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(Millôr Fernandes)

domingo, 11 de março de 2018

Intervenção desastrosa: Atuação de militares no combate ao tráfico de drogas no México é colocada em xeque

Domingo, 11 de março de 2018
Do Jornal do Brasil
Denis Kuck
A decisão de transferir a responsabilidade sobre a segurança pública do Rio de Janeiro para os militares, aprovada em 20 de fevereiro, já foi aplicada de forma semelhante em outros países do mundo. Um exemplo emblemático é o México, onde a ocupação do território nacional pelo exército, aprofundada a partir de 2006, não conseguiu resolver o problema da violência. Pelo contrário: um exemplo é o surgimento da brutal organização criminosa Los Zetas, surgida de uma força de elite encarregada de combater o tráfico de drogas.

Os números não mentem. Após um período de queda nos índices,  2017 foi o ano mais violento da história do país. Segundo levantamento anual divulgado pela organização não governamental Segurança, Justiça e Paz, a cidade mais violenta do mundo fica no México: Los Cabos, com uma taxa de 111,33 homicídios por cada mil habitantes. Caracas, na Venezuela, ocupa a segunda colocação, enquanto a mexicana Acapulco vem logo a seguir. Das 50 cidades mais violentas, 12 ficam no país.
Para Danillo Bragança, professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em segurança na América Latina, o uso dos militares no combate ao narcotráfico no México tornou o problema ainda mais complexo.

Soldada do exército mexicano vigia a cena de um crime em área turística na cidade de Acapulco. Antes conhecida pelos resorts, a cidade se tornou uma das mais perigosas do mundo
Soldada do exército mexicano vigia a cena de um crime em área turística na cidade de Acapulco. Antes conhecida pelos resorts, a cidade se tornou uma das mais perigosas do mundo

 “Assim como no Brasil, no México existia a percepção de que os militares não eram corruptíveis. Daí eles foram colocados nas ruas em contato com a polícia, já corrompida. Os Zetas, por exemplo, limparam as rotas do tráfico dos criminosos, mas depois assumiram o controle dessas mesmas rotas. Um cartel com homens bem treinados, extremamente violento”, afirma. 
A avaliação da organização Human Rights Watch é de que o emprego das forças armadas tem sido um desastre. “Foi como jogar combustível no fogo. Em 2017, houve mais de 29 mil homicídios no país, maior número desde 1997”, critica o organismo. 
Desde 2007, cerca de 200 mil pessoas morreram e mais de 30 mil desapareceram devido à violência relacionada às drogas. 
A presença dos militares nas decisões do poder no México é algo antigo, que remonta à década de 80 e aumentou nos anos 2000. Em 2006, no governo do presidente Felipe Calderón (Partido Revolucionário Institucional), as forças armadas passam a conduzir efetivamente as políticas de segurança.
A violência no México é complexa. Além dos carteis, surgem as forças de autodefesa, milícias formadas por moradores para combater os traficantes, que geralmente não são tão combatidas pelas operações do exército como os criminosos tradicionais. Um grupo foi criado especificamente para lutar contra os Zetas, que atuam principalmente no centro e norte do país, o Mata Zetas. 
Danillo explica que durante um período a violência chegou a ser estabilizada. A estratégia do governo foi destruir as principais organizações criminosas do país, deixando uma delas com maior domínio, o Cartel de Sinaloa. “Isso fez com que a situação se estabilizasse. Mas logo depois surge um vácuo, com vários grupos lutando para retomar o controle do narcotráfico. A violência explode novamente”, diz o professor.
Em 1o de julho deste ano, serão realizadas eleições presidenciais no México. O candidato Andrés Manuel López Obrador, do recém criado Morena (Movimento Regeneração Social), tem uma visão mais crítica da intervenção. E como o trunfo o fato de ter conseguido diminuir os índices de violência na Cidade do México, quando foi governador, com o uso de inteligência policial e monitoramento
Recentemente, a promotoria do estado de Veracruz denunciou a existência de um esquadrão da morte que funcionou dentro das forças de segurança, com o objetivo de combater os Zetas. O grupo é acusado de 15 desaparecimentos em 2013, mas há provas de que atuou por muito mais tempo. Em 8 de fevereiro, uma juíza determinou a prisão de toda a cúpula policial do estado - 31 pessoas foram presas. Um fato inédito no país. 
Trata-se de boa notícia, mas apenas um parenteses num processo ainda muito contaminado pela violência e corrupção das forças de segurança. Em 2017, foi aprovada uma Lei de Segurança Nacional que regulamenta a atuação das forças armadas. Entre as mudanças, os militares ganham poder de prender suspeitos. Organizações de direitos humanos dizem que a medida perpetua um estado de exceção iniciado com a intervenção de 2006. 
“A missão do exército é externa, controlar as fronteiras. O tráfico é internacional. A função principal dos militares é subvertida em todo continente quando eles passam a ocupar o papel da polícia”, critica Danillo.