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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

MPF reafirma incoerência de parecer da AGU sobre marco temporal e demarcação de terras indígenas

Quarta, 15 de agosto de 2018
Do MPF
O assunto foi discutido durante evento em homenagem ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado em 9 de agosto
Foto mostra palestrantes do evento no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília
Foto: Divulgação 6CCR
Em sua fala, o subprocurador-geral da República enfatizou que o direito dos índios às suas terras é originário e se sobrepõe a qualquer outro interesse que exista sobre elas. Registrou também que o parecer da AGU contraria dispositivos expressos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que o Brasil ratificou e se comprometeu a observar – , especialmente ao relativizar a consulta aos povos indígenas, bem como ao restringir o exercício de seu direito de posse de suas terras tradicionais. “Consideramos que o parecer viola o conceito de posse tradicional estampado na Constituição”, afirmou o coordenador da 6CCR.O coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), Antônio Carlos Bigonha, reafirmou que o Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União – que estabelece a tese do marco temporal como paradigma para a demarcação de terras indígenas – não é coerente com as normas de proteção aos direitos indígenas previstas na legislação e na Constituição Federal. O posicionamento foi reiterado durante o "Ato em Defesa dos Direitos Indígenas do Brasil", realizado na última quinta-feira (9), no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília. O evento foi promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pelo coletivo Mobilização Nacional Indígena (MNI).

Bigonha argumentou ainda que o documento foi embasado em concepções iniciais e parciais do Supremo Tribunal Federal (STF), e que o próprio STF considera não haver base para um entendimento vinculante. Contudo, o parecer tenta esclarecer esse entendimento e torná-lo geral e obrigatório, gerando grande insegurança jurídica, por generalizar um entendimento restritivo de direitos e contrário à Constituição. A vigência do documento provocou a suspensão do processo de demarcação de algumas terras indígenas que já se encontravam em estágio avançado, reacendendo conflitos sociais que vinham ser pacificados com a regularização dessas terras, explicou.
Esperança – O representante do Ministério Público Federal destacou que a instituição está empregando todos os esforços para reverter o parecer normativo e as decisões do STF que restringem os direitos dos indígenas a suas terras. Ressaltou ainda que procuradores da República em todo o país têm atuado para garantir decisões judiciais positivas no sentido de consolidar o conceito constitucional de posse tradicional indígena e afastar o marco temporal. “A 6CCR é contrária ao Parecer nº 001/2017. Emitimos uma nota técnica nesse sentido e a Câmara dialoga com a Advocacia-Geral da união (AGU) para a total revogação do parecer”, finalizou Bigonha.
Parecer AGU 001/2017 – Estabelece que a Administração Federal siga, em todos os processos de demarcação de terras indígenas, as condicionantes definidas pelo STF no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (PET 3388). De acordo com a 6CCR, o documento restringe o conceito de terra indígena previsto na Constituição e cria obstáculos ao exercício desse direito fundamental pelos povos indígenas.
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MPF defende direitos indígenas em audiência pública sobre novo traçado da BR-158, em Mato Grosso

A reunião discutiu meios para garantir que um trecho da rodovia no nordeste do estado não atravesse reserva indígena
Foto mostra debatedores na mesa de abertura da audiência pública
Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados
Durante a reunião, Everton Aguiar ressaltou que o traçado cortando o interior da terra indígena foi uma das causas e um dos catalisadores da ocupação da área por não indígenas, bem como por novos posseiros. Além disso, a projeção facilitou a prática de incêndios que ocorrem até hoje na região. Ao abordar essa situação e revelar que a BR-158 continua operando dentro da terra indígena, ele enfatizou que o Plano Básico Ambiental (PBA) do novo traçado deverá prever meios para minorar e compensar os danos causados à população tradicional. Enfatizou também os altos custos econômicos dos danos socioambientais causados diariamente pela permanência da estrada dentro da terra indígena.O Ministério Publico Federal (MPF) participou de audiência pública promovida nessa segunda-feira (13) pela Câmara dos Deputados para discutir novo traçado de uma parte da BR-158. O trecho, localizado no noroeste do estado de Mato Grosso, foi originalmente projetado para passar por dentro da terra indígena Maraiwatsede, o que tem gerado a violação continuada dos direitos indígenas e danos socioambientais. Foi acordado um novo traçado, que contornará a terra indígena de modo a cessar a continuidade dos impactos socioambientais e atender à população dos municípios de Portinópolis, Alto Boa Vista, Serra Nova Dourado e Bom Jesus do Araguaia. Para que seja respeitada a nova rota e para discutir a execução da obra de pavimentação – que está há cerca de sete anos parada – , o encontro reuniu integrantes do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Fundação Nacional do Índio (Funai). O MPF foi representado pelo procurador da República em Barra do Garças (MT) Everton Pereira Aguiar Araújo, vinculado à Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR).
O PBA é justamente uma das preocupações do MPF, devido a uma recente e mal sucedida experiência: o plano básico ambiental previsto para a terra indígena de Urubu Branco (MT). O procurador da República citou que a área está em vias de passar por um processo de desintrusão – retirada de eventuais ocupantes não indígenas – e o Dnit ainda não executou o plano, apesar de já ter recebido mais de R$ 9 milhões para isso. Everton Aguiar, ao fazer esse paralelo, disse que a situação pode se repetir na terra indígena Maraiwatsede. Isso porque, até o momento, não se sabe se o Dnit cumpriu as condicionantes previstas na licença prévia que foi emitida para execução do novo traçado da BR-158.
Em sua fala, o procurador da República frisou que um dos aspectos mais importantes no caso envolvendo a rodovia e a reserva indígena Maraiwatsede é a recuperação ambiental e a recomposição dos danos. O objetivo é garantir que a comunidade tenha minimamente seus direitos recuperados em razão de todo o transtorno que passou com a BR dentro da sua terra. “É bom deixar bem claro que o MPF vai acompanhar o cumprimento de cada condicionante dessas licenças e tomará todas as medidas necessárias para que elas sejam de fato atendidas por aqueles que devem cumprir, bem como do PBA”, finalizou o Everton Aguiar.