Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Pela paz e pela refundação do Estado Brasileiro

Quarta, 4 de julho de 2018
PorPedro Augusto Pinho*

Em maio de 1938, o político e jurista Francisco Campos apresentou, em discurso, interessante distinção: um episódio, evento fugaz, de um acontecimento, onde se conjugam “o impulso ideológico” e a dimensão temporal.

Vejamos o Brasil de hoje, passados mais de dois anos de governo estabelecido por golpe, articulado, estruturado e financiado por interesses estrangeiros e executado pelos representantes destes mesmos interesses, no Brasil.

Não me deterei no golpe, mas em duas consequências absolutamente nefastas que precisam, com urgência, pautar a ação política e eleitoral dos brasileiros nacionalistas, para correção do nosso rumo.

A primeira é a pacificação do Brasil. A segunda: a nova constituição, a redefinição institucional brasileira.

Para o sucesso do golpe, a mídia hegemônica, oligárquica, antinacional, incentivou todo tipo de ódio entre os brasileiros: ódio às diferenças – raciais, étnicas, religiosas, sociais – ódio às ideias, pois qualquer reflexão desnudaria os interesses alienígenas, com essa ideologia neoliberal que pretende dominar o planeta, e ódio até às manifestações de apreço, amizade, amor.

A campanha pela paz poderia, com toda restrição que tenho a importação de pensamentos e ideologias, seguir a pregação de um dos principais chefes de Estado da atualidade: Francisco do Estado da Cidade do Vaticano.

Em discursos, homilias, documentos, Papa Francisco tem exortado a deixarmos as diferenças de lado, buscarmos as convergências e assim um mundo menos bélico, mais fraterno e possível de continuar existindo.

Este acontecimento, a paz como projeto permanente, criaria, e volto às palavras de Francisco Campos, “uma atmosfera, um ambiente, um clima”, não apenas para as ruas, mas para a reconstrução de um Estado Nacional.

Talvez meu prezado leitor esteja pensando em algum misticismo. Errado. Veja a agressividade que qualquer ação pública desperta. Pessoas que são pais de família zelosos, maridos respeitadores, chutam um pobre homem de rua, que nenhuma condição teria de agredi-lo. Por puro ódio destilado em sua mente pelo noticiário, pela novela, pelos sempre mesmos “analistas”, “especialistas”, “professores” convidados a participar desta farsa televisiva a qual você não reage, não contesta, não questiona. Apenas engole, assimila.

Não será possível conviver com os oligopólios midiáticos privados no Brasil reformulado. A comunicação de massa constroi ou destrói qualquer nação; não pode ficar ao sabor do lucro, da venda de espaços e de notícias.

Veja os exemplos de todos os países onde exista alguma soberania do Estado e naqueles onde os Estados estão desaparecendo, servindo apenas para controlar as revoltas dos povos contra a ocupação estrangeira. As novas colônias do sistema financeiro internacional, da banca, como o designo.

Colocada a paz como princípio permanente e a necessidade de projeto de Estado, vamos buscar algumas referências para sua refundação.

O primeiro e básico fundamento é a democracia. O sistema que permitirá a todos e em todas as circunstâncias, pacificamente, expressarem seu desejo, sua ideia, sua orientação, independente de qual seja. A democracia deve ser tão forte que derrote seus inimigos.

Mas não nos iludamos. A democracia é cara, difícil, exige compromissos e aceitação de discordâncias.

Para não interromper o artigo com transcrições e referências, desde logo cito os principais autores de quem me vali para estas reflexões sobre o Estado Nacional. Os brasileiros Jessé Souza (em especial “Democracia Hoje”, por ele organizado, e “Teoria crítica no século XXI”, organizado com Patrícia Mattos), Marcelo Neves (“Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil” e “Transconstitucionalismo”) e Diogo de Figueiredo Moreira Neto (“Teoria do Poder” e “Novas Mutações Juspolíticas”), o português António Manuel Hespanha (“O Caleidoscópio do Direito” e “Guiando a Mão Invisível”) e os filósofos Nancy Fraser (estadunidense), Axel Honneth (alemão) e Charles Taylor (canadense), e o sociólogo francês Pierre Bourdieu.

A democracia não surge de dádiva divina nem de dispositivo constitucional. É uma construção nacional – atente por favor, democracia não é bem de exportação nem de importação: pergunte aos líbios, iraquianos e aos iludidos com as primaveras árabes, ucranianas etc.

A democracia se constrói com a cidadania. Precisemos os termos. O que é um cidadão, o ator principal da democracia?

O cidadão é um par, ou seja, um igual. Pode uma sociedade de desigualdades tão grandes como a nossa ter cidadãos? Então quem serão os iguais? Uma classe? Um partido? Uma ideologia religiosa?

Repito, aqui, o que já escrevi algumas vezes. A cidadania é construção permanente, como a paz e a democracia. Para que a tenhamos, o projeto de sua construção precisa constar entre os “deveres do Estado”. Para os quais, acima de qualquer superavit fiscal, não poderão faltar recursos. É o pão que alimenta a democracia.

A construção da cidadania se desenvolve em três eixos, simultaneamente implementados: existência, consciência e vocalização.

Existência é a vida. São todos recursos que permitam ao ser humano existir de modo livre, sem sujeição a quem quer que seja senão a sua expressão coletiva: o Estado Nacional. Compõem este eixo os programas de renda mínima, de saúde preventiva e corretiva, de habitação, saneamento básico, proteção ambiental e transporte urbano.

É muito importante ressaltar a característica sistêmica da construção da cidadania. Por exemplo: o planejamento habitacional deve observar e interferir reciprocamente com da mobilidade urbana e com os projetos de higiene e preservação ambiental, a renda mínima com a agricultura familiar e, assim, todos os programas terão uma interseção, uma estreita relação com vários outros voltados para construção da cidadania.

Também os programas e projetos da construção da cidadania terão a mesma relação sistêmica com os grandes programas da consolidação e da sustentação da Soberania Nacional.

O eixo da consciência trata do conhecimento. O conhecimento do cidadão, dos demais cidadãos, das identidades, das diferenças, culturas, opções e o respeito devido a todo ser humano. Também será formador das qualificações civis e militares em defesa da Pátria e para operações produtivas.

A vocalização trata da comunicação. É inimaginável um sistema privado comercial controlar a comunicação social, a comunicação de massa de qualquer País. Não desenvolverei estes eixos da cidadania. Apenas os identifico como necessários para efetiva democracia.

Façamos algumas reflexões sobre a refundação do Estado; as instituições basilares que o formarão.

Sendo o Poder o centro de toda doutrina do Estado, nada mais óbvio que definirmos, no documento de estabelecimento do Estado – a Constituição – quem detém o Poder.

Coerente com a democracia, apenas serão poderes do Estado aqueles advindos da vontade popular, da expressa manifestação do voto do povo. Teremos então  dois poderes: o executivo e o legislativo, ambos com todos seus membros escolhidos, cada um, sem exceção, pelo voto do cidadão. Presidentes, prefeitos, vices, senadores e suplentes, todos só atingirão este poder pelo voto direto dado a cada um.
A legitimação das medidas que alterem de algum modo os dispositivos constitucionais só ocorrerá pelo voto direto, assim como inclusões e exclusões ao texto constitucional. Isto significa que decisões fundamentais para a condução do País serão, obrigatoriamente, plebiscitárias.

Diante deste quadro, devemos territorializar o poder e suas atuações.

Muitos, ainda hoje, discutem o poder em termos meramente ideológicos: esquerda vs direita, luta de classes vs paz social etc etc. Não cabe, a meu ver, orientar qualquer mudança com olhos no espelho retrovisor. Precisamos, ao contrário, de um telescópio que nos alerte para o porvir.

Não estou propondo soluções para questão do exercício do poder. Abro possibilidades em face da certeza que o mundo atual se debate entre o imobilismo social do poder financeiro – concentrador de renda, espoliador e estéril – e a aplicação do progresso tecnológico para o desenvolvimento humano.

E, neste caso, pela ressurreição do nacionalismo.

O Brasil tem, atualmente, 5.568 municípios de áreas e populações muito diversificadas. Dos 159.553 km² de Altamira, no Pará, aos 3,5 km² de Santa Cruz de Minas (MG); da população paulistana – 12.106.920 – aos 812 habitantes da Serra da Saudade, em Minas Gerais.

O mais grave, no entanto, conforme dados de 2014 do IBGE, é que apenas 658 municípios tem o PIB igual ou superior a R$ 1 bilhão.

Esta situação deveu-se ao domínio do poder por oligarquias regionais e do desinteresse da quase totalidade dos governantes nacionais pelas questões brasileiras. Costumo dizer que os países tem presidentes, nós tivemos muito mais embaixadores. Hoje embaixadores do sistema financeiro internacional, da banca, com o abrevio. E que levam puxão de orelha quando não se mostram capacitados, como o representante da banca, vice presidente estadunidense Mike Pence, aplicou no fantoche em exercício.

A reestruturação municipal será fundamental para que se lhe confira a responsabilidade de conduzir o programa da construção da cidadania. Entendo que este fundamental programa para democracia e para o desenvolvimento brasileiro deva ser executado pelos municípios, quer pela melhor vinculação do cidadão à cultura local, quer pelo acompanhamento da população, quer por atingir, direta e individualmente, cada brasileiro, no eixo da existência, no da consciência e na capacidade de vocalização.

A gestão nacional, como não poderia ser diferente, será concentrada na Soberania e na Segurança Interna.

Sem que seja uma proposta, imagino o Poder Nacional, quanto ao Executivo, com três vices presidentes: para questões da Cidadania (definições políticas, coordenação, cooperação e controladoria dos programas); para as questões da Soberania e para as questões internas, onde sobressai a segurança pública.

A Soberania, como parece óbvio, não se limita ao preparo das Forças Armadas e da diplomacia, mas se funda na economia, na ciência e na tecnologia.

Não é objeto deste artigo elaborar o organograma nacional, nem deve ser iniciativa individual de quem, com toda credencial intelectual, se disponha. É o trabalho do legislativo.

Algumas ideias, mais para que se abra maior leque de opções do que indicativo de solução, sigo enumerando.

Quanto a territorialidade do poder, colocaria entre o Municipal e o Nacional, uma coordenadoria regional. Ainda exemplificativo: Amazônia Ocidental, Amazônia Oriental, Nordeste Setentrional, Nordeste Meridional, Leste, Sudeste, Sul, Centro Oeste e Distrito Federal. Como em todo poder, os coordenadores, conselheiros, controladores e outros participantes de decisões seriam definidos por eleições regionais, ou seja, seriam cargos eletivos.

O judiciário, como as forças armadas, a representação exterior são parcelas da ação executiva e, como tal, estarão subordinadas a este poder eletivo.

“Legisladores, não temais os urros do sórdido interesse: cumpre progredir sem pavor na carreira da justiça e da regeneração política; mas todavia cumpre que sejamos precavidos e prudentes. Se o antigo despotismo foi insensível a tudo, assim lhe convinha ser por utilidade própria: queria que fôssemos um povo mesclado e heterogêneo, sem nacionalidade e sem irmandade, para melhor nos escravizar.” (José Bonifácio de Andrade e Silva, 1823)

O Brasil, destruído pelos interesses estrangeiros e da oligarquia que lhe é aliada desde antes da formal independência, chega a um momento de absoluta falta de sintonia: da economia com as necessidades nacionais, da política com a população, das técnicas com suas aplicações, enfim há em tudo um desconcerto.

Muito devido pela sempre presente imitação, cópia, sujeição a ideias e modelos criados para outras realidades e outros propósitos.

É óbvio que precisamos auditar a dívida brasileira, que precisamos cobrar os débitos fiscais e previdenciários dos ricos empreendimentos e conglomerados, que precisamos imprimir um desenvolvimento que atenda às nossas necessidades de emprego, renda, educação, saúde e progresso, mas, caros amigos, isto já foi, com maior ou menor consciência e capacidade tentado algumas vezes, nunca perdurou. Talvez por termos descuidado de projetar o modelo institucional próprio, que saibamos usar, que seja afim de nossa cultura, de nosso povo.

*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado