Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Crônica de um advogado derrotado num agravo de instrumento

Quarta, 4 de abril de 2018
Sobre destruição do Parque Ecológico do Gama
Foto: Arquivo Gama Livre

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Por Juan Ricthelly

Hoje fiz a minha primeira sustentação oral desde que iniciei a minha carreira como advogado, completo quatro anos de advocacia em novembro, e foi a primeira vez que tive que me colocar na condição de convencer julgadores à mudar de opinião.

Nós sempre assistimos aqueles filmes, onde o advogado faz um discurso lindo e maravilhoso defendendo a sua tese, com uma música emocionante de plano de fundo e lágrimas escorrendo pelos olhos de quem acompanha o julgamento...

Para tudo! A realidade não é assim, ao menos não foi pra mim.

Cheguei cedo no tribunal, dei o meu nome para fazer defesa oral e comecei a rabiscar num pedaço de papel os pontos que abordaria em minha arguição, aguardei com atenção as sustentações anteriores, prestando atenção nos advogados que me antecederam, tentando captar algo que pudesse aproveitar quando fosse a minha vez.

Após uma hora e meia acompanhando outras audiências, chegou o meu processo, e já começaram a julgar imediatamente, com relator começando a ler a conclusão de seu voto.

Quando notei, imediatamente levantei de meu assento e disse:

— Oi... Pela ordem doutores!

— Sim... O que houve doutor?

Todos os olhares voltados para mim

— É que eu me inscrevi para fazer sustentação oral nesse caso...

— Mas é Agravo de Instrumento...

— Eu sei, mas versa sobre Tutela de Urgência!

Desembargadores indecisos, até  que o presidente da turma diz:

— O Doutor pode esperar o Relator se manifestar?

— Claro!

E o relator vomitou o seu voto, resumindo a questão de uma forma horrorosa, quase que ao nível de uma briga entre vizinhos, declarando voto contra o que eu havia ido defender.

Foi questionado sobre se seria oportuna a minha manifestação, e fazendo pouco caso do que eu iria dizer, disse simplesmente:

— Ah diz aí!

O curioso é que o Relator, foi advogado e chegou à condição de magistrado em razão do Quinto Constitucional, logo se esperava alguma empatia da parte dele, mas a minha palavra foi garantida mais pelo presidente do que por ele, que ficou constrangido em dizer um "não" na frente de tantas pessoas.

Fiz a melhor sustentação oral que pude sobre uma questão envolvendo o Meio Ambiente, abordei a lei, a história da área que defendi, fiz conexões com água, bacia hidrográfica, ciclo hidrológico, zona de recarga, cerrado... e tantas outras coisas com o que defendi.

Obviamente travei, gaguejei, troquei palavras, embolei uma ideia ou outra, corrigindo logo em seguida, e conclui o meu raciocínio da melhor maneira que pude, deixando um plenário ao menos boquiaberto com tantas coisas que disse.

Quando me sentei na cadeira aliviado, o advogado ao lado apertou a minha mão e me parabenizou, quando olhei para trás senti o mesmo comportamento dos outros advogado presentes.

O Relator ficou nitidamente irritado com aquilo tudo e ao contrário do que havia feito até aquele momento, resolveu ler todo o seu voto, fazendo pausas e comentários paralelos nitidamente direcionados a mim.

Quando ele terminou, foi a vez dos outros dois desembargadores se manifestarem, o primeiro disse algo que não durou nem um minuto, o segundo, falou sobre o quanto o meio ambiente era importante, que concordava com boa parte do que eu havia dito, mas ao fim simplesmente disse "Com o relator!"

Fui massacrado, 3 x 0! Mas algo que me deixou feliz foi a solidariedade de meus colegas de profissão, pela primeira vez senti, que apesar de sermos uma raça maligna (segundo muita gente), somos unidos e foi bom perceber isso.

— Valeu garoto! -  disse um advogado que estava próximo.

No fim levantei nitidamente puto de meu assento e sai da sala de audiência! Do lado de fora, seguramente disse algumas palavras desagradáveis sobre os desembargadores, fui pra casa ouvindo o julgamento do STF no rádio do carro, parei num bar no Gama, e tomei uma cerveja sentindo aquele gosto amargo da realidade, entre uma golada e outra.

Juan Ricthelly
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Do Gama Livre: Saiba mais sobre o caso.

Do site do TJDFT: Juiz DETERMINA paralisação de edificação de auto-escola dentro do Parque Ecológico do Gama