Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

"Lula, antes de tudo, corrompeu-se eticamente, ao rejeitar o humanismo e a revolução"

Quarta, 18 de janeiro de 2018
A pilhagem é o valor supremo do capitalismo, sendo todo milionário e bilionário um pilhador por excelência

Do Blog Náufrago da Utopia

Por David Emanuel de Souza Coelho

LULA E A CORRUPÇÃO

Lula praticou corrupção no sentido jurídico. Porém, tal forma de corrupção é apenas consequência de uma outra corrupção mais fundamental, de natureza ética.

Claro que se associar a pilhadores do dinheiro público é um desvio desmoralizante por si só. Porém, numa sociedade regida pela pilhagem generalizada, tal conduta não chega a ser anti-ética. 

A pilhagem é o valor supremo do capitalismo, sendo todo milionário e bilionário um pilhador por excelência. Na dinâmica do capital, legalidade e ilegalidade se embaralham e, no fim, a dose certa do crime acaba sendo a métrica de ação das forças judiciais.


Como já se falou por aí, de tempos em tempos a justiça burguesa opera uma limpeza no excesso de criminosos do colarinho branco, tudo para manter o crime nos limites toleráveis. Tal como no futebol, a disputa física é permitida, e até mesmo um tronco mais forte é aceitável; mas, quando a violência descamba, é preciso agir. 

O erro ético de Lula é mais profundo, trata-se do erro de ter escolhido os valores da sociedade burguesa. 

A autêntica ética é regida pelo humanismo, a busca pela realização, autonomia e completude do ser humano. Algo radicalmente contrário ao capitalismo e aos valores burgueses, centrados na diminuição do ser humano em favor do capital. 

Durante certa época, nos primórdios do capitalismo, a burguesia também foi humanista, ao menos nos países centrais. Tal fato, porém, mudou no século XIX, diante da realidade implacável de que seu poder só se sustentaria baseado na exploração e espoliação dos trabalhadores. 

A partir daí, a burguesia renegou o humanismo e aderiu a um discurso cínico e apologético. A desigualdade foi transformada em fato natural, inescapável, e a crítica social foi abandonada em prol da culpabilização individual: se você está na pior, o problema é seu e não da sociedade. 

O humanismo, contudo, não morreu, apenas mudou de mãos. Agora, o princípio humanista estava com a classe trabalhadora. Enquanto classe explorada, caberia a ela conduzir a crítica social e denunciar a desumanidade do capitalismo. 

Na mesma época em que a burguesia abandonava o humanismo, a classe trabalhadora, por meio de seus pensadores, identificava o capitalismo como sendo radicalmente desumanizador. Seja com os socialistas utópicos – de modo ainda confuso e idealista – ou com os anarquistas e comunistas, a sociedade capitalista era entendida como geradora de miséria, opressão e sofrimento. 

Com o tempo, foi transparecendo que a única solução possível seria a superação radical da sociedade capitalista em prol de uma nova sociedade. Revolução, portanto, seria a única alternativa viável para a realização do humanismo. 

Ora, sendo o humanismo um valor ético, a revolução só pode ser, igualmente, uma opção ética. A ética está no terreno da liberdade, e cada ser humano pode escolher adequar-se ou não a ela. Portanto, cada ser humano pode escolher ou não o humanismo, escolher ou não a revolução. 


Lula rejeitou a revolução e, portanto, rejeitou o humanismo, o resto é consequência. A corrupção fundamental de Luís Inácio foi a corrupção ética, quando aceitou a sociedade burguesa como o estágio definitivo da humanidade. 

Ao proceder deste modo, escolheu também os valores burgueses com todo o seu rosário de iniquidades. Aceitou que a exploração e a espoliação são elementos naturais da sociedade. 

A partir daí, participar da espoliação de modo ilegal seria apenas mais um fato da vida. Se todo mundo faz, por que ele não poderia também?

Como dito antes, a sociedade burguesa oscila entre o legal e o ilegal. Longe de ser uma anomalia, a ilegalidade é parte essencial do sistema capitalista, mas, igual às bactérias de nossos corpos, a ilegalidade precisa ser mantida em níveis aceitáveis. Faz, portanto, parte da calibragem do sistema o combate esporádico à corrupção.


Do mesmo jeito que faz parte dele um certo controle da pobreza e miséria extremas, donde podemos concluir que a famosa sensibilidade de Lula com os pobres não é um fator ético, mas tão somente parte de uma sistemática burguesa que oscila entre a denúncia implacável da feiura da fome e a culpabilização dos pobres pela sua própria pobreza. 

Nunca, é claro, tocando na raiz da origem da miséria: a sociedade capitalista ela mesma. 

Portanto, se Lula é hoje um corrupto do ponto de vista jurídico, é porque, antes de tudo, corrompeu-se eticamente, ao rejeitar o humanismo e a revolução.