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(Millôr Fernandes)

sábado, 14 de abril de 2018

Após um mês, investigação da morte de Marielle é marcada por incógnitas; "Choro, mas prefiro ver as notícias a esquecer", diz mulher de Anderson

Sábado, 14 de abril de 2018
Helena Martins - Repórter da Agência Brasil
Um mês depois do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes, ninguém foi identificado como mandante ou mesmo executor do crime. Poucas informações foram divulgadas até o momento e as autoridades continuam investigando o caso.

Nesta semana, o ministro interino da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, afirmou que a investigação “está avançando, mas essas informações estão todas restritas à polícia que está fazendo a investigação”.
As primeiras pistas foram imagens das câmeras de segurança espalhadas pelo trajeto percorrido por Marielle e Anderson até a rua onde foram mortos, mas exatamente no local há um “ponto cego” das câmeras, que não gravaram o momento do assassinato.
A polícia chegou a apreender um carro em Ubá (MG) que poderia ter sido usado no crime, o que depois foi descartado.
As balas recolhidas no local do crime foram analisadas. Identificou-se que a maior parte teria sido roubada de um carregamento da Polícia Federal há alguns anos, como anunciou o ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann. Até agora, não foi divulgado o resultado da análise das munições.

Brasília - A Câmara dos Deputados realiza sessão solene para celebrar Dia Internacional do Direito à Verdade e prestar homenagem a vereadora Marielle Franco e ao motorista Anderson Gomes. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Câmara dos Deputados realiza sessão solene
para celebrar Dia Internacional do Direito à Verdade e 
prestar homenagem a vereadora Marielle Franco e
ao motorista Anderson Gomes
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Integrante do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e da organização Justiça Global, Sandra Carvalho, diz que há indícios de que as balas do mesmo lote já teriam sido utilizadas em chacinas e outras situações criminosas anteriores ao caso de Marielle. “Isso requer uma situação muito rigorosa também, porque pode ser um elemento muito importante para desvendar esse crime e vincular com outros, podendo até levar a uma teia criminosa que possa estar articulada.”
Sandra Carvalho, que integra comissão criada pelo CNDH para acompanhar o caso, critica que a falta de controle de armamentos contrasta com o fato de o Rio de Janeiro ser “uma cidade com um armamento absurdo”. “A gente tem uma polícia muito armada e também há forças criminosas muito bem equipadas, o que é fruto de corrupção, de entrada de armas clandestinamente no país, mas isso é raramente investigado”.
A fim de auxiliar nas investigações, na última quinta-feira (12), o vereador do PSOL Tarcísio Motta se apresentou como testemunha e prestou depoimento. Na saída, ele disse que os investigadores pediram informações sobre as atividades de Marielle, a relação dela com outros vereadores, a trajetória da parlamentar no partido e como foi o desempenho dela durante os trabalhos da CPI das Milícias, em 2008, quando assessorava o deputado estadual Marcelo Freixo, também do PSOL.
O vereador também foi questionado sobre críticas que Marielle fez, antes de morrer, ao uso de violência por policiais do 41º Batalhão da Polícia Militar (BPM) de Acari, na zona norte do Rio. Antes de ser assassinada, Marielle havia denunciado, em uma rede social, violência policial de membros do batalhão contra moradores de favelas.
Em nota divulgada nesta sexta-feira (13), a Anistia Internacional voltou a cobrar resposta das autoridades. “O Estado deve garantir que o caso seja devidamente investigado e que tanto aqueles que efetuaram os disparos quanto aqueles que foram os autores intelectuais deste homicídio sejam identificados. Caso contrário envia uma mensagem de que defensores de direitos humanos podem ser mortos e que esses crimes ficam impunes”, destacou a organização.
Os ministérios da Segurança e da Defesa, o Gabinete de Segurança Institucional, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e a Polícia Civil do Rio de Janeiro foram procurados pela Agência Brasil, mas optaram por não se pronunciar sobre o caso, argumentando que as investigações correm em segredo de Justiça.
Já o ministro dos Direitos Humanos, Gustavo do Vale Rocha, disse que está acompanhando o caso. “Evidentemente que a maior parte dessa apuração é sigilosa, mas a gente vem atuando juntamento ao Gabinete de Intervenção e o Ministério de Segurança Pública para não só demonstrar que estamos acompanhando como também estamos cobrando os resultados dessas investigações. E as informações que nos são repassadas é que essas investigações estão bem avançadas”.
Coordenador da comissão de deputados federais formada para acompanhar as investigações, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) é incisivo ao falar que o crime não pode cair no esquecimento. “A gente quer respostas. As autoridades terão que dar respostas para esse crime, porque não há nenhum crime que não possa ser solucionado, a não ser quando há interesse do próprio Estado em acobertar esse crime”, afirmou.
Na opinião de Jean Wyllys, a morte de Marielle está relacionada à sua atuação política. “Não há a menor dúvida de que se trata de um crime político. É um crime motivado pela atuação dela. Não sabemos ainda qual a motivação específica, se está ligado à atuação das redes criminosas e das milícias.
Reação
Os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes levaram centenas de pessoas às ruas do Brasil e do mundo. Nos protestos, participantes lembraram as bandeiras da vereadora,  a garantia de direitos de mulheres e LGBTs, o respeito e valorização dos moradores de favelas e o fim da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, além de pedidos por responsabilização dos culpados.
Rio de Janeiro - Passeata em homenagem à vereadora Marielle Franco, e seu motorista Anderson Pedro Gomes, no centro da cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Passeata em homenagem à vereadora 
Marielle Franco e o motorista Anderson 
Pedro Gomes, no centro do Rio de
Janeir
Fernando Frazão/Agência Brasil
A morte provocou imediatamente fortes reações institucionais. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) disse que o Estado tem a obrigação de investigar o assassinato “de maneira séria, rápida, exaustiva, independente e imparcial, e punir os responsáveis intelectuais e materiais”. O assassinato será tema de uma reunião, que deverá ocorrer em maio.
O Sistema das Nações Unidas no Brasil (ONU Brasil) emitiu nota em que espera “rigor na investigação do caso e breve elucidação dos fatos pelas autoridades, aguardando a responsabilização da autoria do crime”, posicionamento seguido por outras organizações nacionais e internacionais de direitos humanos. 
No dia 20 de março, um documento assinado por mais de 100 organizações de direitos humanos foi lido durante sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra.  No Parlamento europeu, deputados prestaram um tributo a Marielle no dia seguinte à sua morte e pediram a suspensão das negociações comerciais para um acordo de livre comércio entre a Europa e o Mercosul.
Metáfora de muitas das pautas que defendia, Marielle tornou-se a própria concretização do lema que escolheu para seu primeiro mandato: “Eu sou porque somos”.
A amiga e também vereadora Talíria Petrone (PSOL) reforça que a luta de Marielle não cessou com sua morte. “Se achavam que iam silenciar as pautas que a Marielle representava com a sua voz assassinando o corpo dela, a resposta foi na contramão disso. Muitas mulheres negras, em especial, estão se levantando no Brasil todo não apenas contra a brutalidade do que foi a execução da Mari, mas se levantando pela defesa das pautas, contra o genocídio do povo negro. Ela está gritando por aí, mais viva do que nunca”.
Vereadora em Niterói desde 2017, Talíria desenvolve trabalho semelhante ao de Marielle e conta que tem sofrido ameaças. Depois da morte da amiga, passou a ter proteção do Estado, com escolta e outras medidas de segurança.
“A gente vive um momento do ódio. Infelizmente não são casos pontuais. Estruturalmente, na realidade brasileira há o avanço de um conservadorismo, de grupos de extrema direita, fascistas, que querem propagar o ódio e manter marginalizados alguns setores – e isso nos inclui”.
Talíria também vislumbra o crescimento da mobilização em torno da defesa de direitos e acredita que, em homenagem à amiga, é preciso seguir.
“A execução da Mari, de alguma maneira, movimenta as estruturas da sociedade em um momento que, embora provoque medo, embora provoque que a gente se atente mais às ameaças, também provoca muita reação. A gente acaba perdendo o próprio medo. Precisamos reagir, ir em frente, avançar mais, com mais radicalidade. Então, eu estou com muita dor, mas também com muita disposição de lutar”.

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"Choro, mas prefiro ver as notícias a esquecer", diz mulher de Anderson

Cristina Indio do Brasil - Repórter da Agência Brasil
Há um mês, desde que o marido Anderson Pedro Gomes, 39 anos, foi assassinado com três tiros, Ágatha Arnaus Reis e o filho Artur, de 1 ano e dez meses, moram com a mãe dela, em Inhaúma, na zona norte do Rio de Janeiro. A vida segue entre burocracias relacionadas à morte de Anderson, o tratamento do filho com deficiência e a expectativa para a solução do crime. Para Ágatha, as investigações devem ser feitas de forma sigilosa e sem açodamento.
“Não cabe também apresentarem uma pessoa e depois falarem que estão enganados, que é outra, então, que corra do jeito que tem que ser feito”, afirmou a viúva, que costuma trocar mensagens com parentes da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) para quem Anderson trabalhava no dia da morte dele. O motorista trabalhava para a vereadora em geral às terças-feiras e no dia do assassinato completou dois meses que ele prestava os serviços para ela.
Na tentativa de buscar forças e superar a violência do assassinato, Ágatha tem apoio nos parentes e amigos. "A minha família sempre foi muito presente e a dele também. A gente mora em bairros vizinhos e eu vou muito lá também. A minha família e a dele participam muito da minha vida e da vida do Artur como já era sempre. Agora, eu preciso mais, mas eles já eram muito presentes”, afirmou.
Brasília - A Câmara dos Deputados realiza sessão solene para celebrar Dia Internacional do Direito à Verdade e prestar homenagem a vereadora Marielle Franco e ao motorista Anderson Gomes. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Câmara dos Deputados realizou sessão
solene para homenagear a vereadora
Marielle Franco e o motorista Anderson
Gomes
Marcelo Camargo/Agência Brasil

   Fé
Espírita, Ágatha se apega à doutrina para aplacar a saudade. Segundo ela, o espiritismo explica os significados e motivações dos acontecimentos mais dolorosos da vida, mas está difícil seguir os ensinamentos. “Eu esbravejei. Falei que não era justo. Fiquei com raiva de Deus porque a gente tinha muita coisa para fazer ainda e tento ficar pensando nos motivos, na situação. Escuto muita gente, mais voltada ao Espiritismo, falando que era a hora dele, tanto que foi tão rápido e Deus foi bom com ele, essas coisas, mas nada, mesmo a gente acreditando e dando uma amenizada, a gente não consegue ficar tranquila”, disse.
Para a viúva, é doloroso ver o filho e saber que ele não terá o pai ao lado para ver o seu desenvolvimento. “Desde a gravidez eu soube que o Artur ia ser um bebê que precisaria operar com 16 semanas. Fiz um exame que furaram minha barriga ainda grávida para tirar líquido amniótico. Então, a gente passou muita coisa mesmo e ele não ver o desenvolvimento do Artur depois de ter passado tudo isso, me magoou muito mesmo sabendo que ele está vendo em um outro lado [no plano espiritual]. É muito dolorido tirarem a vida de uma pessoa que ainda tinha muita coisa para fazer. Dá um nó na cabeça. É o que mais me dói no momento”, disse.
Na tentativa de retomar a normalidade, Ágatha voltou a trabalhar como agente de pessoal no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP), de Tomás Coelho, na zona norte, onde o carinho e a atenção são constantes. “Muita gente me parava no corredor e falava comigo”, disse. “As pessoas me param nas ruas e perguntam se podem me abraçar. Eu confesso que gosto de receber este carinho e ver as notícias. Eu choro, junto com a mãe dele, mas prefiro ver do que ir esquecendo.”
Simbolismo
A morte do motorista Anderson Gomes representa mais do que a perda de um marido para Ágatha Reis. O assassinato dele na noite do dia 14 de março, no Estácio, região central do Rio, ao lado de Marielle Franco virou um símbolo de resistência à violência. Ágatha lembra que ela e o marido, no dia seguinte às mortes, iriam ao endocrinologista do filho.
“O Anderson nem ficou sabendo da conclusão das coisas. O Artur começou o tratamento hormonal e faz a maior diferença, agora, no desenvolvimento dele. Dói muito o pai não estar presente, porque a gente passou por tantas coisas juntos, principalmente, na fase de querer ter filho e nessas coisas [do tratamento] com o Artur. O Anderson me faz uma falta tremenda, principalmente, na criação do nosso filho, no dia a dia”, disse Ágatha à Agência Brasil.
A viúva por um momento se perde entre lembranças e fotografias: “Nós éramos muito amigos de conversar sobre qualquer besteira. Nossos momentos de almoço e de janta, quando a gente estava junto, eram sempre sentados conversando. Eu perdi mais que um marido, perdi um amigo porque nós éramos amigos mesmo. Não sei nem descrever a falta que eu sinto”.
Segundo Ágatha, a vinda de Artur era um desejo de Anderson, que sonhava em ser pai. “Foi ele que me pediu para parar de tomar remédio, porque a nossa diferença de idade é significativa. Ele não tinha outros filhos, então, ele ficou bem contente [com o anúncio da gravidez]”, disse.

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Família de Marielle Franco participa de missa no centro do Rio

Cristina Indio do Brasil – Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro Missa celebrada neste sábado, quando se completa um mês do assassinato da vereadora Marielle Franco
Missa celebrada neste sábado, quando se completa um mês do assassinato da vereadora Marielle Franco, na Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no centro do RioCristina Indio do Brasil/Agência Brasil
Uma missa celebrada hoje (14) na Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no centro do Rio, na data em que marca um mês do assassinato de Marielle Franco, reuniu amigos e parentes da vereadora do PSOL. O pai de Marielle, seu Antônio Francisco da Silva, disse que tem sido difícil seguir adiante, mas as homenagens e o apoio de amigos têm ajudado a amenizar o sofrimento. “Calaram a voz da minha filha covardemente. Sempre vou dizer covardemente, porque não deram nenhuma chance de defesa para a minha filha. Então, eles foram muito covardes nesse ato”, disse após a missa. 

A mãe de Marielle, Marinete da Silva, falou sobre a angústia da espera pela elucidação do assassinato: “É duro. São 30 dias nessa espera, com a expectativa de que vai conseguir resolver de alguma maneira. Para mim, para a sociedade, para a família toda. A gente espera uma resposta porque não tem explicação para o que fizeram com a minha filha. Foi cruel. Acho que para todos que conheciam a história dela e para mim, como mãe, é muito difícil. Tem sido dias de muita dor e muito luto para a gente".

Para Marinete, o assassinato da filha além de ser cruel foi “macabro”. “Não se cogita em época nenhuma se enterrar filho e eu enterrei minha filha de uma maneira precoce, trágica e dolorosa demais pelo que fizeram”, disse.

As manifestações e homenagens que estão ocorrendo mundo a fora também são motivo de força para a família. “A gente tem se apegado muito a isso e é unir forças mesmo. Enquanto o mundo clamar, vamos esperar por uma resposta. A gente quer e precisa", disse Marinete ao ressaltar que confia no trabalho de investigação: "Eu confio muito no trabalho que está sendo feito e vou confiar sempre que eles vão resolver [o crime]”.

Anielle falou também sobre a falta que Marielle faz para a família. Ela contou que sua filha Mariah, de 2 anos, sempre pede para que ligue pelo celular para falar com a tia. “Ela era aquela que chegava, eu ficava realmente atrás dos panos e esperava ela decidir em alguns momentos. Vamos almoçar onde? A gente vai sair? Já marquei tudo, já reservei e a gente só ia na onda. Tem sido complicado. Ela, além de tudo, era uma amigona para quem eu ligava nos momentos desesperados da vida. A gente tem tentado juntar os cacos para tentar seguir a vida”, disse.Anielle Franco, irmã de Marielle, disse que as manifestações que tem ocorrido no Brasil e fora do país mostram que houve um reconhecimento do trabalho da irmã, embora infelizmente isso tenha ocorrido apenas após a morte dela. “A gente espera por justiça e a gente espera mais do que quem fez, mas quem mandou fazer. Queria muito saber, porque a pessoa arquitetou muito bem esse crime. Quem foi o autor intelectual desse crime e por quê? Ela dialogava tanto, porque não tentar o diálogo?”, questionou.


Rio de Janeiro - A irmã de Marielle, Anielle Franco, com a filha Mariah de dois anos, na missa celebrada por ocasião de um mês do assassinato da vereadora, na Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no centro do Rio
A irmã de Marielle, Anielle Franco, com a filha Mariah de dois anosCristina Indio do Brasil/Agência Brasil
A irmã da vereadora disse que a família não pediu qualquer medida de proteção e nem tem intenção de sair da cidade ou do país, até mesmo porque não sabe a motivação do crime. “A gente não sabe de onde veio e não tem nem condição financeira de mudar a família toda. Eu tenho uma filha. A Luyara [filha de Marielle] passou agora para uma universidade pública. Como a gente pega e sai de um lugar, de uma cidade, de um país? Mas a gente não tem tido proteção nenhuma. Estamos mantendo a rotina normal, não sei se deveríamos, mas é o que estamos fazendo”.

A assessora que estava no carro com Marielle no momento do crime se mudou do país junto com a família.

Missa
A atriz Sophie Charlotte e o marido, o ator Daniel Oliveira, também acompanharam a missa e levaram o filho Otto. Para Sophie, a morte de Marielle não pode ficar esquecida. “Foi há um mês. Ainda não foi solucionado o caso. Os responsáveis ainda não foram encontrados e acho que nossa presença aqui também é uma maneira de mostrar que estamos atentos”, disse.

A família de Anderson Gomes, que dirigia o carro em que a vereadora estava e morreu com três tiros nas costas não estava presente. Segundo Anielle os parentes do motorista estão em um retiro espiritual.

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Viúva de Marielle diz que ainda precisa "fazer o luto"

Cristina Indio do Brasil - Repórter da Agência Brasil
Marielle Franco, assassinada a tiros no Rio no dia 14 de maio, ao lado da esposa, Mônica Benício (Arquivo pessoal)
Marielle Franco ao lado da esposa, Mônica BenícioArquivo pessoal
Um mês depois, a arquiteta Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada no dia14 de março, disse à Agência Brasil que ainda não conseguiu “fazer o luto” da morte da companheira. Faz um mês que está difícil sair, voltar para casa e ficar no espaço que foi construído com todo cuidado.

“A casa é um processo muito importante neste luto porque cada detalhe era pensado com muito carinho para a casa ser o espaço de acolhimento, para a casa ser o templo, para ser o ritmo diferente do dia a dia da gente antes de entrar em casa", contou.

Mônica revelou que aguarda diariamente e a qualquer momento que Marielle entre em casa. “Como eu ainda não fiz esse luto da esposa que perdi e sequer consegui entender isso, todos os dias eu ainda espero por ela chegar. Eu só me dou conta da diferença da morte da vereadora que a gente vem reivindicando e da Marielle, minha mulher, quando vejo o lado dela na cama, vazio e quando vou dormir. Esses são os momentos mais difíceis, mas sair da casa, deixar a casa, é a concretização de ter que entender que ela não vai mais voltar, né? E isso eu ainda tenho me negado a fazer. Como tenho me negado ainda a entender o que aconteceu. É um processo que tenho trabalhado na terapia, mas só entendi a morte da vereadora. Não pude aceitar a morte da minha mulher.”

O alento vem da presença constante de amigos que têm evitado que ela fique só. "O fato de voltar em casa e permanecer, eu não tenho ficado sozinha. Sempre tenho tido o apoio dos amigos. Toda a equipe da Marielle que trabalhava com ela é uma rede de amigos e de grande solidariedade e amor. É o que tem me mantido de pé. Então, eu não tenho ficado sozinha”.

Dor
A viúva disse que vive um sentimento que mistura dor e indignação pelas circunstâncias dos fatos, mas também de esperança e de amor. “Embora toda essa tragédia, a Marielle queria terminar o mandato dela de vereadora e acho que de certa forma toda essa repercussão mundial vem dando continuidade ao trabalho dela, que era sempre feito com muito afeto e muito amor. Isso mobiliza e acalenta um pouco o coração, faz com que a gente tenha esperança que este mundo possa ser ainda um lugar um pouco melhor”.

“Ver as pessoas hoje se reunindo com afeto e solidariedade, mas também com indignação pedindo por justiça, mostrando afeto e solidariedade, é muito gratificante. É ver que o trabalho dela, a morte dela não foi em vão e o trabalho dela está continuando”, afirmou Mônica.

Segundo Mônica, a dor que sente é tão profunda que não viu o tempo passar: “Eu nem sequer sabia que já faria um mês. Fui informada disso pelos chamados para as atividades de um mês no Amanhecer por Anderson e Marielle [manifestações para lembrar as mortes e pedir justiça] ”.

Investigações
Acompanhando de longe as investigações do crime, Mônica classifica os assassinatos de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes com uma única frase: “Bárbaro, político e muitíssimo bem executado”. Para ela, no Brasil, pessoas que praticam este tipo de crime, julgam-se acima do bem e do mal e acreditam que não serão punidas.

“Eu tenho acompanhado de longe. Existe uma equipe técnica muito qualificada. O que me resta é ter esperança que eles façam um bom trabalho. Eu não tenho dúvidas de que este crime da Marielle terá resolução, mas para a gente é importante que não seja qualquer resposta, mas que seja a resposta", disse Mônica.

"Mais importante do que quem fez, é quem mandou fazer. É importante quem puxou o gatilho, mas também entender quem foi que articulou, porque articulou. Isso é o mais perigoso. Com certeza quem está por trás disso acredita nessa impunidade que o nosso país está acostumado a ver as pessoas que têm, de fato, poder aquisitivo e exercem o controle político dessa cidade.”

Para Mônica, o crime foi tão “brutal” que rompeu fronteiras e chocou o mundo. “A satisfação do crime da Marielle não se deve só à viúva da Marielle, à família, aos amigos, ao Rio de Janeiro, ao Brasil. O mundo inteiro quer saber o que foi que aconteceu aqui e a gente deve essa satisfação ao mundo”, observou.

A viúva de Marielle defendeu o sigilo nas investigações para preservação do material apurado em busca de resultados. Mônica destacou, que, apesar da angústia, por uma solução é preciso dar o tempo para a conclusão das apurações.

“O sigilo é importante neste momento porque é um momento muito delicado para as investigações. E tem meu respeito quanto a isso. A gente tem que entender que o tempo da nossa angústia é diferente do tempo das investigações, porque foi um crime muitíssimo bem executado. Mas isso não nos tira da luta e não nos tira a esperança de que a gente vai ter essa resposta", afirmou Mônica.

A viúva disse que aguarda a resposta certa, não rápida sobre a responsabilidade de quem matou Marielle e Anderson. "Claro que a gente quer essa resposta o mais breve possível. Isso não me trará ela de volta, então, eu aguardo pela resposta certa e não pela resposta mais rápida. Quero a resposta que seja a justa e não por uma questão de vingança, mas por uma questão de justiça. Para que os responsáveis por essa execução da Marielle e pela morte do Anderson sejam devidamente responsabilizados e punidos pelo que fizeram”, concluiu.