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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Dificuldade conjuntural (e não, deficit estrutural) das Contas Previdenciárias e comparações relevantes

Sexta, 9 de fevereiro de 2018
Por
Aldemario Araujo*



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Em bilhões de reais

O discurso oficial aponta as despesas previdenciárias como o item de maior gasto público.

Não resta a menor dúvida acerca da enorme relevância das despesas da Previdência (e da Seguridade) Social. Afinal, se constitui num dos mais importantes fatores de realização da justiça social, eliminação da pobreza, redução de desigualdades sociais e regionais, todos objetivos da República Federativa do Brasil expressamente inscritos no artigo terceiro da Constituição.

Ocorre que os gastos previdenciários não figuram como a principal despesa pública. Esse tipo de consideração envolve, pelo menos, três pecados capitais: a) as despesas previdenciárias constituem um subconjunto das despesas com a Seguridade Social. É justamente esse universo mais amplo que é disciplinado na Constituição (art. 194); b) as despesas com a Previdência Social, e mesmo com a Seguridade Social, possuem fontes específicas de financiamento por força de disposição constitucional expressa (art. 195) e c) desconsidera relevantíssimos aspectos das políticas monetária, cambial e creditícia, focando exclusivamente a política fiscal. Se incluídos os elementos destacados, o serviço da dívida pública toma a dianteira em matéria de despesa pública mais importante.


Assim, o mais relevante nesse campo não é o dado da despesa em si, mas o eventual deficit estrutural, e não conjuntural, apurado entre receitas e despesas. Parece fora de qualquer dúvida razoável, depois de uma análise cuidadosa da situação da Previdência (e da Seguridade) Social, que um conjunto de fatores provoca dificuldades circunstanciais nas contas públicas nessa seara. São eles: a) a Desvinculação das Receitas da União (DRU); b) as desonerações fiscais; c) a inclusão indevida dos regimes próprios nos cálculos; d) a crise econômica com: d.1) redução considerável das receitas previdenciárias em função do enorme desemprego e d.2) redução significativa das receitas não-previdenciárias; e) ausência de contabilização da participação governamental; f) não constituição dos fundos específicos definidos na Constituição (arts. 249 e 250) e g) aumento sensível nas concessões de benefícios em função do anúncio da própria Reforma.

O quadro acima apresentado busca comparar manifestações socioeconômicas da realidade brasileira convenientemente esquecidas pelo discurso governamental, da grande imprensa e do indefectível mercado. Os números indicam claramente a magnitude do que é “escondido” ou “esquecido” na discussão em torno da Reforma da Previdência. Aliás, parece igualmente importante, ou até mais importante, um debate acerca das Reformas Tributária, Monetária, Cambial, Administrativa, na Dívida Pública, entre outras.

Infelizmente vivemos em um mundo onde conhecemos muito pouco sobre aquilo que usamos, defendemos ou criticamos. Um mundo de aparências, preconceitos, propagandas e enganos. Sabemos pouco sobre o que comemos, sobre nossos investimentos, sobre as estruturas políticas e de poder, e também sobre o que queremos. E é desse universo de desconhecimento, de comportamento míope e de manada que alguns poucos se aproveitam para ter cada vez mais poder, dinheiro e meios” (Eduardo Moreira. O que os donos do poder não querem que você saiba. Editora Alaúde).

Fontes dos dados apresentados e algumas considerações adicionais importantes:

(1) “Os super-ricos brasileiros detêm o equivalente a um terço do Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas do país em um ano, em contas em paraísos fiscais, livres de tributação. Trata-se da quarta maior quantia do mundo depositada nesta modalidade de conta bancária./O documento The Price of Offshore Revisited, escrito por James Henry, ex-economista-chefe da consultoria McKinsey, e encomendado pela Tax Justice Network, mostra que os super-ricos brasileiros somaram até 2010 cerca de US$ 520 bilhões (ou mais de R$ 1 trilhão) em paraísos fiscais”. Disponível em: portuguese/noticias/2012/07/120722_ricos_evasao_brasil_rp>. Acesso em: 10 jan 2018.

(2) Disponível em: rp20171222>. Acesso em: 22 dez 2017. A maior parte das reservas internacionais corresponde a títulos americanos que rendem juros baixíssimos. Inúmeros economistas destacam: a) que o nível das reservas é exageradamente alto (deveria observar um patamar menor) e b) o custo de formação (ou de carregamento) é muito elevado. Isso porque o Brasil lança títulos remunerados por juros SELIC (altíssimos) para captar os recursos a serem utilizados na formação das reservas em títulos americanos e dólares. Essas operações foram (e são) responsáveis por boa parte do aumento da dívida pública brasileira nos últimos anos. Eis outro bom campo, para controlado e disciplinado, render bons frutos aos cofres públicos e à sociedade brasileira.

(3) O volume de “operações compromissadas” cresceu tanto nos últimos anos que foi responsável por parte significativa do aumento do endividamento público. No Brasil, os condutores da política econômica converteram, na prática, um mero e relativamente modesto instrumento de política monetária, realizado pelo mundo afora, em um grandioso mecanismo de transferência de riqueza do conjunto da sociedade para setores já altamente privilegiados do todo-poderoso mercado financeiro. Em linguagem simples e direta, as operações compromissadas são “compras” de dinheiro dos bancos, realizadas pelo Banco Central, em troca de títulos da dívida pública com cláusula de revenda. Elas reduzem a liquidez (quantidade de moeda em circulação) e são fundamentais para a manutenção da taxa de juros em patamares altíssimos. Esses juros enormes são pagos pelo Banco Central aos bancos no momento de retomada dos títulos. Observe a evolução dos montantes das “operações compromissadas”, em bilhões de reais e em dezembro de cada ano: 2011 – 311,86; 2012 – 497,50; 2013 – 508,54; 2014 – 791,57; 2015 – 894,54; 2016 - 1.026,39 e 2017 – 1.113,15. Os dados estão disponíveis no site do Banco Central (http://www.bcb.gov.br > Economia e Finanças > Notas econômico-financeiras para a imprensa > Histórico > Política Fiscal > Dez/2017 > Quadro XXXVII – Operações compromissadas – Mercado aberto). Não seria de bom tom controlar esses tipos de operações? Os benefícios para os cofres públicos e para a sociedade brasileira não seriam infinitamente mais relevantes que a caça às remunerações dos servidores públicos e às aposentadorias e pensões?

(4) “Não há, portanto, qualquer exagero em estimar as perdas decorrentes da extensão às petroleiras, em seu conjunto, do benefício fiscal concedido em 1966 à Petrobrás e que, a rigor, se acha derrogado pela Constituição de 1988, a pretexto de assegurar a isonomia tributária, em cerca de R$ 1 trilhão. Na verdade, a se concretizarem as reservas estimadas de 176 bilhões de barris, essa renúncia fiscal, em um horizonte de prazo longo, chegaria a mais de R$ 4 trilhões, com facilidade” (MP 795/17: 1 benefício tri para o setor de petróleo e gás. Luiz Alberto dos Santos. Disponível em: php/noticias/agencia-diap/27752-mp-795-17-1-beneficio-tri-para-o-setor-de-petroleo-e-gas>. Acesso em 15 jan. 2018).

(5) “Segundo o Ministério da Fazenda, de 2003 a 2016 os subsídios embutidos em operações de crédito e financeiras somaram quase R$ 1 trilhão – 420 bilhões do total foram para o setor produtivo” (Folha de São Paulo, dia 6 de agosto de 2017). Disponível em:mercado/2017/08/1907561-bolsa-empresario-superabrprogramas-sociais.shtml>. Acesso em: 17 jan. 2018. A maior parte desses benefícios não aparecem expressamente no orçamento discutido e aprovado no Congresso Nacional. Um corte criterioso nesse campo, afastando aqueles subsídios indevidos, produziria recursos bilionários em favor dos cofres públicos.

(6) “Os resultados indicaram que, mantendo todos os demais parâmetros constantes, a arrecadação tributária brasileira poderia se expandir em 23,9% caso fosse possível eliminar a evasão tributária cujo indicador médio para todos os tributos apontado neste trabalho foi da ordem de 8,4% do PIB./Na hipótese ainda de se levar em conta apenas a média dos indicadores de sonegação dos tributos que têm maior relevância para a arrecadação (ICMS, Imposto de Renda e Contribuições Previdenciárias) poder-se-ia estimar um indicador de sonegação de 28,4% da arrecadação (percentual muito próximo do indicador de sonegação para o VAT em países da América Latina que foi de 27,6%), que equivale a 10,0% do PIB, o que representaria o valor de R$ 415,1 bilhões caso levado em conta o PIB do ano de 2011. Tomando-se em consideração esse último indicador para a sonegação, poder-se- ia afirmar que se não houvesse evasão, o peso da carga tributária poderia ser reduzida em 28,4% e ainda manter o mesmo nível de arrecadação. Esses R$ 415,1 bilhões estimados de sonegação tributária são superiores a tudo o que foi arrecadado, em 2011, de Imposto de Renda (R$278,3 bilhões), a mais do que foi arrecadado de tributos sobre a Folha de Salários (R$ 376,8 bilhões) e a mais da metade do que foi tributado sobre Bens e Serviços (R$ 720,1 bilhões)” (http://www.quantocustaobrasil.com.br/artigos/sonegacao-no-brasil-uma-estimativa-do-desvio-da-arrecadacao).

(7) O pagamento de juros da dívida pública brasileira registrou a impressionante cifra de 501,78 bilhões de reais em 2015. Como foi dito, o serviço da dívida pública toma a dianteira em matéria de despesa pública mais importante. O dado está disponível no site do Banco Central (http://www.bcb.gov.br > Economia e Finanças > Notas econômico-financeiras para a imprensa > Histórico > Política Fiscal > Dez/2017 > Quadro XVI – Juros nominais por indexador).

(8) “A Seguridade Social é superavitária mesmo com a crescente subtração das suas receitas pela incidência da Desvinculação das Receitas da União (DRU) – estimada em cerca de R$60 bilhões nos últimos anos e, aproximadamente, R$500 bilhões nos últimos dez anos (2006 a 2015)”. Previdência: reformar para excluir? Contribuição técnica ao debate sobre a reforma da previdência social brasileira - Brasília: ANFIP/DIEESE; 2017. Disponível em: evento/2017/reformarParaExcluirCompleto.pdf>. Acesso em 26 jan. 2018.

(9) Esse número não retrata o estoque total da Dívida Ativa da União (próximo de 2 trilhões de reais). Deve ser registrado que existe uma significativa e histórica dificuldade de recuperação desses valores em função de uma conjugação de fatores que passam basicamente: a) pelas insuficiências de pessoal envolvido com a atividade; b) pelas limitações orçamentárias que dificultam o adequado aparelhamento para a cobrança e c) pelas restrições legais indevidas ao constrangimento dos patrimônios dos devedores. Disponível em: br/arquivos-de-noticias/EVOLUCaO%20DO%20ESTOQUE.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2018.

(10) “As chamadas renúncias tributárias, ou seja, a perda de arrecadação que o governo registra ao reduzir tributos com caráter "compensatório" ou "incentivador" para setores da economia e regiões do país, estão estimadas em R$ 284 bilhões neste ano./Juntamente com os benefícios financeiros e creditícios (R$ 121,13 bilhões), os valores totais estão projetados em R$ 406 bilhões para este ano, com alta de 7,4% frente ao ano de 2016 (R$ 378 bilhões). Os números são da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU)” (https://g1.globo.com/economia/noticia/renuncia-fiscal-soma-r-400-bi-em-2017-e-supera-gastos-com-saude-e-educacao.ghtml). Eis outro bom e largo campo para suspensões e cortes dos itens indevidos.
(11) “Cálculos feitos pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), com base em informações oficiais e obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação, estimam que chegue a R$ 256 bilhões o que o governo deixa de arrecadar com apenas três dos seis programas de perdão ou renegociação de dívidas criados em 2017”. Disponível em:br/default.aspx?section=8&articleId=6706>. Acesso em: 24 jan. 2018.

(12) “O déficit da Previdência Social somou R$ 268,8 bilhões no ano passado, considerando o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os servidores públicos da União, informou a Secretaria de Previdência, ligada ao Ministério da Fazenda, em relatório divulgado a jornalistas em Brasília nesta segunda-feira. O rombo é o maior desde o início da série histórica, em 1995. Em 2016, o déficit foi de R$ 226,884 bilhões”. Disponível em: brasil/5272353/deficit-da-previdencia-aumenta-para-r-2688-bilhoes-em-2017>. Acesso em: 30 jan. 2018. A “Análise da Seguridade Social em 2016”, publicação da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), identificou, pela primeira vez, um deficit nas contas da Seguridade Social (quase 57 bilhões de reais). Afirma o estudo da ANFIP, com acerto: “… o saldo negativo desse exercício [de 2016] como eventual, e não estrutural, como fazem parecer o governo e os defensores da reforma da previdência”.

(13) “Previdência gasta R$ 56 bilhões por ano com fraudes e erros, estima TCU. Valor equivale a 30% do seu déficit previsto para este ano”. Disponível em: economia/previdencia-gasta-56-bilhoes-por-ano-com-fraudes-erros-estima-tcu-21725551>. Acesso em: 29 jan. 2018. “O Tribunal de Contas da União (TCU) estima que o Brasil perde cerca de 56 bilhões de reais por ano com fraudes contra a Previdência, porém a CPI constatou que esse número chega a R$ 115 bilhões por ano. Para especialistas e estudiosos, ouvidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência, é unânime combater à sonegação e à fraude nas contas da Previdência” Disponível em: site/2017/09/cpi-da-previdencia-estima-perda-anual-de-r-115-bi-com-fraudes/>. Acesso em 29 jan. 2018.


*Aldemario Araujo Castro
Professor
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional