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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Identificação de menores infratores em matéria jornalística, mesmo que indireta, é vedada pelo ECA

Quarta, 14 de fevereiro de 2018
“houve violação do artigo 247 do ECA, não só pela veiculação dos nomes e fotografia das genitoras, mas, também, pela associação dessas informações a imagens de tatuagens e outras partes dos corpos dos menores..."

Do STJ
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veda a veiculação de notícias que permitam a identificação de adolescentes infratores, inclusive nas hipóteses em que a matéria jornalística forneça elementos isolados que, apenas ao serem conjugados, possibilitem a identificação indireta do menor.

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso do Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) contra acórdão que havia isentado revista semanal de multa por ter divulgado reportagem com elementos capazes de identificar menores infratores.
O colegiado, por unanimidade, determinou o retorno dos autos à origem para que sejam apreciados os pedidos subsidiários da apelação da editora e dos jornalistas no que diz respeito ao valor da condenação, que pode chegar a 30 salários mínimos.
Segundo o recurso do MPDF, a publicação permitiu a identificação indireta dos menores, por meio de fotos, imagens e nomes reais de suas mães.
Na primeira instância, o magistrado entendeu haver violação ao ECA, afirmando que a edição do periódico permitiu a identificação dos menores. Posteriormente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) reformou a sentença e julgou improcedente a ação. Para o TJDF, a relevância da discussão sobre maioridade penal e o enfoque no estilo de vida dos infratores justificaria a exposição.
Segundo o relator no STJ, ministro Og Fernandes, a proteção do menor infrator contra a identificação em matérias jornalísticas – prevista no ECA de forma alinhada a normas internacionais – visa proteger a integridade psíquica do ser humano em formação e assegurar sua reintegração familiar e social.
Para o ministro, no caso julgado, “houve violação do artigo 247 do ECA, não só pela veiculação dos nomes e fotografia das genitoras, mas, também, pela associação dessas informações a imagens de tatuagens e outras partes dos corpos dos menores. Não houve, ao contrário do que afirma o acórdão recorrido, a preservação da identidade dos menores apenas porque se omitiram seus nomes e rostos”.
Efetiva e integral
De acordo com Og Fernandes, a vedação prevista no ECA proíbe a divulgação de qualquer elemento que permita a identificação direta ou indireta do adolescente que tenha cometido ato infracional. O ministro disse que o entendimento do STJ é de que a proteção ao adolescente infrator vai além do nome ou da imagem, devendo sua identidade ser preservada de forma efetiva e integral.
“É de se notar que a norma não afirma a necessidade de a identificação ser viabilizada ao público em geral; ao contrário, bastaria que a informação divulgada tivesse o potencial de, por exemplo, permitir a um vizinho, colega, professor ou parente do adolescente infrator o eventual conhecimento de seu envolvimento em situações de conflito com a lei para configurar-se a violação da garantia do ECA”, explicou.
O ministro lembrou que a revista tinha autorização da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal para a realização das entrevistas, mas não a autorização para identificação dos menores, conforme exigido pelo ECA. A revista ainda teria desconsiderado os termos da autorização, que, segundo os autos, eram claros no tocante à proibição de divulgar quaisquer elementos – fotos, nomes e sobrenomes – que pudessem identificar os jovens.
“A garantia do anonimato do adolescente, de sua intimidade, é o objetivo último da norma, seu objeto jurídico tutelado, e deve ser assegurado de forma efetiva, sem subterfúgios, em observância ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente”, frisou o relator.
Imprensa
O ministro esclareceu que a restrição prevista no ECA não causa qualquer prejuízo à liberdade de imprensa. “Não se pode ter por razoável o afastamento de direitos expressamente positivados apenas porque determinada publicação ou parcela, mesmo que realmente majoritária, da sociedade considera os sujeitos tutelados indignos da proteção conforme conferida pela lei. É exatamente para a proteção da minoria contra abusos da maioria que historicamente se estabeleceram os direitos humanos”, frisou.
Segundo Og Fernandes, a relevância da discussão sobre a forma de punição de adolescentes que transgrediram uma lei não autoriza veículos da imprensa brasileira a violarem outra lei, no caso, o ECA.
O relator destacou que jornalistas, sindicatos e órgãos de imprensa nacional e internacional reconhecem que “o exercício da liberdade de imprensa coaduna-se com a promoção de valores humanos e, expressamente, preveem a preservação da privacidade e imagem, em particular de crianças, salvo em caso de interesse público. Este, no entanto, não pode ser confundido com o interesse do público, que facilmente se mistura com o sensacionalismo”.