Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Candidato à Eternidade

Quinta, 26 de abril de 2018
Por
Fernando Tolentino*

Quem foi mesmo o fulano que condenou Nelson Mandela? Quem aí sabe o nome de quem deu o tiro fatal em Che Guevara? Alguém sabe o nome do algoz de Tiradentes? Ou do assassino de Antônio Conselheiro?
Os nomes dos carrascos não merecem mais que o lixo. São meros serviçais.
Muitos sequer conseguem identificar os interesses que defendem. Menos ainda é possível entender o que anima as suas vítimas.
Aos 7 anos, talvez tudo o que Lula poderia ambicionar seria o dia seguinte, a estação seguinte, o ano seguinte. Afinal, na região em que vivia, já havia sido uma exceção por completar um ano, quando as estatísticas mostravam que isso só era possível para uma em cada dez crianças. Com 14 anos, não havia como sonhar mais do que com o dia em que se tornaria um torneiro mecânico. Quando ingressou no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, dez anos depois, dificilmente imaginava chegar à presidência da entidade. Liderando as históricas greves a partir de 1978, ainda relutava em participar de partido político, o que veio a ocorrer em 1979, com a fundação do PT.
Foram mais dez anos para, na primeira eleição direta desde que instituída a ditadura militar, disputar a Presidência da República. Chegou ao cargo após três derrotas, 14 anos depois.
Alguém diga, por favor, a esses almofadinhas de Curitiba que isso bastava para satisfazer alguma ambição pessoal daquele menino de Garanhuns.
Mas Lula queria muito mais. Aquilo, para ele, representava a oportunidade de fazer diferente. Tinha quatro anos pela frente e precisava fazer com que cada criança de grotões como aquele em que viveu pudesse almejar no mínimo o que ele conseguiu ter como trabalhador especializado no ABC paulista. Que cada família tivesse o indispensável para comer. Que as pessoas, em casas iluminadas, pudessem se enxergar à noite. Que a educação fosse acessível para todos.
Lula teve quatro anos e mais quatro. E viu isso virar realidade. Conseguiu contribuir decisivamente para que o seu projeto se estendesse por mais quatro anos e reeleger Dilma, assegurando a continuidade de cada um desses objetivos. Quando veio o golpe parlamentar-judicial-midiático, já se avizinhava o momento em que se tornaria realidade a profecia de Antônio Conselheiro de o sertão virar mar.
Segundo a FAO (ONU), a pobreza extrema (quem vive com menos de 1 dólar por dia) reduziu-se em 75% entre 2001 e 2012. Nada menos de 35 milhões de pessoas chegaram à classe média.
Lula conseguiu dinamizar setores da economia que agonizavam, como a construção naval, implantar programas estratégicos nas forças armadas, desconcentrar a industrialização de vários setores, como o automobilístico, ampliar fronteiras para empresas brasileiras e quitar a dívida com o FMI.
Primeira capital do Brasil, a Bahia chegou ao início do seu governo com apenas uma instituição federal de ensino superior, sendo esse número multiplicado simplesmente por cinco. Essa desconcentração ocorreu no restante do Brasil, de modo que a Paraíba tornou-se o estado com o maior número de doutores por habitantes, enquanto Bom Jesus (Piauí) passou a ostentar essa condição de município recordista de doutores comparativamente com a população.
Esses feitos são reconhecidos em todo o mundo e, tendo apenas completado o curso fundamental, tornou-se uma rotina Lula ser reconhecido por universidades brasileiras e estrangeiras, colecionando dezenas de títulos de doutor honoris causa. Como nenhum outro presidente ou homem público brasileiro, Lula passou a circular entre chefes de Estado das maiores potências do planeta: presidentes, reis e rainhas. Passou a ser ouvido por esses estadistas, intermediar questões delicadas, sua presença passou a ser destacada pelos dirigentes de países poderosos, independentemente de qualquer afinidade política.
Dá para imaginar que Lula colocasse toda essa trajetória de realizações públicas e pessoais a serviço de, concluídos os seus mandatos, besuntar-se com a oferta da reforma de um apartamento?
Só alguém com uma mentalidade minúscula, absolutamente mesquinha, tacanha. Só mesmo quem se diz à frente de uma cruzada pela moralidade, mas não é capaz de rejeitar auxílio moradia, embora residindo em imóvel próprio. Ou seja, ser indenizado pelo uso de sua própria residência. E receber acima do teto constitucional. Mais que isso, alguém que explique o expediente como um estratagema para burlar a inexistência de reajustes satisfatórios. Mesmo sabendo que tais reajustes são negados a todos os outros servidores públicos.
Só mesmo alguém que é capaz de promover-se com estrepitoso jejum alegadamente em nome da mesma moralidade e, a despeito de estar entre os melhores salários do setor estatal, é capaz de cobrar por palestras em que fala de processos em que atua como agente público ou fazer especulação imobiliária adquirindo imóveis de programa de moradia popular.
Alguém assim não consegue mesmo entender que pode haver outros objetivos na vida que acumular bens e rendimentos.
Aquele sobrevivente da fome, retirante, engraxate, operário metalúrgico foi muito além do que pudesse ser qualquer dos seus objetivos pessoais.
Saiu do seu último governo com 87% de aprovação, o suficiente para não assumir mais qualquer função pública. Até por ter ainda que ter lutado para vencer um câncer.
Disputar um novo mandato de presidente, vencer mais uma eleição, não é na realidade o objetivo de Lula. Na verdade, ele cede à expectativa de seus eleitores.
Jamais um brasileiro foi tão agredido, por quase a unanimidade da mídia nacional, em todos os horários de todos os dias, em todas as edições jornalísticas. Das formas mais torpes, sem dispor do direito ao mínimo contraditório. Mas qualquer sondagem de opinião pública volta a surpreender os seus detratores.
Lula foi condenado, está recolhido a uma cela. E daí? Isso só impõe o mesmo silencia a que a mídia lhe condenou durante tantos anos. Lula continua a exibir mais que o dobro das intenções de qualquer adversário. Quanto mais o querem execrado pela opinião pública, mais o povo deixa claro que é nele que confia.
A candidatura de Lula serve para isso: para deixar claro que o maior inimigo dos poderosos é, por isso mesmo, o único a merecer a confiança do povo brasileiro.
No mais, algo que os meninos mimados dos tribunais paranaenses não são sequer capazes de supor: cada ataque desferido pelos inimigos confirma que Lula é o único dos atuais políticos brasileiros com lugar assegurado na eternidade.

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* Publicado originalmente no Blog do Tolentino