Segunda, 4 de novembro de 2017
Helena Martins - Repórter da Agência Brasil
Uma
pesquisa lançada nesta segunda-feira (4) aponta em quais casos o
brasileiro é favorável ao aborto, ao ser confrontado com diferentes
situações concretas vivenciadas pelas mulheres. Entre os entrevistados,
81% dos participantes da consulta afirmaram que concordavam com a
interrupção em, ao menos, um dessas situações: em caso de uma gravidez
não planejada; falta de condições para criar; no caso de meninas com até
14 anos; se o feto for diagnosticado com alguma doença grave ou
incurável; se a mulher correr risco de vida ou caso ela tenha ficado
grávida após ser vítima de um estupro.
Tendo em vista cada uma
das situações, o maior índice de apoio à interrupção se dá quando a
gravidez resulta de um estupro: 59% dos entrevistados se dizem
“totalmente a favor”. Se a mulher correr risco de morte na gestação e/ou
no parto, o índice passa para 48%. O número chega a 41% quando o feto
for diagnosticado com alguma doença grave e incurável, como quando a
mulher contrai zika durante a gestação, comprometendo o desenvolvimento
neurológico do bebê.
Os percentuais de apoio diminuem nas
situações em que se trata de meninas com até 14 anos grávidas (27%); se a
família não tiver condições de criar (19%) e em caso de uma gravidez
não planejada (11%). O maior índice de rejeição à interrupção é
exatamente neste último caso: 66% se dizem “totalmente contra” o aborto
quando a gravidez não é planejada.
Intitulada “Percepções sobre o
aborto no Brasil”, a pesquisa foi realizada pelo Instituto Locomotiva e
pela Agência Instituto Patrícia Galvão, em 12 regiões metropolitanas do
Brasil, entre os dias 27 de outubro e 6 de novembro. Foram ouvidas
1.600 pessoas, entre homens e mulheres com 16 anos ou mais. O estudo
indica que, quando as situações não são explicitadas, a maior parte das
pessoas se diz contra o aborto. Questionados sobre “o quanto é a favor
ou contra que as mulheres possam decidir por interromper a gravidez”,
62% dos participantes se disseram contrários; 26%, a favor; 10%, nem
contra, nem a favor; e 2% não sabiam ou não responderam.
Contradições
O
estudo revela que, entre aqueles que se disseram contrários ao aborto
de uma forma geral, 75% são favoráveis a que a mulher possa interromper a
gravidez em ao menos uma das situações listadas. A aparente contradição
é, na opinião da diretora-executiva da Agência Patrícia Galvão, Jacira
Melo, uma consequência da forma como o tema é tratado no Brasil. “Quando
você coloca o aborto em determinadas situações muito reais e concretas,
você vê que as respostas caminham para o lado da racionalidade, da
realidade. A população demonstra mais flexibilidade, um olhar mais
atencioso para o problema, que é um problema de saúde pública”, afirma.
A
pesquisa aponta ainda uma relação entre a opinião sobre o aborto e a
escolaridade do entrevistado. O número de pessoas favoráveis à
interrupção da gravidez acompanha o crescimento do nível de
escolaridade. Entre as que têm o ensino superior completo, 35% disseram
ser favoráveis ao aborto. Já o grupo de pessoas que têm até o ensino
fundamental completo é o que registra maior índice de rejeição à
interrupção da gravidez: 67%.
Pessoas conhecidas
Um
dado inédito trazido pela pesquisa aponta que 45% dos entrevistados
conhecem uma mulher que realizou um aborto ou interrompeu a gravidez. Em
números absolutos, o percentual corresponde a 72 milhões de brasileiros
com mais de 16 anos. Do total, 25% afirmaram que a conhecida que
interrompeu uma gravidez é uma pessoa próxima e 16% afirmaram não ser
“uma mulher não tão próxima”.
Quando analisado o gênero dos
entrevistados, a pesquisa conclui que mais mulheres do que homens
afirmam conhecer alguém que já realizou um aborto. São 52% no caso das
mulheres e 34% no dos homens. “Nós estamos falando exatamente dessa
questão: ao pé do ouvido, as pessoas estão falando do tema do aborto,
sobretudo as mulheres”, alerta Jacira. Para a diretora da Agência
Patrícia Galvão, “se esse tema fosse mais debatido, menos interdito na
sociedade, nós teríamos outra posição”.
Criminalização
A
pesquisa também investigou a percepção das pessoas sobre a
criminalização da prática do aborto. Questionados se “uma mulher que
interrompe a gravidez intencionalmente deveria ir para a cadeia”, 50%
concordam e 38% discordam. Porém, quando se trata de alguém próximo como
uma amiga que tenha feito aborto, 47% das pessoas não fariam nada e
somente 7% chamariam a polícia.
A abordagem policial da questão
não é considerada a mais apropriada, na opinião da maior parte dos
brasileiros. Cerca de 8 em cada 10 entrevistados afirmam que a discussão
sobre aborto no Brasil é uma questão de saúde pública ou de direitos,
enquanto apenas 1 em cada 10 acreditam que seria um "assunto de
polícia".
PEC 181
Atualmente em discussão na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181/2015,
que tratava inicialmente da ampliação da licença-maternidade para mães
com bebês prematuros, inclui dispositivos que podem abrir a
possibilidade de proibir todas as formas de aborto no país, inclusive
nos casos considerados legais atualmente, como o aborto. Inicialmente, o
texto tratava somente da ampliação da licença-maternidade para mães com
bebês prematuros
No Brasil, o aborto é legalmente permitido em
três casos: quando não há meio de salvar a vida da mãe, quando a
gravidez resulta de estupro e quando o feto é anencéfalo. De acordo com a
Pesquisa Nacional do Aborto 2016, feita por pesquisadoras da
Universidade de Brasília (UnB), apenas em 2015, 500 mil mulheres
realizaram um aborto ilegal. O número pode ser maior, já que muitas
pessoas praticam o aborto sozinhas e não comunicam o fato.