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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 27 de março de 2018

MPF denuncia três ex-agentes da ditadura por desaparecimento de militante político em 1971

Terça, 27 de março de 3018
Do MPF
Sequestro de Aylton Mortati é considerado permanente, pois seus restos mortais nunca foram encontrados
Depois de levado para o DOI, na zona sul de São Paulo, Aylton Mortati nunca mais foi visto (foto: Divulgação)
Depois de levado para o DOI, na zona sul de São Paulo, Aylton Mortati nunca mais foi visto (foto: Divulgação)

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou três ex-agentes da repressão pelo desaparecimento do militante político Aylton Adalberto Mortati em 1971. O policial Walter Lang, o delegado Cyrino Francisco de Paula Filho e o investigador Dirceu Gravina são acusados pelo sequestro da vítima. O crime, neste caso, é considerado permanente, ou seja, a sua ocorrência se perpetua no tempo. O trio estava a serviço do Departamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, na capital paulista, um dos mais ativos centros de perseguição política, tortura e morte durante a ditadura militar.
Aylton Mortati era uma das lideranças do Movimento de Libertação Popular (Molipo), grupo dissidente da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Walter e Cyrino vigiaram a rotina do militante durante um mês, até que o abordaram no início de novembro de 1971 nas imediações de sua casa, na Vila Prudente, zona leste de São Paulo. Preso, o ativista foi levado ao DOI, onde a equipe chefiada por Dirceu o submeteu a sessões de tortura. Ele nunca mais foi visto, nem seu corpo, encontrado.

O monitoramento das atividades de Aylton se intensificou meses antes, quando ele retornou de uma viagem a Cuba. Documentos oficiais da época demonstram que o líder do Molipo era um dos alvos da chamada Operação Ilha, destinada à eliminação de militantes recém-chegados de treinamentos no país comunista. Pouco depois de seu desaparecimento, relatórios internos dos órgãos de repressão já indicavam que o ativista havia sido morto. Porém, apesar de todas as evidências, o regime militar nunca admitiu ter efetuado a prisão e manteve a versão de que Aylton era um “foragido”.

“Inúmeros documentos comprovam que Aylton era perseguido pelos militares, tendo contra si diversos mandados de prisão expedidos, inquéritos policiais etc. Com efeito, os órgãos da repressão nutriam especial interesse nas atividades dele, haja vista sua liderança e treinamento de guerrilha”, destacou o procurador da República Andrey Borges Mendonça, autor da denúncia. “É inequívoco que a intenção da repressão não era apenas prender Aylton”.

Participação - Em entrevista para o livro A Casa da Vovó, do jornalista Marcelo Godoy, Walter Lang admitiu ter participado, ao lado de Cyrino de Paula Filho, do episódio que culminou com a prisão do militante. A versão foi confirmada em depoimento de Lang ao MPF. Já a responsabilidade de Dirceu Gravina foi constatada a partir de relatos de outras pessoas presas no DOI na época. Segundo os testemunhos, o então delegado chegou a gabar-se de ter “barbarizado” Aylton, uma referência expressa às sessões de tortura.

Todos foram denunciados por privarem Aylton de sua liberdade, pois, não havendo comprovação oficial de sua morte, a condição de sequestrado permanece até hoje. O MPF quer, além da condenação dos envolvidos, que a Justiça considere circunstâncias agravantes no momento de julgá-los, entre elas abuso de autoridade e a manutenção clandestina da vítima em prédio público federal.

O número processual é 0003737-43.2018.4.03.6181. A tramitação pode ser consultada aqui.