conta um dos idealizadores da
coleção de livros, Rodrigo Abreu, conselheiro do Adus e CEO da
AlphaGraphics Brasil.
Ele conta que a ideia surgiu depois que ele
se tornou conselheiro do instituto e quis unir os dois projetos.
"Pedimos para que as crianças nos contassem os seus sonhos e o resultado
foi incrível, mostrando que o que falta para elas é uma simples
oportunidade", completa Abreu.
A AlphaGraphics foi a responsável
pela impressão dos livros e a seleção das crianças ficou por conta do
Adus. "Desde 2010, temos como missão no Adus atuar em parceria com
refugiados e pessoas em situação análoga ao refúgio para sua
reintegração à sociedade. Buscamos a valorização e inserção
socioeconômica, cultural para que se reconheçam e exerçam a cidadania
novamente", explica Marcelo Haydu, diretor executivo da instituição.
Dois
educadores da Estante Mágica prepararam o ambiente, conversaram com os
pequenos autores, ouvindo as histórias e trajetórias de cada um. Imersos
num mundo da imaginação e criatividade, cada uma das crianças se
permitiu pensar nos seus maiores sonhos e então colocaram no papel todas
as suas fantasias e expectativas.
Segundo Abreu, nesta primeira
etapa os livros não serão vendidos. “A primeira edição foi para as
famílias das crianças, para o Adus, e a imprensa, e agora vamos entregar
para escolas e bibliotecas”. Futuramente, as vendas serão revertidas às
famílias das crianças e a projetos que apoiam refugiados no Brasil.
Para o idealizador, o projeto ainda não terminou. “Vamos dar
oportunidade para novas crianças e as que participaram poderão fazer
novas edições”.
Os sonhos das jovens autoras vão longe - de
princesas a astronautas. No fértil imaginário infantil, bosques,
arco-íris, helicópteros, Chapeuzinho Vermelho e a paz são alguns dos
personagens e referências que dão vida às histórias e ilustrações de
seus primeiros livros, agora eternizados. Acima de tudo, os pequenos
sobreviventes compartilham suas histórias de resiliência e esperança.
"Meu
nome é Bader Munir Bader. Tenho 5 anos. Gosto do sol. Dos pássaros. E
das cores bonitas", escreve Bader, 5 anos, nascido na Arábia Saudita. Na
história, ele conta que adora futebol, pular e sua cor preferida é
verde-claro."As pessoas não têm coração para fazer o bem para outras
pessoas", conta a síria Hebra, fã de história, geografia, artes e
educação física.
Crianças refugiadas
Segundo
o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), mais de 9 mil refugiados
de 82 nacionalidades vivem no Brasil, principalmente vindos da Síria,
Angola, Colômbia, República Democrática do Congo e Palestina. Do total
acumulado de refugiados entre 2010 e 2015 (4.456), 599 eram crianças
entre 0 e 12 anos, compondo 13,2% da população refugiada no país.
Para
a legislação brasileira, a criança refugiada é aquela que foi obrigada a
deixar seu país devido a um temor de perseguição por motivos de raça,
religião, nacionalidade, grupo social, opiniões políticas de seus
familiares, conflitos armados, violência e violação generalizada de
direitos humanos.
No mundo todo, 91% das crianças estão
matriculadas na escola primária, enquanto que entre as crianças
refugiadas esse índice é de apenas 61%, segundo dados do Escritório das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).