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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Os trabalhadores e seu equivocado alinhamento pela redução de imposto

Sexta, 15 de dezembro de 2017
Da Tribuna da Imprensa Sindical
Por José Carlos de Assis



Certo despreparo do movimento sindical brasileiro fica patente em episódios como o alinhamento de entidades da classe trabalhadora com o patronato favorecendo políticas de redução de imposto. Pobres desses trabalhadores, não sabem o que fazem! E não sabem porque intelectuais das áreas econômica e social, muitos deles de correntes progressistas, não conseguem explicar que no imposto de hoje esconde-se a velha mais valia de Marx.

Vejamos. No século XIX e início do XX, o trabalhador, geralmente um operário de fábrica recentemente incorporado ao sistema fabril, defronta-se individualmente com o patrão. Na prática, não havia intermediário sindical ou governamental. O patrão comandava seu negócio como bem entendia, ficando o salário pago ao trabalhador entre o mínimo de subsistência e um máximo, quando em condições de pleno emprego.

A taxa salarial era regulada pelo exército industrial de reserva. Um alto desemprego favorecia a redução do salário, um baixo favorecia aumento de salário. Já o produto do trabalho tinha seu preço regulado pela concorrência intercapitalista. No entendimento de Marx, o valor da mercadoria, se não houvesse máquinas, seria determinado pelo conteúdo de trabalho nela existente e balizado pela concorrência (teoria do valor-trabalho).

Sem entrar em detalhes, pode-se dizer que, no século XIX, estando o trabalhador em confronto direto com o patrão, a mais valia – a parte de trabalho não paga em relação ao trabalho pago (salário) – era integralmente apropriada pelo empregador. Como, para Marx, a produção era a fonte primária do valor, para assegurar a circulação outros capitalistas do comércio e dos serviços também se apropriavam indiretamente da mais valia produzida.

Agora, vejamos. Na virada do século XIX para o século XX, diferentes movimentos sociais e políticos começaram a pressionar o Estado por serviços públicos. A forma de financiamento desses serviços foi a apropriação, pelo próprio Estado, de parte do conjunto da mais-valia gerada por todo o processo produtivo capitalista. Isso, na minha terminologia, chama-se mais-valia social. E é nada mais nada menos que o imposto.

Examinando-se todo o processo, vê-se que quem financia em última instância os serviços públicos, as obras públicas de infra-estrutura e as transferências sociais é o trabalhador, através dos impostos. Não estou falando do imposto que o trabalhador paga individualmente de forma direta e indireta. Este é pago duplamente. Estou falando do imposto que é deduzido da mais-valia global e se transforma em mais-valia social.

Meu objetivo com esta nota não é de sentido acadêmico. É chamar a atenção dos trabalhadores para a armadilha construída por entidades empresariais como Fiesp e Fecomércio em suas campanhas para a redução de imposto, usando para isso de farto dinheiro público - este, sim, roubado do povo através do sistema 4S. De fato, quem produz o tributo é o trabalhador. O empresário é apenas um intermediário.

As campanhas por redução de imposto de Fiesp e Fecomércio visam exclusivamente a apropriação pelo empresário de parte da mais-valia que se destina ao sistema público através do Estado. Um modelo tributário justo reduziria drasticamente o imposto pago pelo trabalhador e compensaria essa redução com aumento do imposto para os ricos. Com isso, reduziríamos a indecente concentração de renda e de riqueza que prevalece no país.

Fala-se em redução do imposto em geral para melhorar a eficiência do Estado. Imagino qual classificação deveria ser dada, na escala de eficiência, aos R$ 500 milhões que a Fiesp reuniu junto a outras entidades da indústria para comprar o impeachment de Dilma Roussef. Denunciei isso na época. Mas não encontrei nenhuma ressonância no Ministério Público. Penso que ele acha normal distribuir a mais-valia do trabalhador entre bandidos.

Agora tratemos do governo Temer/Meirelles. Imposto aqui, em lugar de serviços públicos, serve sobretudo para pagar juros extorsivos sobre a dívida pública. Como são os empresários os titulares dessa dívida, através da especulação financeira recebem praticamente toda a mais valia gerada no setor produtivo. A mais-valia social já não é mais propriamente social. É um instrumento do Estado para enriquecer ainda mais os já ricos.

P.S. A participação do imposto na renda global da Grã-Bretanha em fins de século XIX era de 8%. Basicamente para financiar Forças Armadas e polícia. Talvez este seja o modelo tributário social ideal da Fiesp, Firjan e da Fecomércio.